TEXTO ORIGINAL FRANCÊS
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TRADUÇÃO
PRÓLOGO
As publicações acerca dos problemas colocados pelo envelhecimento do homem sucedem-se há muitos anos.
No momento em que preparávamos a Sessão do Grupo Lionês de Estudos Médicos Filosóficos e Biológicos, em 1958, já o Prof. BOURLIÈRE, que solicitávamos, nos
respondia:
«A publicação das conferências, colóquios e congressos de toda a espécie no domínio da gerontologia é tal que as nossas agendas se encontram atravancadas com mais de seis meses de antecedência e que estas tagarelices vão bem depressa acabar por nos impedir de trabalhar.»
Depois, o ritmo manteve-se, e não quero dar como exemplo senão o recente livro, a Nossa Velhice, de PERQUIGNOT e RESCH (Arthème Fayard) e, no plano da acção governamental, a circular do Ministro da Saúde (1-7-60) sobre as condições de hospedagem das pessoas idosas.
Deveríamos pensar que o nosso trabalho de 1958 em Châtelard, de que uma parte havia sido, aliás, publicada na Crónica Social (1.Out-59), merecia ser reunido e desenvolvido num volume que seria o 17º. da Colecção «Convergences?»
O leitor será juiz de saber se a nossa resposta afirmativa não terá sido presunçosa… e se a obra que lhe é apresentada com adjunções importantes se encontra na linha que o Grupo Lionês se esforça por seguir.
Se, com efeito, a nossa ambição não conseguir fazer o estudo de conjunto, a síntese definitiva que permitiria uma vista panorâmica do estado da velhice, pensamos no entanto que este livro poderá abrir vias mais largas e deixar que actualmente os «especialistas» passem a compreender-se melhor e a completar-se.
Poderemos constatar que o nosso esforço nos levou a incidir, bem entendido, nos problemas fisiológicos da velhice, a concentrar-se nos longos aspectos sociológicos, psicológicos e espirituais desta.
Como sempre nestas matérias, uma definição prévia se impõe… Mas na verdade não é fácil dar uma definição de velhice.
Littré diz-nos que é «a última idade da vida de que fixamos o começo aos 60 anos, mas que pode ser mais ou menos retardada ou avançada segundo a constituição individual, o género de vida e uma multidão de circunstâncias.»
Definição muito geral e muito relativa mas com que nos teremos de contentar.
É que se produziu também uma evolução do nosso conceito de envelhecimento e de velhice que corresponde à revolução industrial do fim do século XVIII, bem como aos problemas de medicina física no decorrer do século XIX e os de sociologia e psicologia do século XX.
De facto, que diferença existe entre o velho Homero, respeitável receptáculo do conhecimento humano oralmente transmitido pelos aedos duma civilização mediterrânica primitiva, os interlocutores do mui clássico «De Senectude» com o qual os nossos espíritos sofreram e, por exemplo, o velho pai de Restif da Bretanha?
Em todos eles temos civilizações de pastores ou de camponeses onde o velho tem sempre um lugar, frequentemente respeitável.
Porque, se já não é fisicamente útil, continua o «garante» das tradições e da maioria dos conhecimentos indispensáveis ao homem.
Do mesmo modo, as estruturas das famílias no decurso destes séculos implica uma hierarquia isenta de contestações ou reticências, onde os jovens sabem aquilo que devem e o que é devido aos anciãos.
Mas, como o mostra M. G. GAILLARD, durante algumas décadas o envelhecimento da população e o prolongamento da vida activa relegaram para as masmorras do passando o velho respeitado que discutia com os seus pares à porta da cidade.
Deus meu, ao longo de todo um período, foi o Hospício Departamental das Irmãzinhas dos Pobres a única solução e que deu como resultado a nova acção que intervém hoje, a da solidariedade social, que transfere as responsabilidades da família para a nação e que se apoia numa elaboração estatística ganhando em precisão com o decorrer dos anos.
É precisamente o detalhe desta evolução que nos irá apresentar M. ARNION.
Não é a «reforma» uma das primeiras materializações desta evolução que se esforça por suprir as perturbações no equilíbrio familiar e um abandono evidente dos velhos pelos jovens?
Veremos em que medida o conseguiu com o capítulo de Ph. MAGNIN.
Na verdade, se há mais «velhos», é porque dispomos de meios melhores de preservação da vida e que ao começá-la as nossas hipóteses de atingir uma idade mais avançada aumentam com o grau de higiene e bem-estar do meio em que nascemos.
Mas será que estamos mais bem armados contra o próprio processo da senescência e que a conhecemos suficientemente bem actualmente?
Segundo A. CARREL as culturas de tecidos isolados cujo meio nutritivo está constantemente a ser renovado, são praticamente imortais e, em todo o caso, sobrevivem durante muitos anos aos seus organismos de origem.
Mas quais são as relações entre este tempo fisiológico, o tempo dos filósofos e o dos matemáticos?
Questão que, penso, o estudo da senescência nos permitiu resolver.
Sublinhemos as perspectivas de futuro que a este respeito nos pode dar o estudo recentemente em progresso das enxertias de órgãos (trabalho de uma escola parisiense) e as da multiplicação das células, dos seus factores favoráveis e desfavoráveis.
Veremos os múltiplos aspectos desta fisiopatologia com os capítulos dos Prof. BOUMARD e PLAUCHU.
Do mesmo modo, a evolução social ligada ao envelhecimento da população implica toda uma série de problemas de ordem psicológica, aos quais principiamos apenas a estar prontos para responder.
Sabemos como, já há muito tempo, fomos levados a distinguir etapas nas idades da velhice, escalonando-se após a «velhice amena» do 65º ano até aquele de que nos disseram:
«Os que chegam ao terceiro grau de velhice são extremas imbecilidades, muito sujeitos à avareza e ao medo, impotentes tanto de corpo como de espírito, recurvados e regressados à infância, dos quais se diz: Bis pueri senes.»
Mas será ainda necessário viverem embrenhados nestas noções um tanto simples e rudes, mesmo a propósito deste último estádio da velhice?
E, por outro lado, não será indispensável distinguir nitidamente estas etapas na senescência investigando o «sector» psíquico?
- Etapas no plano intelectual, onde a noção que os psicólogos nos dão de «deterioração» mental permite compreendê-los melhor.
- Etapas de ordem afectiva onde o contributo da psicanálise poderá ser-nos de uma grande ajuda, permitindo-nos reencontrar no indivíduo a envelhecer o que foram os fundamentos inconscientes da elaboração inicial do seu carácter.
Que haja um «facto geriátrico» no plano psíquico bem como no plano somático, é incontestável. Para nós, a dificuldade reside na preocupação permanente de delimitar o que se insere na evolução pessoal espontânea e na circunvizinhança física e social.
É que o idoso é também, no plano das suas relações sociais, marcado por uma ambivalência na origem da qual vários elementos podem estar incriminados.
Ao mito do velho Cronos que devorava os filhos até ao dia em que um de entre eles, que lhe fora subtraído, se mediu com ele, temos de conceder todo o seu valor de arquétipo junguiano.
Mas num plano totalmente diferente, o episódio de Susana e dos dois velhos sublinha o conflito latente entre a persistência de uma sexualidade no homem idoso e a dificuldade que encontra em se exercer normalmente: guardadas todas as proporções, a situação regressa, para muitos, à adolescência onde a sociedade recusa oficialmente, em muitos casos, a virilidade.
É a estes problemas de psicologia normal e patológica que respondem o Dr. DUBLINEAU e, em dois capítulos sucessivos o Dr. MIRAILLET, aluno do defunto Prof. DELORE.
Pelo seu lado o Dr. R. BIOT e o Dr. André BERGE quiseram trazer-nos a sua contribuição no concernente à velhice do casal e ao «estado» de avós.
O enfrentamento da profissão pelo indivíduo que envelhece é-nos perfeitamente enquadrado pelo trabalho do Dr. GENTIS (no quadro das actividades do Instituto de Medicina Legal de Criminologia Clínica de Lyon, Prof. ROCHE).
Não poderíamos, com efeito, passar em silêncio um dos aspectos mais dramáticos das pressões que a sociedade exerce sobre o indivíduo: o papel da miséria, ou no mínimo o da pobreza; o de certas profissões ou de certas situações familiares na aceleração do processo de envelhecimento.
Não esqueçamos que a maioria das obras literárias escritas pelos velhos foram-no pelos membros das classes sociais privilegiadas. Respeitados pois e convencidos da sua perenidade, ao ponto de fazer entrar esta convicção no espírito dos seus descendentes, como nas ilhas Toubouaïs, onde os adultos comem com respeito o antepassado chegado à beira de seus dias, com a certeza de herdar a sua força passada e de neutralizar a sua eventual maleficência.
Mas haverá sempre quem faça, diga-se lá o que se disser, o drama interior do envelhecimento porque apesar do «alargamento gradual do limiar da morte» que as médias da idade da população registam, cada indivíduo caminhando para a velhice toma consciência de que esta mesma morte está próxima para ele.
A pesquisa durante séculos do elixir da longa vida está lá para testemunhar e somos todos, sem dúvida, tentados pelo jogo do Dr. FAUSTO.
Ou então é a resignação desenganada que encontramos em certas passagens da Bíblia. «A conta dos nossos anos é de 70 e, nos casos extremos, de 80, de que a maior parte são sofrimento e nada, já que passam depressa e nós desaparecemos.»
E quantas outras atitudes em face desta saída fatal!
São jornadas nas trevas duma noite que só a «Boa Nova» pôde dissipar.
E, no entanto, ainda nem tudo ficou resolvido.
Seria simples que, para o idoso, a «parúsia» aparecesse como único objectivo; mas nós sabemos como, ao aproximarem-se as portas da morte, o velho é de um comportamento dificilmente previsível.
Medo, pânico do fim último, dúvida após uma vida de fé aparentemente rectilínea ou, ao contrário, clássica conversão do pecador inveterado.
Veremos neste livro os aspectos tanto psicológicos como espirituais desta incerteza com o capítulo terminal de Dr. R. P. CORVEZ.
«Nem morte, nem anjos nem potestades, nem presente, nem futuro, nem altura nem profundidade, nenhuma criatura nos poderá separar do Amor que Deus nos testemunha em Cristo Nosso Senhor.
DR. C. KOHLER.
CAPÍTULO I
«Os Velhos» na história e na evolução social
Entre os múltiplos aspectos que colocamos a nós próprios a propósito da velhice, é indispensável tratar primeiro o do lugar das pessoas de idade na sociedade que a história permite descrever.
A situação actual, ligada a múltiplos factores biopsicológicos, merecia igualmente precisões que, até aqui, não encontraríamos senão muito dispersas.
Temos de estar gratos a M. Gaillard, Professor de História num dos grandes liceus de Lyon, por ter exercido a sua paciência e desfraldado o talento de mestre que gerações de alunos sabem apreciar para nos dar a clara e precisa focagem que vamos ler.
O seu aparato bibliográfico é a garantia da solidez particular deste trabalho que o autor quis modesto tal como é ele próprio.
«O que é o homem? … qual a duração da sua vida? cem anos no máximo. Uma gota de água tirada do mar, um grão de areia, tais são estes poucos anos comparados com a eternidade.» (Si, XVIII, 9 -10).
A constatação mais ou menos amarga da brevidade da vida humana é um tema essencial em todas as literaturas.
O homem não tem só sede de dias numerosos mas também de juventude ou, na falta dela de velhice aprazível.
É um dos ensinamentos do lindo mito de Tithon, esse irmão de Príamo que desposou a Aurora e recebeu dos deuses a imortalidade, mas não o dom da eterna juventude. De preferência a viver uma velhice sem fim preferiu tornar-se cigarra para sempre.
O historiador não pode sonhar estudar nas diversas épocas o problema da senescência, isso é tarefa do médico; no mínimo, considerando largos grupos humanos de períodos tão longos quanto possível, pode ligar-se ao problema das variações da longevidade (1) e do envelhecimento.
Permitam-nos lembrar o que devemos entender por envelhecimento duma população: «uma população envelhece quando a estrutura pela idade evolui de modo tal que cresce em proporção às pessoas pertencentes aos grupos etários mais elevados (2)». A noção de envelhecimento é pois uma noção exclusivamente estatística e quantitativa: uma relação matemática (3).
Hoje, o conhecimento positivo das coisas identifica-se com o estudo do seu desenvolvimento (4).
É esta relação que temos de tentar determinar no decurso das idades e, angariando assim preocupações mais humanas, procurar o lugar, quase éramos impulsionados a dizer, o calor que em tal tipo de sociedade vai encontrar o velho.
Assunto de vulto e exposição diminuta. Confinar-nos-emos a alguns objectivos cuja única ambição é traçar as grandes linhas do tema. Mas antes de formular qualquer hipótese, devemos assegurar-nos que um tal estudo é possível, que as fontes são satisfatórias e em que medida; e decidirmo-nos a encarar o austero problema heurístico.
I – O PROBLEMA HEURÍSTICO (5)
A demografia histórica é uma ciência ainda muito jovem. É principalmente a época contemporânea, rica em dados precisos sobre a população, que reteve a atenção dos demógrafos. Segundo os países considerados, há um século e meio que dispõem de resultados de recenseamento (6).
Os recenseamentos.
Estes recenseamentos são operações de grande envergadura (7), dispendiosas, que exigem grande número de pessoal e que necessitam de um escrutínio lento. Assim, compreendemos que sejam periódicos e que só as sociedades evoluídas os tenham realizado. São uma conquista da época contemporânea. Estes recenseamentos são, no decorrer dos anos, dificilmente comparáveis dado o seu enorme progresso à medida que nos aproximamos do nosso tempo. Esta progressão lenta, insensível mas regular explica a dificuldade de marcar uma data precisa para o primeiro recenseamento (8). Uma série de recenseamentos próximos separa os recenseamentos propriamente ditos do que R. Mols chama as enumerações. Podemos chamar «enumerações» todos os extractos estatísticos anteriores ao século XIX, reservando o termo recenseamento para os extractos mais recentes (9).
As enumerações
Estas enumerações eram levadas a cabo com um objectivo fiscal como o do Domesday Book em Inglaterra (1086) ou o do Estado das paróquias e fogos das circunscrições de bailio e senescalias em França, estabelecidas em 1328. Apareciam com relativa frequência principalmente na Europa ocidental, a partir do século XIV. Neste domínio, a Itália (10) tem um lugar privilegiado, de que são exemplos Veneza e a Sicília onde as enumerações remontam ao século XIII e, por vezes, mesmo ao século XII. Tentámos explicar esta precocidade evocando a influência bizantina (11). Estas enumerações são imperfeitas e não dão senão uma visão parcial da realidade demográfica já que, frequentemente só se reportam a uma categoria da população: os comungantes (12) ou os mobilizáveis, por exemplo. Não podemos dar aos extractos directos uma confiança sem limites; já sem falar dos erros voluntários, deparamos com erros grosseiros de aritmética: fraqueza de que os autores tinham conhecimento pois que anotavam com uma desarmante humildade «Salvo jure calculi». Assaz frequentemente as antigas enumerações limitavam-se a fazer uma distinção entre crianças e adultos sem que seja fácil determinar a idade limite adoptada. Quando, por sorte, a organização por idade é indicada, devemos lembrar-nos que o mais frequentemente é a indicação da idade que figura nas listas e não a data do nascimento. Ora Buffon considerava já a predilecção dos velhos pelas idades terminadas em zero. Se repararmos ainda numa confusão bastante frequente entre números ordinais e cardinais (13), teremos de concordar que é difícil pretender avaliar com precisão a proporção dos velhos nesta ou naquela sociedade. Estas enumerações encontravam na Alemanha, na Inglaterra, na França, e por todo o lado vigorosa oposição (14) dum público menos habituado que nós aos indiscretos questionários duma administração escrevinhadora; público cioso da sua independência que via nestes extractos uma acção ímpia (15) que o céu poderia punir (16). Compreendemos que Necker tenha podido pôr em dúvida a possibilidade de fazer um levantamento estatístico directo num território tão vasto como a França e que tenha lançado mão de uma estimativa indirecta (multiplicação do número de nascimentos por uma certa estimativa) (17). Como seria possível conhecer nestas condições a composição por idades? O único método para controlar estas indicações de idade contidas nas enumerações, ou para suprir a sua ausência seria reconstituir um estado civil por fichas individuais, à base das inscrições dos registos paroquiais (18).
Os registos paroquiais.
Os registos paroquiais são, na verdade, uma importante fonte de informações que começamos a explorar. Estes registos cuja origem é muito obscura são uma criação eclesiástica (19) que remonta ao século XIV, numa época em que começa a triunfar a prova escrita e que se generalizam à época da Revolução (20). O concílio de Trento dedica-se a precisar as regras da sua execução; os bispos (21) exigem-na e controlam-na. Mas a negligência dos Párocos é grande. A estes registos que qualificamos por vezes de «confidentes de Párocos» não falta o pitoresco sendo, no entanto, de uma elementar precisão. Assim, a inscrição dos óbitos é tardia, a das crianças mortas em idade precoce está frequentemente ausente. O poder civil foi levado a intervir e a controlar mais severamente a prossecução dos registos paroquiais. A partir das ordenações de Villers-Cotterets (Agosto de 1539), esta intervenção passou a ser cada vez mais insistente não obstante uma surda oposição do clero que conduziu à laicização do estado civil em 1792. Estas notas são suficientes para
sublinhar a insuficiência, para um estudo demográfico, dos registos paroquiais cujos escrutínios representavam uma tarefa excessiva.
*
O estudo da composição da população por idades no decorrer dos séculos é possível na era dos recrutamentos (séc. XIX e XX) e infinitamente delicado na era das enumerações e registos paroquiais (séc. XIV a XVIII). Anteriormente ao século XIV, um extenso e obscuro período se desenrola durante o qual, mesmo no estado actual dos nossos conhecimentos nada de preciso podemos afirmar.
Que estas constatações nos incitem à prudência! As pesquisas individuais e sobretudo as colectivas permitir-nos-ão talvez um dia seguir, com uma precisão satisfatória, o fenómeno do envelhecimento da população.
II. – UM PERÍODO IMENSO DE TRANSFORMAÇÕES LENTAS
O homem do Neandertal envelhecia? Henri Valois pensou poder responder (22) a esta pergunta. Fundamentando-se no exame do fechamento das suturas do crânio, enunciou a hipótese seguinte. Em 187 crânios pré-históricos só três haviam pertencido a homens com mais de cinquenta anos. Esta vida curta, esta fraca proporção de velhos está completamente conforme ao que poderíamos imaginar e ao que sustenta Hans Weinert (23). Os homens dos tempos pré-históricos não conheceram uma velhice avançada.
Parece, a despeito das opiniões contraditórias dos exploradores que esta é também a sorte dos povos primitivos contemporâneos. Cl. Lévi-Strauss, no seu estudo sobre os Índios Nambiqwara (24), apresenta-nos um grupo de 75 indígenas; apenas oito têm mais de 45 anos; o decano tem entre 50 e 55 anos. Parece basear na idade um certo orgulho, mas não tem autoridade. O chefe é um homem vigoroso de 35 anos (25), capaz de assegurar as carências alimentares deste pequeno grupo dirigindo a caça. No conjunto escolhido não parece que os idosos sejam sistematicamente mandados matar. No entanto, as duras condições de vida conduzem antes a uma limitação dos nascimentos pela prática frequente do aborto.
A entreajuda (26) entre os povos de caçadores não é isenta, como se pensou durante muito tempo, já que o caçador não tem direito pleno de propriedade sobre o animal abatido: uma parte pertence ao pai, outra ao tio materno, etc. O idoso pode, pois, subsistir e mesmo justificar a sua presença executando trabalhos menores como de tecelagem, por exemplo; é através do artesanato que os ineptos para a vida normal se tornam úteis. O coxo Hefaístos não é porventura o ferreiro do Olimpo e seu único artífice?
Segundo Julius Lips (27), o chefe que é necessariamente forte e corajoso, não tem grande autoridade. Deve apoiar-se num conselho de Anciãos e em certas circunstâncias importantes deve assegurar-se do consentimento de um personagem que os Kirghizes apelidam de Barba-Branca. Mas, para além do seu papel de conselheiros, os velhos (28) asseguram o cargo de revelar à geração jovem masculina os segredos fundamentais no decurso das cerimónias de iniciação. Esta função pedagógica dos velhos, que começa com o conto, é um outro aspecto desta divisão do trabalho que assinalamos.
Mas os números citados mais elevados conduzem-nos a uma realidade mais rude (29); a da difícil procura do alimento, não permitindo as longas deslocações que o velho conte continuamente com entreajuda. São pois os factores sociais que encurtam a vida do homem primitivo, porque
acreditamos poder estabelecer que o processo da senescência nas tribos primitivas não começa mais cedo que o dos homens da raça branca (30).
Relance sobre o envelhecimento até ao século XVII.
Será que os povos mais evoluídos, com uma economia relativamente complexa, nos legaram dados suficientemente precisos para nos dar uma ideia, pelo menos aproximada, por um lado, da duração da vida humana e, por outro lado, da proporção de velhos no seio de uma sociedade?
O Génese menciona a longevidade extraordinária dos patriarcas que precederam o dilúvio, primeiro, como Adão que viveu 930 anos, Matusalém que atingiu a idade de 969 anos, depois os que lhe sucederam cuja vida era notavelmente mais curta. «Eis a duração da vida de Abraão: 175 anos. Depois Abraão expirou. Morreu no seio de uma velhice feliz, velho e saciado de dias.» (Gén., XXV, 7-8). O Génese ensina-nos também que Deus, irritado, fixou em 120 anos a duração dos dias do homem.
Plínio, o Antigo, faz alusão a longevidades excepcionais da ordem de mil anos no Egipto que explica pelo uso de calendários diferentes. Mas, por sua vez, estabelece uma lista de centenários onde figura mesmo um cento e cinquentenário originário de Bolonha, e refere que «o corpo de Orestes, desterrado por ordem do oráculo tinha sete côvados (ou seja 3,092 m). Há quase mil anos que Homero se lamentava sem cessar da diminuição do tamanho dos mortais». Santo Agostinho (31), que rejeita formalmente toda a tentativa de interpretação das longevidades, cita esta passagem de Plínio e contribui para propagar esta ideia duma decadência progressiva da natureza humana (32).
Esta concepção consolida a crença numa idade de ouro, numa espécie de superioridade do passado sobre o presente, porque o presente (33) está mais próximo do fim, da morte e mais afastado das idades da perfeição. Parece-nos que há aí um dos elementos do prestígio dos velhos, testemunhas de uma época volvida mas superior.
Tentámos determinar a duração da vida média utilizando documentos epigráficos em que as inscrições funerárias fornecem frequentemente indicações de idade. Embora tais cálculos estejam sujeitos a caução, podemos guardar resultados dos trabalhos de Valaoras (34) para a Grécia do século IV AC (vida média: 30 anos), dos de Pearson (35), para o Egipto, do século I AC (22,5 anos), sem nos preocuparmos em explicar a diferença entre os dois países (36).
Trabalho semelhante foi levado a cabo por Max Kemmerich (37) que reuniu uma série de dados sobre os imperadores alemães. A duração média da vida, para este grupo privilegiado, teria sido de 31 anos para os imperadores do século IX ao século XIV, de 36 anos do século XIV ao XVI, de 37,1 anos para aqueles que reinaram entre 1450 e 1600, de 37,7 anos para os do período compreendido entre 1600 e 1780. De tais números, obtidos com a ajuda de dados fragmentários, não poderá haver senão um alcance restrito.
Beloch (38) tentou determinar a composição por idades de algumas cidades italianas. Em Pozzuoli, em 1489, a proporção de homens de mais de 60 anos era de 3,8% (39), e de 6,5% para as mulheres; em Sorrente, em 1561, era respectivamente de 7,7% a 8,5%. Bickel (40) obteve para Berna, em 1761, 9,6% (homens com mais de 60 anos) e 10,6
(mulheres de mais de 60 anos). A abundância das fontes antigas permitiu a Beltrami (41) seguir a evolução da composição por idades da população veneziana. Os que têm mais de 60 anos representam 10,7% da população total em 1600-1610; 12,9% em 1650-1660; 13, 8% em 1700-1710; 15,7% em 1780-1790. O progresso do envelhecimento não se faz regularmente mas no entanto existe para Veneza e no período considerado um secular trend. A enumeração austríaca (42) de 1754 avalia, no que respeita as províncias, a percentagem de 10,3 a 16,1% das pessoas com mais de 50 anos.
As variações e o seu curso.
Constatamos diferenças notáveis segundo as épocas ou os lugares. Mais que a ideia da progressão do envelhecimento, é a ideia da variação que deveríamos reter. Estas variações de amplitude média poderiam ser o reflexo de variações climáticas (43) responsáveis por fomes ou epidemias, tendo estes dois flagelos provocado cortes importantes nas populações. As diferentes camadas não eram igualmente marcadas. O aumento dos óbitos dos velhos em casos de peste ou de fome é relativamente fraco. A mortalidade das crianças (de 0 a 5 anos), muito acentuada em tempo normal (40%), não podia agravar-se. São precisamente os grupos intermediários os mais afectados, os jovens (de 5 a 20 anos) e os adultos, particularmente as mulheres cujos sacrifícios voluntários e as provações da maternidade tornavam mais vulneráveis. Neste caso torna-se possível um leve envelhecimento. Mas, terminada a crise, assistimos a uma verdadeira renovação, a um crescimento sensível dos nascimentos e, proporcionalmente, o número de velhos diminui, logo a população rejuvenesce. Temos de renunciar a uma representação gráfica detalhada no que respeita a todas estas variações (44). Para fixar ideias poderíamos dizer com precaução que a percentagem dos que ultrapassam os 60 anos oscilou entre 5 e 15% durante os 17-18 primeiros séculos da era cristã. Estes números não se afastam muito da proporção teórica de Sundbärg: 10% (45) e 23% com mais de 5 anos.
Relance sobre algumas relações velhos/sociedade.
Englobando a vida de cada indivíduo, a família patriarcal é a unidade capaz de prover a todas as suas necessidades religiosas, morais ou materiais (46). É entre os seus que encontramos o velho, mestre incontestado e respeitado nesse grupo de que ele, um antepassado é um padre em potência, que dirige aos antepassados defuntos as orações apaziguadoras e as súplicas da família; o velho é também um juiz, o mestre num domínio onde detém a gestão e provém às necessidades dos seus conforme ao seu critério.
Encontramos esta família patriarcal largamente espalhada no mundo e o seu chefe é sempre um ancião o que não quer dizer que seja obrigatoriamente um velho: pater famílias latino, grhin dos hindus, heiwa – franja dos germanos. Não é a zadrouga das cadeias dináricas uma sobrevivência deste tipo de família?
Não podemos abordar aqui o estudo delicado da evolução da família (47); que seja suficiente lembrar que a partir do fim da República romana a autoridade paterna perdia o seu carácter absoluto; que a família sofreu a repercussão das invasões bárbaras e a influência do cristianismo. A Igreja fundava a família unicamente sobre o matrimónio ao qual ela conferia um carácter indissolúvel, libertando nitidamente a noção de dever entre os membros da família. Mas todas estas transformações, por mais importantes que sejam (para a mulher e para a criança, notavelmente) não retiram à família patriarcal o essencial das suas características. Permanece um grupo importante que dirige firmemente o chefe de família; e isto é válido não somente para a Idade Média mas também para o século XVIII em pleno século das luzes. O Sr. R. Reinhard escreve a este respeito: Nem os casamentos nem as altas dignidades, com excepção do episcopado emancipavam as crianças quando se embrenhavam na vida comum o que, aliás, era bastante frequente. O explorador inglês Young fornece disso um testemunho: quando um filho mais velho se casa, leva a mulher para a mansão do pai onde se preparou um aposento para eles. Quando uma rapariga não desposa o filho mais velho, o marido é recebido na família. Ele explica assim o número enorme de hotéis familiares em Paris. Nas zonas rurais, a unidade da família assim ampliada subsistia assaz frequentemente.
«Marmontel descreve com emoção o lar onde se desenrola a sua infância: dois bisavôs ao canto da lareira a beber o seu copinho de vinho, a avó e as três irmãs, o pai, a mãe e uma tia. Em Berry e em Nivernais e, por vezes, noutros lados, encontrávamos a «comunidade tranquila»: os filhos agrupados à volta dos pais, casados ou não, desfrutando a mesma felicidade (48)»
O respeito do velho.
Velho dirigente ou velho albergado à enorme mesa e ao canto da lareira, dá-nos sempre a sensação de velho respeitado. O Estado sancionava esta autoridade paterna. Velho respeitado (49) porque velho aureolado do prestígio do sobrevivente. A mortalidade infantil (50) foi durante séculos e séculos algo pavoroso (40%). Até aos 10 anos, o que havia de mais incerto do que a vida duma criança? «Deve-se proteger o filho do fogo e da água desde que tenha ultrapassado os VII anos», observa Philippe de Novare. «Em Ypres, certos pais, por demasiado previdentes retardavam a vida comunitária com os filhos afim de não serem obrigados a pagar o funeral se acaso morressem (51)». No espaço de sete gerações, a família Rohrbach em Francforte contou 53 filhos dos quais morreram 35 antes do pai e só casaram 12 (52). Marthorez apresenta 16 famílias francesas com média de 11 filhos cada uma ou seja 176 crianças; destas, 90 morreram antes dos 16 anos, 6 tombaram na guerra, 21 ficaram solteiras, 27 entraram para as ordens religiosas, 1 emigrou e só 35 se casaram (53).
A criança, sempre ameaçada, representa portanto muito pouco ao pé do velho vencedor de tantas ciladas cuja erudição era preciosa aliada à experiência útil numa época de escassas transformações técnicas em que os espíritos, sem disso se aperceberem, eram afeiçoados por uma teoria cíclica do tempo. É um velho amigo da família que dá ao jovem Romano a sua formação política; assim, Cícero foi confiado a Quintus Mucius Scaevola a quem ficou fielmente ligado (54).
Encontramos pois esta função pedagógica do velho, agente de contacto entre gerações e cuja arte de narrar não é senão um dos seus deliciosos aspectos. Durante a revolução francesa, o desejo de fazer reviver a virtude republicana antiga levou a Pátria em perigo a solicitar aos velhos para se deixarem conduzir à praça pública afim de exortar os jovens ao combate.
Vemos perfeitamente aqui que a autoridade ultrapassa a família que se estende à cidade e explica assim a gerontocracia. O papel de conselheiro parece bem adaptado à velhice. Jeová diz a Moisés: «Reúne – me 70 dos antigos de Israel… Descerei para conversar contigo; mas tomarei o espírito que paira sobre ti para o colocar a pairar sobre eles. Assim, tomarão contigo a responsabilidade deste povo e cessarás de ser tu sozinho a conduzi – lo (55).» Conhecemos a omnipotência da gerúsia em Esparta, um conselho de 28 velhos e a do Senado romano dos tempos da República, dos tempos das conquistas e dos loucos cometimentos (56). Os doges que dirigiam Veneza eram também homens idosos, tais como Dândolo, um dos responsáveis pelo desvio da quarta Cruzada que, aos 83 anos encontramos a participar no cerco de Constantinopla. A Santa Sé manteve – se um governo gerontocrático até aos nossos dias. Em 1941, o Sacro Colégio tinha um deão com mais de 90 anos, 5 cardeais haviam ultrapassado os 80 anos, 13 tinham mais de 70 e 26 mais de 60. Somente 8 não ultrapassavam os 60 anos (57).
A velhice ideal.
Houve escritores tais como Cícero no seu De Senectude e Platão no começo da sua República, que quiseram descrever uma velhice ideal na qual o homem, à força de perícia e como um piloto hábil, evitaria os males desta idade para conservar apenas as alegrias purificadas.
Um sem número de livros evoca Sófocles demonstrando aos seus juízes a sua lucidez recitando-lhes o seu Édipo de Colona ou ainda o Ticiano quase centenário cardando até ao último dia! Daí as tentativas para procurar saber em que idade um pintor ou um músico produz a sua melhor obra. Falsas pesquisas conseguem apenas alimentar o mito da velhice amena para todos. E eis-nos colocados ante um problema acessório, o problema da senescência de acordo com as épocas. Hoje em dia já não somos velhos aos sessenta anos. É uma verdade quotidiana. Podemos citar os velhotes de Molière que têm 40 anos, a camponesa de Arthur Young, tão velha e arruinada, não tendo, porém, mais de 30 anos. Poderíamos também lançar mão de um testemunho medieval do Romance dos Romances:
Assim temos muitas centenas já bem velhos
Aos 30 anos já bem grisalhos e calvos.
Que frágil o aspecto
Quando se é velho (58).
Mas não faltam argumentos a dizer precisamente o contrário. Para os Romanos, a velhice não começava aos sessenta anos?
A reforma do Levita não foi aos sessenta anos? (Nb., VIII, 24-26). Podemos ler no Levítico (XXII, 3 a 7) onde se trata do resgate de uma pessoa devota: «Um homem entre os 30 e os 60 anos será avaliado em 50 siclos de prata… para uma mulher a avaliação será de 15 siclos. Aos 60 anos e mais, o homem será avaliado em 15 siclos e a mulher em 10 siclos» Para Zachias, que resume a ciência médico – legal do século XVII, a velhice só começa aos 60 anos (59).
Temos de suspender aqui o nosso julgamento, dando – nos por satisfeitos em constatar.
Velhice real.
Também não podemos abandonar-nos sob a impressão de uma velhice aureolada de poesia demasiado bela. Compreende – se que os escritores tenham desejado dar uma imagem sorridente da velhice. Mas esses homens que nos esclarecem não eram privilegiados?
Vejamos, por exemplo, o que nos diz Cícero (60): «a velhice não tem força? Mas nós já não pedimos forças à velhice. Por sua vez as leis e os costumes dispensam a nossa idade dos cargos que não podem ser exercidos sem forças.»
Mas será que todos são dispensados? Será que dispõem de fortuna suficiente? Conhecem por acaso toda a hospitalidade de uma grande família?
Voltemos a Platão: «Quando um carpinteiro está doente… ouvi – lo – emos dizer imediatamente que não tem tempo para estar enfermo e abandonar o trabalho que tem entre mãos; então manda passear os médicos e, retomando o seu habitual regime recupera a saúde e viverá a trabalhar na sua profissão ou então, se não tiver uma constituição suficientemente forte para resistir, a morte tirá-lo-á de dificuldades (61).»
Este texto é um comentário bem como as suas recomendações de ecónomo, no Catão a que Cícero empresta a sua bela filosofia: «reduzir a ração dos escravos doentes, saber ocupar os serões, os dias de chuva, vender excedentes da produção bem como os desperdícios: velhas carroças, ferro – velho, escravos velhos ou doentes.»
Chegámos à altura de nos julgar um pouco no direito de sugerir que, para a maioria dos pobres a morte encarregar – se – ia de lhes resolver o problema da velhice. Sem generalizar em excesso, envelhecer aparece – nos como um privilégio de eupátrida, de bem-nascido, de bem alimentado. São precisamente esses que se encontram rodeados de uma família, que têm o privilégio de atingir, na sua origem, os postos de comando, depois passar uma velhice ociosa, sem preocupações materiais, filosofando talvez, acompanhados «de uma doce esperança que aquece o coração (62)». Um octogenário plantava (63) …
Vimos que, durante um longo período, apenas um pequeno número chegava à velhice. Pensamos que a maioria destes velhos pertencia a um grupo mais ou menos privilegiado da população e que precisamente a família, a sociedade, uma certa concepção do ócio (64) lhes oferecia condições relativamente afortunadas de velhice. Aqui constatamos ainda, sem podermos medi – la com precisão, a importância dos factos sociais.
Estas situações privilegiadas não impedem uma vasta e contínua queixa contra o inimigo «velhice» que os artistas gregos do século V se recusavam a representar e o choque rara e claramente assinalado das gerações, sentido profundo do encontro fatal de Édipo no caminho quimérico.
III. UM CURTO PERÍODO DE TRANSFORMAÇÕES RÁPIDASEm meados do século XVIII produziu – se a transformação capital na história da população mundial.
Pôde – se calcular (65) em 300 milhões a população do globo no começo da era cristã; segundo uma avaliação de Willcox (66), teria atingido 470 milhões em 1650, 694 milhões em 1750 e 919 milhões em 1800. O crescimento acelerava a partir dos meados do século XVIII.
A revolução demográfica.
É na Europa ocidental que mais nitidamente se manifesta esta evolução demográfica que é acompanhada duma revolução industrial, dum desenvolvimento do comércio, do crescimento das cidades e também daquilo a que chamámos crise da consciência europeia: é a afirmação do poder da razão, da fé no progresso, da aspiração à felicidade e, acima de tudo, é a proclamação dos direitos do indivíduo. Do século XVIII até à revolução, sem falar nas épocas seguintes, grande número de golpes atingem a família, nas comunidades rurais, nos direitos dos costumes, na previdência dos pobres, e mesmo na solidariedade paroquial (67). Parece que, então, a humanidade ingressou num novo ciclo. Esta passagem é bastante nítida na Grã-Bretanha e na França. Durante muito tempo estabilizada à volta de 20 milhões, a população francesa decresceria para 18 milhões por altura do terrível Inverno de 1709 em que o frio e a fome foram acompanhados de terríveis epidemias. Em 1720 e 1730 estas calamidades reaparecem mas, desta vez, localmente: as perdas foram menos pesadas. Dali para a frente as variações das colheitas passam a ter muito menos influência sobre as condições demográficas e a população francesa atinge à volta de 26 milhões em vésperas da revolução; a população da Grã-Bretanha, durante o mesmo período, passava de 9 para 16 milhões.
Os contemporâneos tinham consciência destas transformações. Malthus, em 1798, lançava o seu grito de alarme. Por seu lado, Condorcet escrevia no seu Esboço dos progressos do espírito humano: «A duração média da vida deve aumentar ininterruptamente à medida que nos embrenhamos no futuro e pode receber acréscimos segundo uma lei, de tal modo que se aproxima continuamente duma extensão ilimitada sem nunca a poder atingir» Não temos que examinar a teoria de Malthus mas o problema do prolongamento da vida humana que nos deterá a nossa atenção.
A dilação da duração da vida.
A redução da taxa de mortalidade não é uniforme. É a mortalidade infantil que recua nas proporções mais espectaculares. Os progressos entre os adultos foram bastante importantes e, para as pessoas com mais de 75 anos, foram mínimos. Segundo os países, a melhoria constatou – se em primeiro lugar nas crianças de mama (caso da Suécia) ou nas crianças de 5 a 14 anos (caso da Inglaterra).
Este recuo da mortalidade deveu – se ao progresso da medicina (69), principalmente ao progressos da alimentação, da higiene, do conforto, progressos dependentes da economia. A influência dos factores sociais aparece muito cedo. Moheau já o sublinhava a partir de 1778. Em 1828 o Dr. Villermé publicava a sua Memória Sobre A Mortalidade Da Classe Abastada E Da Classe Dirigente; em 1829 aparecia A Duração Da Vida Entre Os Ricos E Entre Os Pobres. Estes trabalhos tinham o mérito de atrair a atenção para esta chocante desigualdade dos homens frente à morte, mas eram destituídos totalmente de rigor. É verdade que este fenómeno é difícil de medir, que a comparação dos diferentes bairros duma cidade classificada segundo o seu grau de comodidade deixa subsistir uma margem de erro não negligenciável.
As desigualdades perante a morte.
A. Sauvy estabeleceu para Paris o quadro seguinte em que o factor idade é eliminado (70):
BAIRROS TAXA DE MORTALIDADE CORRIGIDA
(1.000 habitantes)
1891 1936 1946
___ ___ ___
Ricos (6º., 7º., 8º., 9º., 16º.) ………… 16, 8 9, 6 9, 5
Médios (1º., 2º., 3º., 4º., 4º.,
5º., 10º., 14º., 15º., 17º.,
18º.) ………… 22, 6 12, 5 11, 3
Pobres (11º., 12º., 13º.,
19º., 20º. ………… 23, 9 13, 7 12, 0
Esta desigualdade é muito mais acentuada ainda em Chícago como no – lo prova o estudo de Ph. Mauser e A. J. Mayer (71), que dá a esperança de vida em anos:
1920 1930 1940
___ ___ ___
BRANCOS:
Classe superior .................. ..... 61, 8 65, 0 67, 8
Classe inferior .................. ..... 51, 8 53, 7 60, 2
NEGROS
Classe superior .................. ..... ___ 45, 4 55, 9
Classe inferior .................. ..... ___ 40, 0 49, 9
Por mais importantes que sejam, estas diferenças tendem a atenuar-se. Nos países desenvolvidos, o prolongamento da duração da vida humana deve-se muito menos à melhoria do poder económico (72) do que à qualidade do aparelho médico – social(73). Podemos esperar o fim das desigualdades frente à morte: estudos em diferentes bairros de Amesterdão (74) parecem legitimar esta esperança. Os diversos grupos sociais beneficiariam todos, então, da tabela de sobrevivência «biológica» estabelecida por J. Bourgeois-Pichat, segundo a qual se estabeleceria a duração média da vida de um grupo de homens, dispondo de um modo perfeito de todos os recursos da ciência e da técnica actual, em 77 anos.
Esta igualdade diante da morte parece realizar – se em breve nos países da Europa, América, Austrália e Nova Zelândia; a desigualdade subsistirá entre povos desenvolvidos e povos subdesenvolvidos e não será menos chocante. Mas a importância do aparelho médico-social é posta em evidência pelos resultados obtidos em países onde o nível económico é mantido baixo. Assim, em Porto Rico, a taxa de mortalidade passou de 19,8% em 1937/38 para 9,9% em 1950/51. A esperança de vida de um porto-riquenho é hoje de 50 anos, a do francês em 1914. Em Ceilão, a esperança de vida era em 1893-1900, de 36,4 anos, mais ou menos a esperança de vida de um francês pelos fins do século XVIII. Em 1947 era de 48 anos. O progresso é aqui duas vezes mais rápido do que em França (50 anos em lugar de um século).
Condorcet quase que tinha razão: parece que racionalmente poderíamos esperar para a humanidade inteira, que em breve atingirá os 3 milhares de milhão, uma vida mais longa. P. Ariès comentava na sua História Das Populações Francesas: «a ideia de fazer recuar a morte por métodos naturais não existiu sempre na consciência dos homens. Para conseguir impor – se, foi necessário que o corpo humano fosse considerado como uma ferramenta reparável… As forças da morte, como as da vida, tornam – se então dóceis à vontade e à antevisão do homem. Também não é por acaso que as taxas de mortalidade variaram consoante as taxas de natalidade (75).»
Com efeito, segundo M. R. Reinhard, as características do segundo tempo da revolução demográfica são a baixa brusca e rápida da natalidade, a baixa menos brusca e, em primeiro lugar, menos rápida da mortalidade, o afrouxamento do efectivo nacional e o envelhecimento da população (76).
O envelhecimento da população.
Este envelhecimento é comum a todas as populações ocidentais. «Foi em França que primeiro apareceu; foi igualmente no nosso país (França) que mais se acentuou (77).»
AVALIAÇÃO POR 1.000 HABITANTES
____
1778 …………………………………………….. 71 pessoas com mais de 60 anos
1851 ……………………………………………… 99 — —
1881 ……………………………………………… 123 — —
1901 ……………………………………………… 124 — —
1921 ……………………………………………… 138, 8 — —
1936 ……………………………………………… 147 — —
1947 ……………………………………………… 162 — —
1954 ……………………………………………… 169 — —
1954 ……………………………………………… 169 — — (78)
De 1851 a 1954, a proporção das pessoas com mais de 60 anos cresceu de 70%. Durante este mesmo período o efectivo das pessoas com mais de 80 anos duplicou. Constatemos em primeiro lugar os dados seguintes e, sem mais comentários, a forte proporção, bem conhecida, das mulheres entre as pessoas mais idosas:
1901 1958
H. M. H. M.
— — — —
(em milhares)
60-64 anos ………………………………… 781 853 911 1269
65-69 anos ………………………………… 601 677 708 1082
70-74 anos ………………………………… 446 522 599 908
75-79 anos ………………………………… 252 305 370 849
80-84 anos ………………………………… 110 149 205 330
85-89 anos ………………………………… 30 47 62 89
Mais de 90 anos……………………… … 4 12 13 89
TOTAL POR SEXO DA _____ _____ ____ ______
POPULAÇÃO……………………………….18 917 19 534 21 462 22826
(79)
Nos outros países da Europa o envelhecimento é um pouco mais tardio. Em 1851 a França contava com quase 10% de pessoas com mais de 60 anos. Esta proporção só foi atingida na Suécia em 1882 e na Grã-Bretanha e na Alemanha em 1925. Em 1870, esta proporção era de 12%. A Suécia atingiu esta proporção em 1912, a Grã-Bretanha em 1931 e a Alemanha em 1937. Em nenhum país o envelhecimento acabou: as previsões apontam para 1930 as proporções seguintes de pessoas com mais de 60 anos:
Alemanha de Leste ………………………………………… 18,9%
Bélgica …………………………………………………………………… 18,6%
França ……………………………………………………………………. 17,1%
Itália ……………………………………………………………………… 16,7%
Holanda …………………………………………………………………. 14,4%
Inglaterra e Gales ……………………………………… 21%
Espanha …………………………………………………………………… 13,6% (80)
O envelhecimento não é uniforme no interior da França, os departamentos agrícolas são mais abrangidos que os departamentos industriais e o envelhecimento francês seria hoje mais acentuado sem entrar em linha de conta com a emigração.
As estatísticas de recenseamento permitem adiantar com precaução alguns números permitindo apreciar o envelhecimento no mundo inteiro.
A proporção das pessoas com mais de 60 anos seria em 1947 de:
5% em África,
11% na América do Norte,
5% na América latina,
6% na Ásia,
10% na Oceânia,
14% na Europa (Norte, Centro, Leste),
11% na Europa meridional (81)
Quais são as causas do envelhecimento? Acreditou – se durante muito tempo que o envelhecimento de uma população resultava do prolongamento da vida. Isso é confundir longevidade e envelhecimento.
J. Daric pensava que o envelhecimento resultava, ao mesmo tempo, duma diminuição da mortalidade e duma baixa da natalidade. A. Sauvy, no seguimento de trabalhos de J. Bourgeois Pichat, afirma que a redução da natalidade (82) é a única responsável e que a baixa mortalidade incidiu tanto ou mais nas crianças mais jovens do que nos adultos. Podemos, no entanto, aperceber – nos dos laços que podem unir envelhecimento e baixa de mortalidade já que a baixa desta pode contribuir de diversos modos para uma baixa da fecundidade (83).
Conclusão.
Distinguimos três fases na evolução da população. Na primeira esta cresce pouco e as taxas de natalidade e mortalidade são igualmente débeis.
No decurso da segunda, a curva da única taxa de mortalidade determina um incremento rápido. A terceira é caracterizada por uma certa estabilidade com taxas de natalidade e de mortalidade igualmente fracas.
A humanidade atrasou-se muito tempo na primeira fase. Longos séculos de vida breve, de velhos relativamente pouco numerosos. Estes sobreviventes pertenciam, assim parece, às camadas mais privilegiadas da sociedade, logo às mais favorecidas. O problema da sua subsistência era resolvido de maneira mais ou menos afortunada no quadro familiar onde o velho encontrava afecto e, mesmo frequentemente, um certo prestígio. O ritmo mais lento da história devia sem dúvida respeitar mais a delicada adaptação ao tempo de velhice.
Há mais ou menos três séculos que os países mais evoluídos (Europa Ocidental e do Norte) atravessaram a segunda fase chegando depois à terceira que vê alongar-se a vida humana e crescer a proporção das pessoas idosas. Este envelhecimento coloca à sociedade por ele afectada uma quantidade enorme de problemas nos campos mais diversos: político, económico, social, médico. Deixamos a outros mais qualificados o cuidado de expor os problemas e as suas soluções.
Estas soluções, constatemo-lo, foram tomadas no quadro nacional, pois que é neste escalão que as decisões são tomadas. Desconfiemos pois dos quadros muito reduzidos, alarguemos o exame à dimensão do planeta sem perder de vista, no entanto, nem as diferenças essenciais nem a fragilidade das hipóteses.
Devemos constatar que os países menos favorecidos fazem progressos relativamente rápidos. A duração média da vida dos seus habitantes aumenta e, numa dimensão menor, a proporção dos velhos. Não nos é interdito pensar que por altura do ano 2000 a humanidade contará talvez 500 milhões de habitantes com mais de sessenta anos, isto é, a população provável do mundo no tempo de Luís XIV.
Vida mais longa sobre um planeta onde, em quarenta anos, poderemos talvez contar 5 mil milhões de habitantes ou mais ainda. Mais acentuado será sem dúvida o problema da subsistência dos velhos. Mas podemos ir mais longe e interrogar o biologista, o médico, o sociólogo e perguntar-lhes se este homem que vive duas vezes mais tempo que os humanos que elaboraram as civilizações passadas é, de facto, verdadeiramente o seu semelhante; se as reacções de uma parte importante da humanidade, caracterizada por uma bastante marcada proporção de pessoas de idade, serão as mesmas; se não iremos assistir à eclosão de uma nova civilização.
G. GAILLARD
Professor de História no
Liceu Ampère de Lyon.
CAPÍTULO II
Biologia da Senescência
Os dados fisiológicos dos processos de envelhecimento, da senescência, são ainda de precisão variável e os contributos da bioquímica moderna correm o risco de os modificar consideravelmente, sendo mais vantajoso portanto medir a sua complexidade. O Dr. Boumard, professor na Escola de Medicina e médico dos hospitais de Angers, foi bem receptivo a responder ao nosso apelo afim de fixar as ideias dos nossos leitores médicos e não médicos. Aceitou esta tarefa com a mesma cordial benevolência que com a sua fiel presença soube manifestar no decurso dos anos das sessões do Châtelard.
Na nossa época, os progressos da medicina não são apenas marcados pela multiplicação e pela precisão dos meios de investigação, pela melhoria e mesmo cura de doenças declaradas outrora incuráveis; têm a ver particularmente com a fisiologia do homem normal e do homem enfermo.
Estas ciências permitiram-nos conhecer o mecanismo de deterioração dos nossos órgãos e fornecer bases sólidas ao diagnóstico, à profilaxia e aos diversos tratamentos.
Foi para permanecer fiéis a estes métodos, que deram as suas provas, que os organizadores desta sessão colocaram no programa um assunto sobre o processamento da senescência.
A senescência é o resultado da acção do tempo, marcando inelutavelmente todos os seres vivos. Seguem-se uma série de alterações morfológicas e fisiológicas durante muito tempo inviáveis. Tornar-se-ão em determinado momento grosseiramente perceptíveis, dando ao indivíduo o aspecto particular de um velho. Entrou então na senilidade, final de um processo de senescência. O homem velho perdeu possibilidades físicas e intelectuais. A sua vida tornou-se penível para ele e para o seu círculo. O adulto, magnificamente dotado de saúde e de sedução tornar-se-á, em idade avançada, um ser impotente pouco atraente, abandonado e frequentemente desesperado. Se a medicina não conseguiu em grande escala adiar esta evolução fatal, debruçou-se, no entanto, sobre este doloroso problema. Criou um ramo especial, a gerontologia, para estudar o envelhecimento pela observação, pela experimentação e por todos os actuais processos de investigação.
Gerontologia não é sinónimo de geratria, já que esta se ocupa das doenças das pessoas de idade. Podem, aliás, contribuir para o envelhecimento sem que seja fácil destrinçar entre os diversos factores os do simples desgaste dos órgãos e os de ataque por agressões patológicas ou psicológicas.
Podemos dizer desde já que os numerosos trabalhos da gerontologia terminaram por desacelerar a velocidade de envelhecimento devido a uma higiene bem conduzida que deve começar quando adulto.
*
A nossa exposição da biologia da senescência compreenderá uma análise das manifestações do envelhecimento da maior parte dos nossos órgãos. Procuraremos em seguida o que há de comum nas diversas alterações constatadas afim de colocar em relevo as características do processo no plano morfológico e no plano fisiológico.
As causas do envelhecimento constituirão um outro capítulo que nos irá permitir abordar a questão prática da prevenção.
Antes de abordar os órgãos internos invisíveis, podemos considerar o invólucro do nosso corpo, a pele, fácil de observar e que irá sofrer importantes transformações com a idade. O tegumento não sustentado pelo tecido célulo-adiposo subjacente e razoavelmente desidratado, vai adelgaçar, enrugar-se.
Os anexos pilosos vão encanecer e rarefazer-se, salvo em certas regiões em que os pêlos se adensam, tais como os das pestanas ou do nariz. As unhas perdem o seu aspecto polido, tornam-se estriadas no sentido do comprimento, quebradiças. Na pele aparecem, para além das formações proliferativas, placas amareladas, acastanhadas ou verrugosas. Todo este conjunto constitui uma involução da pele conferindo um aspecto senil e permitindo frequentemente determinar com uma fraca aproximação a idade do homem. Não obstante as aparências, a pele continua todavia a desempenhar o seu papel de defesa do organismo.
No interior do nosso corpo operam-se também importantes modificações que vamos rapidamente passar em revista.
O APARELHO CIRCULATÓRIO é bastante marcado pelo envelhecimento.
O coração aumenta habitualmente de volume, o seu ritmo torna-se frequentemente irregular e as perturbações do miocárdio podem inscrever-se no electrocardiograma. As válvulas, espécie de obturadores que asseguram um sentido obrigatório através das cavidades do coração e na origem dos grossos vasos que daí partem, são infiltradas de placas amareladas de natureza gordurosa. Estas placas transformam-se em tecido fibroso que se calcifica posteriormente. As artérias coronárias alimentadoras do coração são notavelmente atingidas de esclerose, espessando-se a sua parede e no seu tamanho reduzido formam-se coágulos. O enfarte do miocárdio configura-se assim com as suas consequências bem conhecidas.
O exame microscópico do coração revelará uma atrofia das fibras musculares e, à volta delas, formações fibrosas, infiltrações de pigmento e de matérias gordas. O tecido, especializado no exercício da excitação e na condução do estímulo, comandando a contracção cardíaca, é particularmente afectado porque é o mais frágil.
As artérias irão sofrer uma degenerescência da sua parede com a aparição de placas de matéria gorda e de colesterol, infiltrando-se progressivamente de tecido fibroso e de calcário. Estas transformações, muito usuais no idoso, caracterizam a aterosclerose que não é apanágio exclusivo da senilidade. Pode aparecer nos indivíduos relativamente jovens por um lado e, por outro lado, podemos encontrar os caracteres da senescência cardíaca em animais como o rato que não são atingidos pela aterosclerose. A repartição da esclerose arterial é muito variável. As coronárias são as mais frequentemente invadidas.
As veias tornam-se rígidas, duras e perdem a elasticidade. Os capilares têm ansas mais ou menos dilatadas e em número reduzido.
Com estas transformações estruturais, as funções cardiovasculares são perturbadas. O débito cardíaco vai decrescendo com a idade. A velocidade circulatória afrouxa dentro dos vasos. A tensão arterial máxima eleva-se ao mesmo tempo que aumentam as resistências periféricas. A corrente sanguínea nos capilares senis é quase sempre lenta e irregular.
O APARELHO RESPIRATÓRIO sofre igualmente de envelhecimento. A caixa torácica torna -se rígida e preenche mal a sua função fisiológica. Não contribui ela para fazer variar o volume do tórax e, consequentemente, movimentar os pulmões?
A traqueia e os brônquios sofrem uma atrofia da mucosa que os reveste interiormente e a submucosa esclerosa-se. No pulmão, as paredes alveolares atrofiam-se igualmente, o tecido elástico diminui. Então, os alvéolos submetidos à pressão atmosférica dilatam-se e forma-se um enfisema senil. Os tabiques interalveolares desfazem-se formando-se bolhas enfisemáticas de volume mais ou menos importante. Os capilares pulmonares são espessados pela produção de fibrilas bastante grossas que os envolvem.
Nestas condições, a função respiratória é um pouco comprometida e as provas funcionais destinadas a explorá-la marcam uma diminuição dos valores, quer se trate da capacidade vital, da ventilação máxima por minuto ou doutros testes. A respiração dos tecidos, a respeito da qual somos informados pelo estudo do metabolismo basal fixando-nos sobre o consumo de oxigénio, diminui com a idade.
No APARELHO DIGESTIVO notam-se atrofias mais ou menos marcadas da camada da mucosa. As formações linfáticas que encontramos nas veias intestinais reduzem-se muito com os anos. O tecido elástico e as fibras colagéneas aumentam na idade avançada.
As secreções das glândulas digestivas diminuem por altura do envelhecimento. O fígado também não é poupado na senescência. As suas células sofrem uma atrofia e o tecido conjuntivo que as envolve ganha importância e sofre modificações. Estas deteriorações, resultado das agressões de que o fígado é objecto no decurso da vida, influenciam as suas secreções e o seu papel de protecção do organismo. Felizmente que há para ele uma grande riqueza de elementos activos e um poder de regeneração celular como em nenhum outro órgão.
Os rins vão sofrer, com a idade, uma involução. As unidades funcionais (glomérulos e tubos) que os compõem desaparecem na proporção de 30 a 50% nos indivíduos de 70 anos sem serem substituídos. Existem também no rim importantes lesões vasculares provocadas pela aterosclerose. Para além disso, o tecido reticular intestinal envolvente dos tubos espessa-se. Estas diversas lesões arrastam uma diminuição da excreção renal, tanto glomerular como tubular, que não é catastrófica porque as unidades funcionais, sendo superabundantes à nascença, permitem que reste uma margem de segurança satisfatória.
No sangue, o número de glóbulos modifica-se pouco com a idade. Os glóbulos vermelhos cuja vida tem uma duração média de 24 dias, conservam uma proporção constante no idoso.
A sua regeneração é, contudo, boa. A composição do plasma muda: o ferro e a albumina diminuem, enquanto que as globulinas, o colesterol e os lípidos aumentam.
Os órgãos hematopoiéticos, geradores de glóbulos, sofrem, com a idade, uma involução incidindo sobre a moela óssea e o baço cuja actividade baixa progressivamente a partir dos 25 anos. Os gânglios linfáticos e as amígdalas regressam progressivamente.
O APARELHO LOCOMOTOR, comandado pelos músculos do esqueleto, sofre também a acção do envelhecimento. A força muscular diminui progressivamente no adulto, após ter passado por um máximo entre os 20 e os 30 anos. Esta deficiência encontra-se em relação com uma alteração das fibras musculares e um aumento das fibras elásticas e conjuntivas. Os factores nutricionais, hormonais e vasculares, são aqui uma causa. Temos de juntar-lhes a diminuição de exercício físico para a qual nos convida o progresso técnico que dispensa esforço muscular.
As capacidades reprodutivas não parecem apresentar alteração notável na espécie humana, entre os 20 e os 45 anos, durante a fase de maturidade do nosso ciclo vital. Mas o biologista que sabe o que se passa entre os vertebrados superiores cuja fecundidade se modifica sempre precocemente com a idade, admira-se que este homem pareça escapar a esta regra geral. Em realidade, pesquisas recentes mostraram que a viabilidade do ovo humano varia com a idade materna. A mortalidade cresce, aliás, a partir do 30º. ano da mãe. Perturbações circulatórias do ovário foram assinaladas a partir da idade de 30 anos.
A longevidade das crianças é influenciada pela idade materna no momento da concepção. A geminação aumenta com o envelhecimento da mãe, as anomalias congénitas das crianças e a idade dos pais. A frequência do mongolismo cresce com a idade da mãe. Em princípio 2 a 3% quando a progenitora ultrapassa os 45 anos.
Existe no homem um afrouxamento da produção dos espermatozóides com a idade. A esclerose peritubular do testículo senil começa entre os 30 e os 40 anos. Parece que há acordo no facto de que o máximo das actividades sexuais tem lugar entre os 20 e os 29 anos tanto no homem como na mulher.
O estudo das GLÂNDULAS ENDÓCRINAS tem mostrado que a sua estrutura parece modifica-se pouco no decurso da vida, salvo para o timo após o nascimento, e o ovário na menopausa. A actividade das glândulas de secreção interna é difícil de apreciar, as suas interacções são, aliás, complexas. A eliminação urinária das hormonas sexuais tem mostrado um aumento até aos 20 anos e, a seguir, uma diminuição. A actividade tiroidiana pode ser apreciada pelo estudo do metabolismo basal e pela fixação do iodo radioactivo. Um e outro baixam com a idade.
As hormonas gonadotrópicas do lóbulo anterior da hipófise têm uma eliminação máxima aos 50 anos na mulher e aos 60 anos no homem. A hormona somatrópica não parece ser influenciada pela idade.
Pelo facto de o eletroencefalograma ou a medida da excitabilidade neuromuscular não parecerem ser influenciados pela idade, pelo menos até aos 60 anos, não somos obrigados a concluir que o sistema nervoso escapa à acção do tempo. Um certo número de investigações, irão, pelo contrário, mostrar o seu deterioramento progressivo com a idade. Os reflexos irão pouco a pouco diminuir de intensidade. A velocidade de condução dos nervos motores vai afrouxando com a idade. As alterações das células nervosas irão aliás aumentar proporcionalmente às perturbações observadas. Com a idade poderemos constatar uma diminuição da irrigação cerebral, uma diminuição do consumo de oxigénio pelo cérebro e uma perda de densidade dos neurónios cerebrais. Todas esta perturbações começam a partir da infância e não são só imputáveis à aterosclerose arterial.
De todas estas disfunções funcionais se vão ressentir as aptidões intelectuais notoriamente influenciadas pelo afrouxamento das mudanças ao nível do cérebro, pelo abrandamento da rapidez da circulação cerebral, pelo embotamento das diversas sensibilidades.
Procurámos, segundo a tendência actual, testar os indivíduos de idade avançada e comparar as suas respostas às dos jovens. Nos testes relativos à rapidez das operações mentais ou à aptidão do cálculo, a juventude triunfa com uma progressão até aos 15 anos. Existe em seguida uma estabilização entre os 15 e os 35 anos; completa-se após uma diminuição gradual, dos 40 aos 70 anos e sofre uma descida brutal a partir desta idade. Mas nos testes para avaliar a qualidade do julgamento, da reflexão e da experiência, os velhos readquirem a vantagem se a sua inteligência for bem sustentada por exercícios mentais e se lhe dermos tempo para reflectirem e se exprimirem.
Todavia, as apreciações psicológicas são diferentes no que respeita á complexidade das funções e do número de factores entrados em jogo: condição física, nível social, aptidões intelectuais hereditárias ou adquiridas e muitas outras ainda.
O estudo global da inteligência pelos testes múltiplos nos indivíduos de nível intelectual elevado, mostrou que o máximo de respostas se gerava entre os 20 e os 29 anos.
Lehman apresentou em 1953 um importante trabalho feito por ele e uma equipa de especialistas de disciplinas diversas sobre as realidades dos melhores desempenhos de personalidades marcantes entre as quais os critérios de notoriedade foram considerados com cuidado. 933 personalidades de primeiro plano foram assim aquilatadas. O resultado foi o seguinte: para os científicos, a obra mais importante situa-se: para os químicos entre os 26 e os 30 anos; para os matemáticos físicos e electrónicos, entre os 30 e os 34 anos; para os geneticistas e psicólogos entre os 30 e os 39 anos. Para os astronautas, geólogos, bacteriologistas, fisiologistas e patologistas o apogeu situa-se entre os 35 e os 39 anos.
Os músicos realizariam as suas obras maiores entre os 30 e os 34 anos para os sinfonistas, entre os 30 e os 39 anos para os autores de música de câmara e óperas. As literaturas produziriam as suas melhores obras antes dos 45 anos para os romancistas e antes dos 30 aos 35 anos, para os poetas.
São médias interessantes já que obras-primas têm sido realizadas na idade madura e mesmo na velhice.
Como todos sabemos, a memória carrega mais ou menos precocemente a etiqueta do envelhecimento. A recordação de pequenos factos recentes, como nomes próprios, perde-se bastante cedo, bem como a noção da localização de certos objectos.
Nos indivíduos que ultrapassaram os 60 anos a capacidade de aprendizagem é notavelmente diminuída. As possibilidades de reeducação e readaptação de feridos que atingiram esta idade tornam-se bastante reduzidas. Não há no entanto nada de absoluto: o desejo e a persistência do esforço podem permitir aquisições tardias, principalmente se o cliente escolheu a sua actividade e se esta está em relação com os trabalhos que o interessaram toda a vida.
Os órgãos dos sentidos perdem, com a idade, a sua acuidade. Porque mais facilmente observáveis, a vista e o ouvido são os que se estudaram melhor. A desidratação, os fenómenos degenerativos que atingem os tecidos de suporte arrastam modificações no aspecto da vista e dos seus elementos constituintes. As pálpebras adelgaçam, e abrem-se muito, parecendo que os olhos se afundam nas órbitas e perdem algo do seu brilho. Formam-se rugas no ângulo externo da fenda palpebral desenhando os bem conhecidos «pés de galinha». No limite da córnea aparece o círculo esbranquiçado, o arco senil característico do envelhecimento, mesmo quando aparece nos adultos relativamente jovens. O cristalino, o corpo vítreo e a retina são a sede de reconstituições que os tornam menos transparentes.
Consecutivamente a estas alterações, as funções do olho vão passar a estar perturbadas. O poder de acomodação do cristalino vai diminuir progressiva e regularmente a partir dos dez anos e, em curso de crescimento até aos 60 anos. A adaptação à iluminação fraca reduzir-se-á a partir dos 20 anos. A velocidade de constrição pupilar sob a influência de um estímulo luminoso irá diminuir a partir da infância. As perturbações da refracção, da apreciação das cores, da extensão do campo visual vão progressivamente aparecer com a idade.
A acuidade auditiva diminui regularmente a partir dos 15 anos tal como o testemunham os audiogramas indicando os limiares de percepção das diferentes frequências. A audição das frequências dos sons agudos é a primeira a ser tocada.
No que respeita o tacto, a sensibilidade é reduzida com a idade. Para o gosto, a sensibilidade química sofre também uma diminuição observada por exemplo na apreciação do sabor açucarado.
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No decurso deste resumo das modificações trazidas pela senescência aos nossos diversos órgãos, temos podido notar que, o envelhecimento acontecia precocemente e prosseguia insidiosamente não obstante as aparências. Esta constatação não é, aliás, particular da nossa espécie. Para além disso, podemos ter sido impressionados por dois caracteres comuns a todas as alterações observadas.
O envelhecimento traz modificações morfológicas dos nossos órgãos, arrastando perturbações das suas funções caracterizadas por uma diminuição da adaptabilidade fisiológica e psicológica. Encontrámos em todo o lado tecidos nobres funcionais e um aumento do tecido intersticial, particularmente nítido ao nível das glândulas e do sistema nervoso. As glândulas cujas células diminuem de volume tornar-se-ão menos diferenciadas sendo, aliás, estas situações por regra irreversíveis. Nos centros nervosos as células do córtex cerebral e cerebeloso oferecem uma redução de 70% dos neurónios numa idade avançada. As fibras dos nervos periféricos diminuem também notavelmente. Os vazios deixados pela redução dos tecidos nobres são preenchidos por um tecido intersticial que compreende um abundante tecido conjuntivo. A substância fundamental é volumosa, infiltrada de matéria gorda e de sais calcários. As fibras são sobretudo fibras elásticas, fibras colagéneas.
Aumento da componente inerte, diminuição da componente activa dos nossos tecidos, tal é o facto geral no homem e nos mamíferos e, no entanto, os seus caracteres parecem ser independentes das alterações trazidas pelas doenças no decurso da vida. A diminuição da adaptabilidade do organismo às variações do meio ambiente, eis a característica dominante da velhice. Podemos disso dar provas considerando como o organismo das pessoas de idade se defende quando é submetido a condições tendentes a modificar o seu equilíbrio, a perturbar a constância do seu meio interior e também quando o seu psiquismo entra em conflito com dificuldades inabituais. Se a temperatura exterior variar, um mecanismo regulador irá intervir afim de manter constante a nossa temperatura interior. Experiências têm mostrado que no idoso a termorregulação é deficiente, que se produz mal ou demasiado tarde e que consequências graves, mesmo mortais podem ter lugar.
A adaptação do organismo ao esforço que arrasta um aumento do consumo de oxigénio é difícil nas pessoas de idade porque o coração e os pulmões já não podem prestar o seu concurso indispensável.
O teor de açúcar do sangue deve manter-se constante sob pena de provocar acidentes graves, neste caso hipo ou hiperglicémia. Esta constância é assegurada por um mecanismo neuroendócrino que se desencadeia quando as taxas de açúcar variam no sangue. Após a ingestão de 50 g. de glucose, no velho, a glicemia eleva-se mais que no adulto e o seu desaparecimento é mais tardio. O mecanismo reparador não pode pois agir normalmente.
O equilíbrio ácido-básico do sangue arrasta também o desencadear dum mecanismo regulador que é deficiente no velho.
As glândulas endócrinas respondem mal às agressões no indivíduo idoso, sejam elas físicas ou psíquicas. A regeneração dos tecidos, necessária para a cicatrização das feridas, retarda-se notavelmente em proporção da idade. As células armadas para defesa do nosso organismo, diminuídas em quantidade e qualidade, não estão já à altura de desempenhar o seu papel de protecção.
Assim, «a margem de segurança» das nossas diversas funções é progressivamente reduzida quando os anos se acumulam. A partir de então, uma agressão mínima, facilmente repelida no adulto jovem, pode perturbar profundamente o equilíbrio frágil do velho.
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São numerosas as teorias explicativas do processo da senescência. Invocámos a insuficiência de secreção desta ou daquela glândula e em particular das glândulas genitais. Os argumentos apresentados não foram muito sólidos e as tentativas terapêuticas correspondentes não foram mais convincentes. Aliás, os danos glandulares nos velhos são muito desigualmente repartidos e as glândulas nunca são as únicas a ser atingidas.
As anomalias do sistema circulatório são bastante constantes e poderiam acarretar a maior parte das desordens constatadas no velho.
Mas não há um paralelismo absoluto como vimos entre a aterosclerose e os fenómenos característicos do envelhecimento. Modificações químicas poderiam também intervir no meio intersticial ou seja nos espaços lacunares, encruzilhadas de todas as trocas entre o sangue e as células. Há um capítulo bioquímico novo em plena evolução, a respeito do qual o acordo não é feito porque a experimentação é ainda insuficiente.
As infecções, as intoxicações de todo o género às quais estamos expostos durante toda a nossa vida, contribuem certamente para a deterioração de todos os nossos órgãos e juntam-se às causas já visionadas.
Um outro factor é, enfim, primordial, o factor hereditário. Toda a gente conhece famílias em que se morre jovem e outras em que se chega a velho. A biologia explica mal esta constatação. Não é menos verdade que a longevidade deve estar ligada a predisposições constitucionais. Em favor destas predisposições podemos invocar o caso dos gémeos, verdadeiros univitelinos cujo património hereditário é idêntico e que morrem na mesma época e frequentemente com a mesma doença, após terem vivido em circunstâncias diferentes.
Teremos de fazer desempenhar um papel à idade das pessoas? A puberdade, a menopausa e outras etapas do nosso ciclo vital aparecem mais ou menos na mesma idade. De uma maneira global, é mais ou menos entre os 85 e os 90 anos que a degeneração se torna manifesta e irreversível nos indivíduos em que a doença, os acidentes físicos ou psicológicos os pouparam bastante. Parece pois que deve haver uma idade limite que o homem, salvo alguma excepção, não possa ultrapassar.
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Após estas considerações sobre o processo da senescência, ainda com muito por desbravar, restar-nos-à esperar numa resignação passiva a nossa lenta destruição? O nosso apego à vida impele-nos, pelo contrário, a procurar os meios de a prolongar. Eles existem felizmente pois que podemos, pelo menos por uma higiene apropriada, afrouxar a celeridade do envelhecimento. As noções adquiridas sobre a continuidade do processo de senescência desde o fim do crescimento convidam-nos a começar, a partir da idade madura, a tomar disposições que devem logicamente conduzir-nos em bom estado de saúde à velhice.
O factor alimentar, um certo comportamento de conjunto, nalguns casos, com uma medicina capaz, podem preservar de um envelhecimento demasiado rápido.
Os trabalhos de Mc Cay sobre os ratos mostraram a importância do factor alimentar. As experiências conduziram a dois lotes de ratos da mesma geração em que um compreendia testemunhas a comer ad libitum, e os outros ratos submetidos a um regime qualitativamente equilibrado mas de quantidade limitada. O autor observa que os ratos racionados tinham um crescimento retardado mas com um prolongamento da vida em 45 a 47 meses enquanto as testemunhas morriam por volta de 30 meses. Para além disso, os ratos restringidos eram portadores de muito menos doenças degenerativas (cancro, nefroesclerose) em que sucumbem frequentemente estes animais. Estas experiências foram confirmadas por numerosos autores. Teremos que extrapolar ao homem? Não, porque o crescimento do roedor é muito mais dúctil do que o dos carnívoros ou o dos primatas. Um grande número de factores intervém na nossa longevidade sem que tenhamos de conferir à alimentação uma parte demasiado exclusiva. Estas experiências têm a vantagem de nos mostrar a influência possível de certas medidas dietéticas.
A quantidade dos alimentos intervém numa categoria de consumidores, ditos privilegiados cujo regime demasiado rico, associado a uma redução da actividade muscular, conduz à obesidade. Este estado é agravado por uma supermortalidade de 80% para os obesos em que a doença se constitui num período que oscila entre os 20 e os 30 anos. Para aqueles em que a sobrecarga gordurosa só aparece entre os 50 e os 64 anos, a supermortalidade é de 31%. Tal é o balanço fornecido pela sociedades de seguros americanas baseadas em grande número de indivíduos.
A quantidade dos alimentos desempenha um papel na longevidade. Na patologia geográfica acentuámos uma frequência variável da aterosclerose e do enfarte do miocárdio segundo os países. Os que pagam um tributo mais pesado a estas doenças são os habitantes que absorvem uma quantidade notável de gordura de origem animal. É pois prudente adaptar a quantidade de alimentos às suas actividades diárias e cobrir as necessidades calóricas com uma proporção de matéria gorda inferior a 25% da ração.
A actividade física parece influenciar bastante pouco o envelhecimento, mas um bom equilíbrio entre o trabalho intelectual e o exercício físico é desejável pois que provoca uma acção favorável no teor do sangue em colesterol.
O ritmo de vida tem uma importância real na senescência. Verifica-se uma mortalidade elevada nos indivíduos de vida trepidante, «sobrevoltada», submetida a agressões psicológicas e físicas devido a uma má adaptação profissional ou familiar. As estatísticas vêm confirmar as constatações dos médicos que vêem aumentar a taxa de mortalidade nos meios negociais nas pessoas de sistema nervoso tenso, esmagadas por pesadas responsabilidades.
A higiene comandará aqui uma sadia adaptação ao meio, evitando a actividade excessiva, a insuficiência de sono e fazendo um bom uso das férias. É bom escorraçar as preocupações profissionais pela cultura de um «passatempo» segundo o gosto de cada um. Uma judiciosa orientação profissional, uma boa organização da Medicina e da Inspecção do Trabalho poderia evitar muitos erros.
A medicação revigorante não manteve as suas promessas. O soro de Bogomoletz, a geleia real, o extracto embrionário ou placentário, não têm senão efeitos transitórios e é quando os têm. A vitaminoterapia, a hormonoterapia, a correcção de perdas azotadas por uma alimentação suficientemente carnívora é desejável bem como um regime bastante rico em cálcio assimilável. Estes meios podem contribuir para um prolongamento da vida e para retardar certas enfermidades com a condição de não se empregarem demasiado tarde.
Problemas económicos e sociais devem também ser resolvidos a favor dos idosos. Trataremos deste assunto nos capítulos seguintes.
Com o benefício da higiene e dos cuidados sanitários, a decrepitude terminal instalar-se-á tardiamente e durará pouco.
Para preencher bem a sua vida, terá de procurar o interesse dos seus diversos períodos, apreciar-lhes as atracções e as dependências. Terá de abordar a velhice com a mesma coragem do início dos outros períodos. A idade senil não é inevitavelmente o pior momento da vida. Não possui o monopólio da amargura, das taras físicas, dos abandonos ou da solidão.
A velhice pode aparecer como idade do diletantismo e também da meditação e do desenvolvimento da vida espiritual, principalmente entre aqueles cujas actividades nem sempre deixaram tempo para a reflexão.
É bom aceitarmos com serenidade a aproximação da morte que não está aliás tão longe como o crê a humanidade em pleno vigor. Aceitemos esta fatalidade do nosso desaparecimento pois que é inevitável. Na velhice é frequentemente menos consciente e mais doce. Temos de saber prepara-nos moralmente com toda a assistência e toda a esperança que a religião leva aos crentes.
G. Boumard,
Professor da Escola Nacional de Medicina
De Angers, Médico dos Hospitais.
CAPÍTULO III
A geriatria, patologia somática da velhice
Ao lado do envelhecimento normal, fisiológico segundo o termo em uso, existem aspectos patológicos cuja discriminação não é simples. Uma vez mais abordamos aqui o tema dos limites do normal e do patológico, (cf. O nosso volume «Onde Começa A Doença, Onde Acaba A Saúde? – ‘Où commence la maladie, où finit la santé?’») que, na última idade da vida não são fáceis de delimitar. Seria necessário divulgar constantemente o sentido clínico e a cultura médica fruída pelo Dr. Plauchu, Professor agregado, Médico dos Hospitais de Lyon, para o conseguir. A exposição que vai seguir-se é efectivamente fundada numa longa prática hospitalar e numa documentação das quais apreciaremos a extensão e a justa discriminação.
Temos, em primeiro lugar, de distinguir bem os dois aspectos desta questão: por um lado, a patologia da senescência e por outro a patologia das pessoas de idade.
I
A senescência ou envelhecimento, compreende todas as alterações morfológicas, viscerais e biológicas provocadas pela acção do tempo sobre os seres vivos. Estes fenómenos evoluem mais ou menos rapidamente segundo os indivíduos e terminam com as transformações irreversíveis do estado senil. Não podemos deter a marcha do tempo e o elixir da juventude não foi ainda descoberto. Mas podemos afrouxar a velocidade de evolução da senescência e evitar alguns dos seus efeitos. O prolongamento da duração da vida é disso a prova.
Sem dúvida que existem caracteres hereditários que condicionam em certas pessoas uma vida mais longa que noutras mas, entre nós, os fenómenos de envelhecimento são os mesmos e importa analisá-los.
Se para Bourlière o envelhecimento começa aos 25 anos, as perturbações da senescência parecem manifestar-se a partir de um período crítico que se situa entre os 40 e os 50 anos. Evoluem com um assincronismo perfeito e é frequente encontrarmos pessoas de idade de cabelos brancos com os sistemas vascular e locomotor intactos.
«A longevidade pode ser acompanhada de uma vida intelectual intensa, e a boa condição intelectual no velho é uma boa saúde» [O Livro Das Pessoas Com Mais De 60 Anos (Le Livre des plus de 60 ans), de Bouloumé e Boigey, publicado em Vitel e que será o breviário dos homens sensatos.] Apesar de tudo, os diversos aparelhos são invariavelmente tocados duma maneira mais ou menos intensa e mais ou menos precoce, segundo os indivíduos, pelo envelhecimento.
Não vamos descrever em pormenor todos os malefícios da idade que incidem sobre a pele, a acuidade visual e auditiva, as secreções digestivas menos abundantes, o aparelho respiratório, as lesões do sistema nervoso; o rim e o coração apresentam frequentemente lesões vasculares mais ou menos importantes, consequência do ateroma arterial ou da aterosclerose, que podem ser localizados na aorta ou estender-se às coronárias, às artérias cerebrais, renais ou dos membros.
Assinalaremos, enfim, a osteoporose, a artrose e a frequência das fracturas e da rigidez articular dolorosa no velho que o confinam frequentemente ao leito.
Temos de relembrar também o aumento espectacular da duração da vida humana a partir de alguns anos atrás. Se a medicina actual se interessa tanto pelas moléstias da senescência, isso não se deve a uma simples questão de moda. Existem para isso motivos mais válidos: Ninguém ignora que a França tem tendência para se tornar, no sentido demográfico, num dos países mais velhos do mundo e que mais de 7 milhões de Franceses ultrapassaram os 60 anos, ou seja 17% da população, segundo as últimas apreciações da O.M.S.(reunião de Oslo de 28 de Julho de 1958. Comunicado da Imprensa Europa 82).
A proporção das pessoas de mais de 60 anos é de 17% em França (em 1851 não chegava aos 10%) prevendo-se que atinja os 18% em 1970.
A proporção das pessoas com mais de 80 anos terá triplicado num século o que não é um facto peculiar da França onde o número das pessoas com mais de 80 anos ascende a 750.000. Um estudo recente feito por Pierre Delore na região do Sudeste permitiu referenciar 27 pessoas com mais de 95 anos e 11 com mais de 100 anos, unicamente de mulheres ou pelo menos a maioria, pois só havia um homem.
O que é possível fazer hoje para combater mais eficazmente as afecções da senescência, isto é, para evitar o desgaste prematuro deste ou daquele órgão, inerente à maioria dos velhos?
Teremos em primeiro lugar de tentar compreender os dois grandes mecanismos que comandam as lesões da senescência: o abrandamento das transformações e a aterosclerose.
1º. A diminuição das transformações da actividade celular traduz-se numa baixa do poder enzimático, no abrandamento da síntese proteica e da velocidade de cicatrização das feridas, da diminuição da síntese proteica e dos anabolismos. Acaba na involução e atrofia dos tecidos nobres, isto é, na atrofia da pele, dos epitélios gástricos e brônquicos, na osteoporose e no desgaste das cartilagens artrósicas e em certas degenerescências nervosas.
Este relaxamento das transformações é acompanhado de um aumento de sódio, de cloro, de cálcio e duma diminuição do potássio, do magnésio e do fósforo nos tecidos, assim como de uma quebra da hidratação dos tecidos orgânicos. Mas estas modificações químicas dos tecidos não explicam a sua involução.
Pensou-se durante muito tempo, na peugada de Brown-Sequard, que a involução das glândulas endócrinas desempenhava um papel primordial na senescência. Na realidade, o défice de uma ou várias glândulas endócrinas não pode realizar o estado senil; por outro lado, as terapêuticas hormonais, se evitam certas enfraquecimentos, não conseguem realizar o cabal rejuvenescimentto do organismo.
a) Quisemos ver numa insuficiência hipofisária a causa primitiva dos fenómenos involutivos que sofrem as diversas glândulas endócrinas no idoso. Na realidade, o estudo biológico dos estímulos mostra que a actividade hipofisária não se reduz nos idosos.
b) Lançámos as culpas de uma insuficiência tiroidiana à senescência porque esta é acompanhada de sinais de hipotiroidismo: secura da pele, queda de cabelos com calvície, grande sensibilidade ao frio, astenia, abaixamento do metabolismo basal, hipercolesterolemia e diminuição de fixação do iodo radioactivo. Mas nenhum destes sinais é específico do hipotireoidismo que dá origem ao mixedema, muito diferente do estado senil. Para além disso, a extracção tiroidiana não modifica em nada as perturbações da senescência.
c) Tentámos associar a uma insuficiência do córtex supra-renal a astenia, a depilação, as perturbações da pigmentação cutânea, a menor resistência às infecções e aos traumatismos dos indivíduos de idade. Na verdade, numerosos trabalhos mostraram que a córtico-supra-renal do velho respondia bem ao estímulo corticotrópico e que as secreções das hormonas mineralo-corticóides e glucocorticóides eram normais, enquanto que as dos andrógenos eram um pouco diminuídas. Em suma, não há insuficiência supra-renal senil.
d) A cessação da actividade ovariana, que está ligada à evolução primitiva dos ovários e não a uma ausência de estímulo hipofisário, escalona-se em vários anos. É responsável pela atrofia útero-vaginal e da regressão de caracteres sexuais secundários. Intervém na osteoporose porque a foliculina favorece o anabolismo protídico. Mas se a involução genital comanda certas perturbações da senescência, não a explica completamente.
e) A carência em andrógenos é certa no idoso. Traduz-se por um abaixamento nítido do nível dos 17 cetosteróides por uma diminuição das capacidades genitais e dos caracteres sexuais secundários. Intervém sem dúvida na génese da astenia física e psíquica e na osteoporose, pois que a testosterona, como os andrógenos, favorece o anabolismo protídico mas não explica em absolutamente nada as perturbações muito generosas da senescência.
Em suma, não é a involução endócrina que comanda a senescência, mas parece que, pelo contrário, será o envelhecimento que diminui certas secreções hormonais. Perguntámo-nos, aliás, se a hipoactividade endócrina não constituiria uma espécie de adaptação do sistema endócrino à diminuição progressiva das transformações metabólicas. Seja como for, temos de reter que a carência de estrogéneo e androgéneo nos indivíduos de idade não explica a senescência mas que é um dos factores sobre o qual podemos agir.
2º. O ateroma arterial representa, ao lado do afrouxamento das transformações, a grande causa das alterações senis. É na verdade a aterosclerose que provoca as tromboses vasculares responsáveis por lesões cardíacas, cerebrais e renais senis, bem como das artérias dos membros inferiores. Ora, é do estado destes parênquimas nobres que depende a duração da vida.
Sustentámos numerosas teorias para explicar o ateroma: mecânica, infecciosa, trófica, tóxica. Na realidade, existe um factor que de maneira nenhuma é exclusivo, mas que bem parece desempenhar um papel fundamental na génese do ateroma: a alimentação. Esta noção apoia-se em dados experimentais, químicos e biológicos.
a) Dados experimentais. Anitchkoff, Kats e Stamler, Dauber, Pick, Hoslick, Mathiror constatam que, no frango, um regime rico em gorduras animais ou vegetais provoca rapidamente um ateroma generalizado a todo o sistema arterial e especialmente à aorta e às coronárias; uma hiperlipidemia, uma hipercolesterolemia, uma hiper B-lipoproteinemia na curva electrocardiográfica e apresenta moléculas gigantes 10-30 de Golfman. A supressão do regime gordo arrasta a regressão das perturbações humorais e das lesões anatómicas que retornam com a retoma da alimentação rica em gordura.
b) Dados clínicos. Os obesos estão muito sujeitos ao langor coronário. L. M. Morisson estuda 100 doentes atingidos por enfarte do miocárdio. Em 50 sem regime especial, 24% sobrevivem 8 anos; em 50 em regime sem gorduras, 56% sobrevivem os mesmos 8 anos.
O homem de negócios americano ingere 60% das suas calorias sob a forma de gordura e é nessa camada que se verifica a mais forte taxa de mortalidade por coronarite enquanto no Japão onde a taxa de calorias/gordura é muito baixa (8%), a doença coronária é muito rara.
Durante a guerra, em toda a Europa, a restrição das gorduras alimentares do regime coincide com uma forte diminuição da mortalidade por coronarite.
Os Bantus, que têm uma alimentação vegetariana sofrem excepcionalmente de angor ou de enfarte do miocárdio. Os seus parentes negros que vivem nos U.S.A. e que se alimentam como os americanos, são frequentemente atingidos como os brancos.
Assim, clinicamente, é evidente que um regime rico em gorduras favorece a aterosclerose.
c) Dados biológicos. Todos os ateromatosos têm no sangue taxas mais elevadas de lípidos e de colesterol do que os indivíduos normais da mesma idade. Um regime pobre em gorduras pode reconduzir os lípidos e o colesterol à normalidade.
Os óleos vegetais, quando absorvidos no estado natural, provocam um abaixamento dos lípidos plasmáticos. Mas se forem consumidos (notavelmente o óleo de amendoim) no estado sólido, comportam-se como gorduras animais e provocam a elevação da lipemia porque, para serem solidificados, sofreram um processo de hidrogenação que destrói em parte os ácidos gordos não saturados ou ácidos gordos essenciais. Ora este últimos, administrados a um indivíduo com hipercolesterolemia fazem baixar-lhe o colesterol.
Parece que estes ácidos gordos não saturados ou essenciais (ácido linoléico, araquidónico, e hexanóico), raros nas gorduras animais, abundam nos óleos vegetais não solidificados e intervêm largamente no metabolismo do colesterol. A sua carência favoreceria a precipitação do colesterol nas paredes vasculares.
Assim, os óleos vegetais ricos em ácidos gordos insaturados (milho, soja, girassol) provocam os abaixamentos do colesterol e dos lípidos sanguíneos enquanto que, solidificados os elevam.
Sem dúvida que o aumento do regime em gorduras não é a única causa de ateroma. Mas é permitido pensar actualmente, à luz de numerosos trabalhos, que desempenha um papel importante na sua génese.
II
Após o estudo das alterações da senescência, passaremos à da patologia das pessoas de idade ou gerontologia. Até ao século XX não existiam trabalhos individuais neste domínio; encontrávamos aliás mais filosofia do que higiene, o que ilustraria uma biblioteca desde «De Senectude» até à «Velhice Amena», de Lacassagne.
O que é a velhice? Mau termo que Pierre Delore queria eliminar do vocabulário porque não sabemos como fixar o começo. Há pessoas que podemos qualificar de velhas a partir dos 65 anos, outras a partir dos 75 somente. Na época de Montaigne, era-se velho aos 50 anos.
A gerontologia médica, ou geriatria, é um ramo da medicina geral e não uma especialidade à parte. Todavia, tal como a pediatria, embora numa medida menor, merece ser individualizada. Não se distingue, no entanto, senão pelas percentagens muito elevadas de certas afecções tal como se deduz das estatísticas de Mac Keown, de Pierre Delore e de Pequignot alicerçadas em 1.200 autópsias e 1334 doentes.
Comparámos as duas primeiras e são mais ou menos equivalentes.
Compreenderemos pela sua observação que em geriatria as doenças que vêm em primeiro lugar são:
1º. As doenças do coração e dos vasos: 27% na estatística de Mac Keown; 22,6% na de Pierre Delore.
A hipertensão arterial é a mais frequente. Os números são variáveis, mas as hipertensões graves são raras. O enfarte do miocárdio e o edema agudo do pulmão têm lugares de destaque. Para Mac Keown, as coronárias são atingidas em 27% dos casos; para Pierre Delore, em 14%.
A estatística de gravidade das doenças do coração e dos vasos dos idosos é nitidamente melhorada depois do emprego maciço e sistemático dos anticoagulantes e não precisamos de os utilizar em caso de localização cerebral.
Vêm em seguida os corações grandes, de origem reumatismal ou não, grandes corações que geram desfalecimentos cardíacos, tanto do lado esquerdo como do lado direito. As arterites, frequentes principalmente nos homens e as flebites mais frequentes nas mulheres, não ocupam senão 5% dos casos. Os anticoagulantes reduziram, no entanto, a mortalidade.
2º.: Seguem – se as doenças da nutrição: 11, 4% por Pierre Delore. São de relacionar com as doenças cardiovasculares de que fazem a cama. São duas vezes mais frequentes na mulher do que no homem e contribuem para criar doenças vasculares.
A mais frequente destas doenças é a obesidade que aparece independentemente da idade e que é devida ao regime demasiado copioso e à vida muito sedentária dos velhos. Horácio já o havia dito: «Plures cedit gula quam gladius.»
Os velhos morrem reiteradamente de obesidade, com todas as suas complicações: síndroma pletoro/asfixiante, litíase, diabetes, complicações vasculares.
A diabete senil, quer ocorra primitivamente quer seja uma complicação desta obesidade, é uma diabetes gorda, desastrosas
facilitada e agravada pela sobrealimentação e que cede facilmente a um regime restrito. A glicemia não é, em geral, muito alta e a glicosúria tem menos importância que nos jovens.
Seja como for tem de se ser muito sóbrio de insulina nos doentes e empregar ou os anorexigeneos ou as sulfamidas hipoglicemiantes.
3º. As doenças do sistema nervoso: 12% para Mac Keown, 15,6% para Pierre Delore.
Aqui, ainda as mais frequentes são as doenças vasculares e o amolecimento cerebral (que, a pouco e pouco, agrupam metade dos casos).
Encontramos em certas estatísticas mais mulheres que homens atingidas por doenças vasculares cerebrais.
Depois, e num plano muito mais importante, perfilam-se a doença de Parkinson, as meningites, os tumores cerebrais, as insónias e as perturbações psíquicas.
Se agruparmos as doenças do coração e dos vasos, as doenças da nutrição e as doenças do sistema nervoso, cerca de 50% das doenças das pessoas idosas são de origem vascular.
4º. A seguir vêm as doenças pulmonares: 13% para Mac Keown, 21% para Pierre Delore. São as insuficiências respiratórias crónicas, as bronquites crónicas, o enfisema, as broncopneumonias, as congestões pulmonares, virais ou microbianas, as pneumonias na mulher, enfim, a tuberculose pulmonar.
Em certos serviços hospitalares, 25% dos velhos morrem ainda de broncopneumonia.
A tuberculose pulmonar é muito menos frequente e muito menos grave que outrora, desde o tratamento pelos antibióticos e pela isoniazida. A corticoterapia ajuda a reduzir, no princípio, os casos graves e a colapsoterapia é cada vez menos indicada, principalmente no idoso.
5º. O tubo digestivo agrupa, para Mac Keown, 24% dos doentes e 14% para Pierre Delore. Trata-se de úlceras e de cancros do tubo digestivo; 15%, por vezes, de litíase biliar, de distonia, melhorada pelos antibióticos.
Enfim, podemos mesmo em 5% encontrar cirroses etílicas no velho. Referimos, com Marcel Girard, uma estatística de 103 casos de cirrose, das quais 97 alcoólicas aparecidas em velhos de mais de 65 anos. A corticoterapia não faz melhor efeito neles do que no adulto.
Restam-nos, enfim, uma série de causas menos importantes:
- Os reumatismos, 4,8%, à cabeça dos quais teremos de dar lugar à poliartrite crónica evolutiva e também à espondilose que ocorre duas vezes mais frequentemente nas mulheres do que nos homens; as artroses da coluna cervical, da coluna lombar, as periartrites, a coxartrose, são de observação corrente e não experimentam melhoras, o mais frequentemente pela corticoterapia. A osteoporose senil, que se vê quase exclusivamente nas mulheres, é transformada pela vitamina B2, pelo cálcio e pela hormonoterapia.
- As doenças do aparelho urinário representam 3,4% dos casos: são as infecções, pielonefrites crónicas, com crises agudas e as perturbações prostáticas no homem igualmente com alguns casos de cancro do rim e da bexiga.
- A hematologia, a dermatologia, a traumatologia e os diversos agrupam apenas 3 a 4% dos casos.
O último parágrafo deve estar reservado ao cancro: cancro do pulmão e do estômago (os dois mais frequentes); cancro da mama, do cólon e do reto, do esófago, por vezes do fígado, das vias biliares e do útero, enfim, cancro da próstata, do rim, da bexiga, cancróide da face, epetilioma espinocelular das vias aéreas e digestivas superiores.
Temos de assinalar aqui que, em Mac Keown, não existe o cancro do pulmão; em Pierre Delore, e é o que constatamos correntemente, há uma proporção elevada de cancro do pulmão.
Seria necessário assinalar as causas raras, os sarcomas, a doença de Hodgkin, as leucemias, que não se observam correntemente no idoso (84).
Será necessário, para concluir, insistir no polimorfismo desta patologia? A geratria não se apresenta como uma entidade à parte, não podemos fazer dela uma especialidade. A geriatria é toda a medicina.
*
Para lutar contra os mecanismos geradores de senescência e para evitar que as doenças que compõem a geratria não tomem evoluções mais pessimistas, os médicos dispõem de meios higiénico-dietéticos, de medicamentos e de produtos biológicos.
1º. A higiene – Se o velho precisa de repouso devido à diminuição das suas capacidades reaccionais, deve haver uma certa actividade física (marcha, pequenos trabalhos manuais) e psíquica (leitura, cinema, televisão), indispensáveis para estimular as transformações. Não falaremos dos cuidados de limpeza, indispensáveis para manter em vida os impotentes e evitar-lhes as infecções cutâneas e as escaras.
O regime. – Tem uma importância considerável. Deve ser quantitativamente suficiente ingerir 1.800 a 2.000 calorias por dia; qualitativamente, deve ser rico em hidratos de carbono, legumes e frutos que contenham calorias e vitaminas, e em proteínas afim de lutar contra o anabolismo protídico insuficiente que favorece a atrofia dos parênquimas e a osteoporose.
É necessário pelo menos 1 grama de proteínas por quilo de peso por dia, ou seja aproximadamente 100 gramas de carne ou de peixe magro.
O regime deve ser muito pobre em gorduras animais e vegetais solidificadas, que favorecem o ateroma.
Deve enfim ser pobre em sal e satisfatório em água, pois que o velho tem tendência para a desidratação intracelular. É pois necessário evitar a charcutaria, as conservas e o peixe gordo.
2º. As hormonas. – Ocupam um lugar importante entre a terapêutica da senescência. A tiroxina é sedutora à primeira vista; na realidade, o inegável estímulo que provoca termina num aumento do trabalho cardíaco que favorece com certeza o angor e o enfarte do miocárdio. Pensamos que não deve ser empregada nas pessoas de idade, excepto no mixodema, bem entendido.
A hormona macho é, porque o seu organismo carece dela, muito útil ao velho; estimula as transformações e favorece o anabolismo protídico. Administra-se em injecções intramusculares, à razão de 50 a 100 mg. por semana. Tem uma acção dinamogénica, física (melhora a astenia) e psíquica (euforia, melhoria da memória), assim como metabólica que se traduz por um aumento de peso e principalmente por efeitos proficientes sobre a osteoporose cujas dores desaparecem, embora sem melhoria radiológica dos ossos descalcificados. A sua administração pode ser prolongada por longos meses e mesmo por vários anos sem qualquer inconveniente.
Os estrogéneos são, em princípio, indicados para a mulher adulta pois que nela a secreção praticamente não se produz; aliás, não temos de os empregar apenas na mulher idosa pois que a sua secreção é já praticamente inexistente; fazem, no entanto, maravilhas com as perturbações funcionais da menopausa (lufadas de calor, acroparestesia) e nas lesões ligadas à atrofia das mucosas genitais.
Mas podem provocar hemorragias uterinas se as administrarmos em doses elevadas e a sua acção anabólica e dinamogénica é muito menos poderosa do que a dos andrógenos. Não podemos também empregá-los isolados na mulher mas associá-los frequentemente a um pouco de testesterona ou de hormona não virilzante que corrige os efeitos e aumenta o poder anabólico. A cortisona e os seus derivados, apesar da sua acção estimulante, não devem ser empregados no velho normal porque aumentam o catabolismo protídico, favorecem a retenção do sódio e porque não há insuficiência córtico-supra-renal no velho.
Quanto à hormona somatrópica, cujo emprego seria lógico devido à sua acção teórica, não deu resultado nenhum.
3º. Entre os medicamentos, o iodo é um dos mais antigos e dos mais úteis, pelo menos teoricamente; podemos prescrevê-lo de várias formas. Na verdade os seus efeitos não são evidentes e agrega inconvenientes.
O cálcio e a vitamina D2 podem ser administrados com toda a tranquilidade, sobretudo no velho osteoporoso.
As vitaminas B., C. e P. P. são úteis, mas em geral o seu contributo fornecido pela alimentação é suficiente. Estas três vitaminas, mono ou trifosfóricas favorecem a energia muscular e estimulam as transformações celulares; a sua administração per osso ou em injecções arrasta uma inegável acção tónica geral, um aumento do apetite, uma diminuição da astenia e uma euforia, por vezes, mas passageira.
Um certo número de produtos biológicos foi proposto nestes últimos anos, com a finalidade de estimular as transformações: o soro de citotóxico de antireticular de Bogomoletz é um soro de coelho preparado por injecções de antigenes à base de baço e de moela ossuda humana; o soro de Bardach é-lhe comparável; as estimulinas biogénicas de Filatov são produzidas por implantações ou injecções de tecido amniótico ou placentário; os extractos embrionários do frango foram utilizados por Binet e Bourlière no velho; a geleia real comercializada em França sob a forma de drageias para absorção perlingual e os extractos testiculares recentes por via intramuscular foram divulgados pela grande imprensa mas nunca foram seriamente estudados nos jornais médicos.
Todos estes produtos têm efeitos comparáveis mais ou menos prolongados, têm uma acção eufórica geral, melhoram a força muscular, proporcionam uma certa euforia, diminuem a astenia física e psíquica dos velhos, mas num certo período.
Em suma, todos estes tratamentos são numerosos não tendo, no entanto, todos o mesmo valor e no que se refere às grandes noções patogénicas, podemos prever os pontos importantes.
Para prevenir a aterosclerose vascular, responsável pelas degradações cerebrais, cardíacas e renais, teremos, antes de mais nada, estabelecer um regime pobre em gorduras animais e vegetais solidificadas. No estímulo das transformações, teremos de pensar antes de tudo o mais em favorecer o anabolismo protídico que possibilite aos tecidos e aos ossos, notavelmente de fabricar a sua estrutura e a sua substância. Sob esse ponto de vista, um regime rico em proteínas e administração de andrógenos reconhecem-se essenciais.
Quanto às vitaminas e aos adenosinos, têm uma acção eufórica passageira que será utilizada com sucesso de cada vez que se torna necessário.
Tais são, num esboço a traços lagos, as principais causas do envelhecimento e das diversas manifestações da patologia dos velhos.
Prof. Agregado Marcel Plauchu,
Médico dos Hospitais de Lyon.
CAPÍTULO IV
Psicologia do envelhecimento do homem
Com o estudo que se segue entraremos nas considerações psicológicas que representam, teremos de afirmá-lo, uma aquisição recente da gerontologia, isto é, do conhecimento clínico da velhice.
O Dr. Dublineau, Médico dos Hospitais psiquiátricos do Sena, actualmente médico-chefe do hospital de Ville-Evrard, que honrara já o «Grupo Leonês» com a sua colaboração [(«As Perspectivas Biológicas Do Adulto (Les perspecives biologiques de l’adulte)» in «Tornar-se Adulto (Devenir Adulte)»]. Não repetiremos aqui as suas actividades de pesquisa e de ensino, seja na «Sociedade Médico-psicológica» ou na «Escola dos Pais». Dá-nos agora o livre fruto da sua experiência num panorama cuja largueza de vistas o disputa à preocupação de detalhe judiciosamente observado. O leitor irá aí encontrar a certeza de que «velhice» não se pode confundir com «decrepitude» e que o «dinamismo» do ser humano existe na última idade da vida.
Entre o termo «velhice», atribuído a uma idade e o de senescência atribuído a uma função, o termo «envelhecimento» é ambíguo. Não podemos «atingir» o envelhecimento senão passando pelo «declínio» da senescência. Mas o envelhecimento em si não é outra coisa senão um fim. Reduzido à única escolha da «renúncia», o problema parece incompleto. Como veremos, o dialéctico compreende o real nos seus conceitos mais extensos: se é necessária a renúncia, transcende-se necessariamente nas condutas da «ultrapassagem».
Antes de lá chegarmos teremos de partir do começo. A ambiguidade do termo apresenta uma vantagem: de oferecer dois aspectos complementares que teremos de definir primeiro: um, a ordem geral, ligada ao conceito de «senescência»; o outro, mais particular, que não faz senão evocar o encaminhamento para a velhice. Estes dois aspectos não se deixam apreender senão à custa de um esforço de método que será necessário precisar.
Mas deveremos ter em conta também – na verdade o verdadeiro problema – reacções que implicam o conjunto: as reacções de cada qual em relação a si mesmo e ao grupo. Vivendo as nossas senescências e o nosso envelhecimento, vivemos estas situações. Mas, porque teremos de ordenar os factos, não podendo os últimos ser compreendidos senão à luz dos precedentes, reservaremos para o fim este inventário de situações.
I. – O ENVELHECIMENTO, EXPRESSÃO DA SENESCÊNCIA
O contributo psicossocial.
Para o estudo psicológico da senescência teremos de ultrapassar o facto psíquico «puro» afim de nos referirmos a dados mais gerais. A psicologia experimental não escapa a esta necessidade, não fosse o expediente que lhe é indispensável, a prospecção psicofisiológica (em particular para o que se refere às percepções).
Conhecemos todavia esforços mais especializados, por exemplo em matéria de «deterioração» de aptidões ou de capacidades. Estes esforços conduziram fundamentalmente às funções ditas intelectuais, mais fáceis de compreender, pelo menos aparentemente, do que a vida afectiva; mais importantes também (sempre aparentemente) no plano social: se a noção de deterioração conhecer a sua actual fortuna, então no século da «eficiência» ela permitirá, na sua brutalidade, mostrar aquilo que vale, pelo menos ao grupo (no caso de não poder fazê-lo ao indivíduo), o que podemos esperar do indivíduo. Certamente que há gradações nestas apreciações e a sua diversidade incita à precaução. A instrução, por exemplo, favoreceria a conservação das aptidões (Madame Pacaud). Passar-se-ia a mesma coisa, segundo o mesmo autor, para os indivíduos bem dotados. O sexo interviria; e apontámos que o homem parecia tender mais depressa para a involução do que a mulher (Pineau).
Se nos fundarmos no recente trabalho de Clément e Bourlière (85), mesmo no sector intelectual, as pesquisas permanecem fragmentárias. Ora, seria necessário também entrar em linha de conta com o sector emocional e, para além dos dois, com a própria vida psíquica que é elaborada com os meios que lhe são fornecidos pela natureza. É o mesmo que dizer que a psicologia experimental, seja o que for que possamos esperar dela para o futuro, não está à altura, actualmente, de permitir por si só abordar o problema em questão.
Aproximação metodológica.
Onde e como, nestas condições, procurar elementos para uma resposta que quereríamos, se possível (e se for possível responder) que não fosse nada subjectiva? Para esta aproximação metodológica pensamos que nos podemos referir a dados de biologia evolutiva tirados da teoria do crescimento. Não que esta última seja muito conhecida. Continua, como veremos, obscura e discutível e pede para ela mesma uma discussão metodológica. Se, apesar da sua mediocridade, retivermos esta referência, é pois a senescência, talvez, por seu turno, um modo de abordagem do problema do crescimento. Explicitando uma com a outra, poderemos tentar compreender as duas, fundamentando-nos em noções mais gerais ainda, de ordem energética e temporoespacial.
Podemos ver a este título na senescência, grosseiramente, o estado terminal de uma manifestação, seja ela qual for, que, após um começo mais ou menos explosivo, passa por uma fase de plena expansão. É, nesta perspectiva, a parte descendente de uma curva de que, em termos do indivíduo vivo, um dos tipos poderia ser a curva de adaptação à agressão externa, a curva do «stress» de H. Selye. Choque, adaptação e esgotamento são descritos como os três tempos. A fase de esgotamento corresponde a uma senescência.
Crescimento e senescência.
Seja o que for que possamos pensar dos mecanismos que, na espécie, são discutidos, o interesse da curva é mostrar como se ordena a adaptação: oscilação a princípio, a seguir estabilização e, por fim, descida da curva. Em termos mais gerais, por relacionamento ao estado mais ou menos explosivo do início, a fase de enfraquecimento – portanto, de senescência – corresponde a uma forma linear da curva após as oscilações do começo. Há pois na senescência (é pelo menos uma maneira de falar) uma redução do «campo» com tendência para a inércia e morte. Pelo contrário, o período de «crescimento» traduz-se pela extensão do campo, uma extensão, aliás, cuja vitalidade se exprime por «disritmias». Entre o campo dissimétrico e disrítmico «vivo» do início e a desaparição do fim, o estado mediano caracteriza-se pela regularização dos campos, pela organização do espaço (e, veremos também, de algum tempo) e por uma tendência para a simetria sinusoidal. Mas esta tendência funde-se, à medida que enfraquece a tensão energética, numa linearidade progressiva por abatimento das curvas e alongamento dos períodos.
A escala do indivíduo e, em termos somáticos, o efeito disrítmico inicial são um efeito de «indiferenciação» ou, se quisermos, de «imaturidade». Depois, a matéria orgânica «diferencia-se» por «integração» das instâncias energéticas do início. «Amadurecendo» na sua forma, «torna-se adulta» na sua função. A seguir á «linearização» da curva responde uma «diferenciação, para não dizer uma «desintegração» que, sozinha pode prevenir, sob espécies a precisar, a chegada de uma nova manifestação.
O espaço e o tempo.
Podemos ver um efeito desta ordem na própria curva da vida. A evolução ontológica lembra, grosso modo, uma manifestação repentina. Um facto concreto faz-nos lembrar que já lhe sublinhámos a importância filosófica: a tendência para o envelhecimento é acompanhada de micropsia. O que parece grande na criança, parece pequeno no velho. Há neste retraimento do campo um efeito de senescência. Toda a fase final de uma manifestação nascida desta espécie de infinito, espacialmente indiferenciada, implica uma tendência para o desaparecimento, para a «supressão» do campo.
Certamente que teremos de nos salvaguardar das aparências – são apenas aparências – porque a explosão energética não pôde fazer-se por si mesma senão com um esforço de concentração donde se originam também outros efeitos de desenvolvimento indefinidos. Mas a aparência tem o seu valor, não fosse senão porque permite seguir o par «espaço-tempo». Para este último, sublinhou-se (Carrel, Leconte du Noüy, Fraisse) o valor das dissociações entre o relógio e a duração. O «tempo vencido» (Minkowski) parece mais curto à medida que se envelhece.
«Terrenos» e «campos».
A partir de agora inquiriremos decerto ao que vamos relacionar estes factos. Antes de mais, sem dúvida a uma evolução neurológica, riqueza dendítrica dos neurónios, e um teste anatómico da virilidade destes últimos. Mas há também mudanças hormonais de registo. Sabíamo-lo pela «adaptação». Sabemo-lo aliás clinicamente: o timo prevalece na criança, as glândulas sexuais no adulto. Há outras acções que, sem dúvida, se observam no velho. Logo, cada idade evolui num terreno neurohumoral próprio. Os meios diferem segundo a idade (reside aí o ponto essencial), tanto em natureza como em quantidade.
Assim, reconhecer segundo a idade (infância, estado adulto, velhice), «campos» de estruturas diferentes (indiferenciado, diferenciado) é (não respeitando diferenças de potencial energético) postular do mesmo golpe a incompreensão das idades. É, ao mesmo tempo aliás, talvez compreender para que, num certo sentido, o «diferenciado» do velho, embora diferente em natureza do «indiferenciado» da criança, se aproxime, no entanto, deste último, como se o infinito do afastamento terminasse no reaproximamento.
Não sublinhámos suficientemente que uma tal diferença de estrutura impõe necessariamente ao grupo um esforço de adaptação. Afim de tomar consciência das diferenças, é, se a linguagem é o signo de reunião do grupo, na criação de uma linguagem que esta consciência será possível. A criança, o adulto e o velho «não falam a mesma linguagem». Os psicólogos contemporâneos habituaram-se a dar nomes às formas específicas do pensamento infantil. A criança «traduz» (Piaget) mais do que «deduz» ou não «induz». Nem «analiticamente», nem «sinteticamente» percebe, podemos dizer (Wallon), séries de pequenos conjuntos.
O que é verdadeiro para a criança deve tornar-se verdadeiro para o velho. O movimento começou no plano morfológico, mais fácil de descrever. Falamos de «genótipos de resistência à insulina» (Pande, Martiny) irredutíveis a uma tipologia de adultos embora lembrando o adulto por certos caracteres. Do mesmo modo, em electroencefalografia, «ondas» lentas e «traçados inconsistentes» não têm senão um valor relacional no qual a idade intervém. Tudo isso se deve encontrar na ordem psicológica.
As curvas da actividade.
No quadro desta evolução ontológica do campo, um novo problema se nos apresenta: é o da aparência da unidade da curva, da sua descontinuidade real. Com efeito – pelo menos na nossa época e na nossa civilização – a idade adulta situa – se entre duas fases, com razão ou sem ela consideradas como «críticas»: a adolescência e a «idade crítica». E podemos perguntar-nos se a velhice não é o prolongamento da idade crítica, como a idade adulta poderia ser o prolongamento da adolescência. Se fosse assim, seria tentador ver em cada uma das três idades o equivalente temporoespacial duma curva com as suas três fases teóricas. Os factos são sem dúvida mais complexos mas certas aparências pedem esta maneira de pensar.
Idades, estádios e crises.
Contudo a descontinuidade está longe de ser um facto adquirido. Há «idades», «estádios», «crises»?
Um simpósio de Genebra discutiu o assunto. Mas para a infância e adolescência admitimos, em todo o caso, a realidade de um impulso de crescimento da adolescência. Muitos admitem também que uma outra manifestação repentina existe aos 7 anos, idade, para Pende, duma «pequena puberdade». Estas manifestações são a prova, nas condições que falta precisar, dum certo «descontínuo» do crescimento, lembrando o que Tessier descreveu há bem pouco tempo em biologia geral. Ora, reflectindo no que vemos nestas idades e no descrito por alguns fisiologistas e psicologistas, encontramo-nos no direito de pensar que cada impulso se apresenta com a sucessão dos campos tal como foi descrita acima. No princípio, disritmia, dissemetria, indiferenciação morfológica. Enfim, esgotamento, desaparição dos ritmos temporoespaciais, inércia, indiferenciação mórfica, e poderíamos acrescentar «morte» se factos especiais, a estudar mais adiante, não viessem assegurar a «restauração da carga» da economia.
Em espécie, lá para o fim da infância, se nos limitarmos por agora aos problemas da actividade, existe uma fase de inércia, um «momento linear» da curva e um envelhecimento momentâneo. A criança de 12 anos perde certas aptidões, o desenho, por exemplo, por vezes o cálculo. Muitos petizes tornam-se passivos ao mesmo tempo que infiltrados. Passividade motriz, infiltração mórfica: formas de senescência no decurso das quais o tempo já não conta: dormita-se ou perde-se «o tempo» ao mesmo tempo que se perde «o seu tempo». Mas também desinteresse, retraimento das perspectivas, retracção do espaço: «vazio», «ausência» de pensamento. Todavia, como esta senescência se situa num clima de progressão biológica e de maturação geral, não lhe vemos significação profunda. A criança e o grupo unem aliás os seus esforços sem o saber, para dar a este amortecimento um sentindo socialmente benéfico: em termos de actividade psicomotora (mas, bem entendido apenas de actividade psicomotora), o «fim» da infância é camuflado sob as espécies de «criança obediente».
A puberdade, pelo contrário, apresenta-se como um novo nascimento e uma espécie de rejuvenescimento. Com o crescimento desenvolvem-se aptidões: manifestam-se como se fossem intuições, nascidas em boa verdade das entranhas e que seriam informuláveis (porque não nascidas do cérebro) se o mestre orientador dos pais sensatos não estivesse lá para os captar, os julgar à face do jovem, lhes fazer tomar consciência afim de se tornarem capacidades. Aptidões e capacidades podem aliás esbater-se ou reduzir-se. Uma flexão física marca o fim da adolescência, com perda de actividade, por vezes dissociações intelectuais passageiras: as mesmas formas de senescência. Todavia, estas destruições parciais implicam, se o jovem as consegue superar, o começo de novas estruturas. Após uma mudança do perfil sexual, o jovem já não é o mesmo que era. Mas está também em vias de descobrir formas de vida diferentes das da adolescência. Quando o jovem «compreende», reestruturou já actividades senescentes.
Para além da idade adulta (que na nossa opinião é interpretada como um impulso em si mesmo, ainda que dependente da explosão púbere), um outro período marca, com o fim da actividade da reprodução, a entrada na idade crítica com, como para a puberdade, uma activação endócrina da hipófise anterior. Tudo vai passar-se desde então como se «este sector linear» da curva ontológica fosse ter a sua evolução própria: dissemetria e discromia à partida, regularização e linearização ulteriores: o todo, bem entendido, num clima geral de involução.
Enfim, no quadro dos campos parciais que constituem as idades da vida, encontraríamos outros campos. O crescimento oferece-nos o exemplo disso, com as alternâncias outrora estudadas por Godin. Abrandamento por um lado, retomada por outro. O organismo conhece assim envelhecimentos parciais, localizados ou transitórios e de constante rejuvenescimento.
Os desenvolvimentos psico-emocionais.
Resta perguntarmo-nos o que assegura estas renovações. Reencontramos aqui uma série de factores ligados aos precedentes em condições obscuras mas que podemos tentar classificar lançando mão de perspectivas diversas. O reagrupamento dos factos observados em diversas idades deixa-nos entrever, no termo do impulso de crescimento, uma espécie de momento privilegiado no decurso do qual a actividade, de motriz estrutural que era, tende a mudar de natureza e a complexificar-se.
a) Muda de natureza: às actividades de crescimento sucedem-se actividades sexuais. Esta mudança está ligada em profundidade a uma mudança de registo endócrino e à viragem hipofisário/sexual. Podemos situá-la à volta dos 16 anos para o impulso púbere (dos oito anos, sem dúvida, para o impulso dos sete anos). Mas se no adolescente se traduz por uma aptidão para a reprodução, nas outras idades a actividade sexual toma aspectos diversos. Em todo o estado de causa um facto permanece essencial: a actividade motora muda de modos de expressão.
b) Ao mesmo tempo complexifica-se. Esta complexificação efectua-se sob dois aspectos dialecticamente complementares mas dependendo ambos dum mesmo facto: o desenvolvimento da crosta motriz. Este desenvolvimento arrasta ao mesmo tempo uma diferenciação de segunda ordem, com actividade psíquica de tipo intelectual e o retorno a formas jovens, indiferenciadas, de tipo emocional.
No plano intelectual, lembraremos somente o conjunto das reconstruções do oitavo ano: a criança nasce para o facto racional. Do mesmo modo o adolescente torna-se dono do seu pensamento. Mas na medida em que o impulso de crescimento não é senão um aspecto particular no quadro geral dos impulsos biológicos, o que é verdade para estas idades é-o também para as outras. Como o é igualmente, vê-lo-emos agora, para os impulsos de ordem emocional. Que a emotividade figura nesta conjuntura é um facto bem conhecido no plano, ao mesmo tempo, teórico e prático. No plano teórico, devemos a Walon uma explicação: o desenvolvimento da crosta bloqueia o tónus subcortical e suscita espasmos geradores de emoção. Na prática conhecemos um momento «emocional» para todos os fins de impulso: acentua-se a fase «castrativa» do quarto ano, descrita pelos psicanalistas, no seguimento da «crise de personalidade» de três anos. Sucedem – se os pesadelos do oitavo ano bem como a fase depressiva ou ansiosa do jovem de dezasseis a dezoito anos antes do «regresso ao mundo» – anos chamados do «jovem adulto».
Mas se este tónus elementar faz parte do stock energético individual, é reposto, por sua vez, em carga para os estímulos exteriores. É dizer que toda a recarga, exterior ou individual, cria um «momento emocional». Ora, como vamos ver, a solidariedade das forças emotivo-motoras, solicitando todas as vezes o tónus em sentido diverso, assegura a restauração profunda, portanto um clima de remoçamento.
Não podemos entrar no detalhe dos combinados biológicos a que dá lugar esta solidariedade. Mas um ponto é de sublinhar, a saber, que o facto emocional desde que entra em jogo, desenvolve-se segundo uma sequência que, na ordem ao mesmo tempo neurológica e humoral, recorda a sequência motriz. A resultante é a seguinte: existe também uma evolução do campo com, no plano cortical, uma fase de corticalização «sensível», generatriz, por sua vez, de novas pressões do tónus: pressões que asseguram, desta vez, o renascimento de ordem motora. Assim, a criança de sete anos renasce do esgotamento do que havia sido aos três, o adolescente do final do que ele era aos sete. A idade inferior assegura a base das estruturas novas da idade seguinte.
Para reforçar a «união» das idades devemos prestar agora atenção ao que se passa sob o ponto de vista psíquico a partir das actividades motrizes e sensíveis da crosta. Estas noções são importantes, permitir-nos-ão talvez compreender certos aspectos psicológicos da velhice.
Prolongamentos psicológicos.
Quer se trate da entrada em jogo da orientação intelectual, prolongamento da corticalização motriz (se o podemos dizer) emocional, ou não podendo considerar os efeitos destes prolongamentos na nova idade e porque o novo impulso lhe recria um mundo corporal, o indivíduo, pelo seu psiquismo, vive ainda do mundo precedente.
No plano intelectual.
No plano intelectual, a corticalização motriz, depois de ter assegurado a voluntarização da acção, arrastou primeiramente a «reflexão» do indivíduo sobre si mesmo («Quem sou?»); depois, impelido pela vontade de conhecer, o indivíduo projecta-se no mundo («Donde venho?») como se «uma função trópica», parcialmente exterior a ele, o prolongasse ao mesmo tempo espacialmente no mundo e temporalmente na permanência. Se o novo impulso motriz assegura ao indivíduo a força física necessária para a sua progressão, o seu psiquismo, na verdade, desde então, já não lhe pertence senão em parte. Na medida em que trabalhou, integrou-se no mundo. O mundo detém uma parte dele. E, mesmo despojado da sua substância, continuará ainda no mundo, «viverá ainda entre nós».
Esta projecção no mundo começa com a vida assinalada, a seguir, por tendências que marcam os progressos do crescimento. Mas a actividade psíquica alimenta-se da energia biológica profunda que alimenta também as actividades físicas. Donde, em numerosos casos, uma relação inversa entre os dois tipos de acção. Donde também, no idoso, uma evolução desta relação, específica da velhice. Para um stock energético declinante, existe um momento em que o indivíduo, beneficiando ainda em pleno das actividades psíquicas da idade anterior, renova mal em profundidade estas suas actividades. A partir deste momento, a «relação de forças» actua a favor do plano psíquico. Começa aí, para o idoso, a entrada na idade «filosófica». Mas numa idade da mesma natureza puderam também conduzir os seus fins outros impulsos motores. Idade filosófica da criança de dois anos e meio que pergunta «onde estava a árvore há bocadinho», «onde estava o cavalo há bocadinho» (compreendamos: onde estava «há bocadinho»!(o objecto que aponta com o dedo)]. Idade filosófica que no fim da infância, em que a inércia motriz e a evasão psíquica, de que mencionámos acima os elementos passivos, estão de facto na base duma exaustão mística, duma comunhão com o mundo.
Felizmente, aliás para a espécie, na idade infantil, a força de remoçamento apaga rapidamente estas tendências. Sem isso o indivíduo evadir-se-ia verdadeiramente, sob uma forma ou sob outra, da sua prisão corporal. «Desligando-se» do mundo, «deixaria de facto» este mundo. Pelo contrário, o jovem recuperado pelo crescimento, passa do plano «essencial» ao plano «existencial». O «estatural» monopoliza a energia biológica. Mobiliza o «psíquico» para os seus próprios fins, submete-os às suas necessidades de movimento.
No velho, pelo contrário, a baixa do renovamento motor torna o psiquismo mais livre no seu desenvolvimento. Mais fraco sem dúvida, quantitativamente falando, do que o do adulto (e a fortiorido jovem), encontra nesta libertação o meio para um volume maior, de uma maior expansão temporoespacial e duma «evasão», em suma, quando não tiver mais renova.
No plano afectivo.
No plano afectivo, outros tipos de relações se ligam com o exterior. Os efeitos de bloqueio, ao mesmo tempo que suscitam o novo impulso motor implicam no indivíduo um esforço paralelo de «reflexão afectiva» em que se reconhece o «narcisismo» do psicanalista. Narcisismo que se acentua por vezes até tomar o aspecto de um egotismo pontilhado, exageradamente interoceptivo, naturalmente susceptível e hipocondríaco – ou o indivíduo, aliás, se compara aos outros e suputa as diferenças: é «eu – em – relação – ao – outro». Donde o sentimento de desconfiança, mesmo de malevolência que renovou o stock emocional. Nesta corrente de emotividade amena nota-se o egotismo interoceptivo. A emotividade abre o indivíduo ao mundo, sensibiliza-o, leva-o a ver, a ouvir, a sentir. Mas torna igualmente o «Eu» permeável ao «Outro», cria em breve o «tactismo» emocional, inverte o sentido do contacto social que se prolongará desde então até aos efeitos da «simpatia».
A importância deste tactismo depende da importância das «recargas emocionais». A baixa do tónus energético reduz a importância das reconversões emotivo-motoras. Donde, no velho, a falta possível de contrapeso emocional e a evolução mórbida para a acentuação do egotismo, o sentimento de malevolência ou de prejuízo. Mas se o indivíduo tiver conservado no passado a sua vida afectiva, os efeitos prolongar-se-ão ainda e contrabalançarão, por sua vez, os efeitos do egocentrismo. Na medida em que se entregou às mudanças da vida social, vai, no plano da vida, igualmente uma parte dele próprio para o exterior, eleva-se pelas suas obras, e pelo «coração» e o grupo, a partir daí, defendê-lo-á contra um retorno unívoco a si mesmo.
O desenvolvimento.
Por outro lado, e principalmente, os desenvolvimentos intelectuais paralelos combinam-se com esta vida afectiva. Combinadas, as duas forças dominam em definitivo o clima energético de involução. Orientam o envelhecimento. É precisamente aqui que teríamos de retomar a análise teórica do «campo». Aperceber-nos-íamos então que existem, no plano psíquico, efeitos de campo de outra natureza que complicam a interpretação das frases «lineares» de inércia.
Sob o efeito destas combinações, o desenvolvimento é limitado no decurso normal da vida pelos remoçamentos energéticos. O organismo, reposto em carga, é de algum modo reconduzido á vida corporal antes de ser projectado no mundo em termos, para ele, perigosos. No idoso, pelo contrário, o desenvolvimento torna-se ilimitado, a partir do momento em que fica sem «energia» para reconduzir o organismo a formas elementares de vida.
A «juventude» do velho.
Quer se trate de vida intelectual ou afectiva, o prolongamento para lá do imediato das forças nascidas do impulso precedente (ou dos impulsos precedentes) assegura no indivíduo a sua permanência viva, mesmo a despeito da baixa do stock energético. Para estes prolongamentos, o indivíduo guarda alguma coisa (e, nesta qualquer coisa, o que existe de mais elevado), «formas» biológicas anteriores. Assim, mantém a sua «juventude». Vive mais esta juventude do que se renova no presente. Talvez seja apenas para viver das suas recordações («No meu tempo!...»). Talvez também seja para se desenvolver corpo para uma nova progressão. Para isso deve ser ajudado não apenas no que dele evoca, mas ainda no que dele permanece e que vive no seu exterior – é de sublinhar o dever do grupo nesta conservação de prolongamentos. Apercebemo-nos a partir daí do teor da verdadeira actividade do velho: será mais uma actividade psíquica do que somática. Uma actividade que se terá preparado de longa data, tanto no plano intelectual como no de ordem afectiva: cultura, simpatia, liames sociais: aí reside a acção pessoal de cada um. Mas como estas actividades reclamam virtualidades que nem todos têm, é ao grupo que compete suprir as carências do indivíduo. Seja qual for este último, é raro que não tenha deixado no grupo alguma coisa que dele emana. É esta «qualquer coisa» que reaparece que tem como função assegurar a reanimação das forças declinantes do velho.
Os deveres do grupo.
Mas de entre os deveres do grupo poderíamos perguntar-nos também se não figura também o da pesquisa. Que pesquisa? A dos deficits, naturalmente. A gerontologia agarra-se a isso. Mas não o faz com excesso de exclusivismo? Faz o inventário dos envelhecimentos. Já há muito que a psicopatologia vai analisando as deficiências. Neste juízo não avaliamos as chances de reemprego senão tomando em linha de conta o facto «deficitário». Mas prosseguindo o estudo das carências, devemos orientar a pesquisa para o rejuvenescimento, visando as formas – senão os poderes – num espírito de síntese. Não se trata de pôr em dúvida a evidência do declínio. O que, em termos científicos, teremos de fazer será abordar a outra realidade. A ave antiga, já o mostrámos, faz melhor o ninho do que a jovem e sabemos o que deduzimos de factos deste género contra as antigas teorias do instinto. No homem, sabemos que o velho artista, o velho camponês, o velho professor têm maneiras próprias, ou de apreender o mundo, ou de se prolongar na ferramenta. Estas «intuições», este pragmatismo, são nascidos de algo que eles não sabem… ou mais ainda. Mesmo ultrapassado pelo tempo, mesmo afastado porque estas técnicas já não dão resposta às necessidades do dia, o velho não guarda menos, no plano das realidades, a autenticidade da sua técnica e dos reagrupamentos biológicos que o tornariam insubstituível se a ferramenta não tivesse sido mudada.
As páginas precedentes mostram-nos que o balanço positivo seria relativamente estéril se não fosse senão quantitativo. O esforço deve ser de preferência duma conclusão «racional»: relações de forças em presença da idade respectiva destas forças no seio da economia, consequentemente do seu «valor» biológico. Relação igualmente de conjunto e do grupo, depositário «de uma parte do velho» (sem falar, para além do grupo, do próprio Mundo, por outras palavras, da organização do meio).
Este esforço relacional não deve impedir, aliás, a pesquisa dos valores positivos propriamente ditos. Estes valores existem. Sejam de ordem motora, sejam de ordem emocional, um implicando necessariamente o outro na sua evolução e ambos implicando, para além dos valores somáticos, valores psicossociais. Esta solidariedade é assegurada em profundidade pelos mecanismos gerais da imunidade e da sensibilização cujas relações subtendem por seu turno as estruturas tipológicas com a sua interpretação do espaço e do tempo para cada estrutura. É dizer que as estruturas intervirão, para interpretação da velhice, em particular quando se tratar de estudar em termos de polaridade sexual os caracteres da velhice.
II. – O ENVELHECIMENTO DA VELHICE
As idades da velhice.
A idade crítica, como vimos, evoca o começo de um período novo de actividade, o qual se opera, todavia, num clima geral de declínio: baixa do tónus energético, redução da função sexual e, no plano morfológico, fusão mesodérmica (em particular muscular), alterações colagénicas da célula, dismorfismo genotípico, onde domina a adiposidade (Martiny), mas onde se misturam elementos de retracção que vão acentuar-se com a idade. Este conjunto constitui-se sob a forma de envelhecimentos sucessivos, cujo detalhe falta descrever e cujo conjunto temporoespacial constitui a «velhice» propriamente dita.
Podíamos primeiro perguntar-nos qual é a idade de adaptação. A pergunta não é inútil porque, numa perspectiva evolutiva, a «relação» das idades toma também a sua importância.
Encaremos primeiro o período que vai dos 6 aos 24 anos. É o mais seguro para progredir já que engloba os dois impulsos menos contestáveis do crescimento. Observamos, de uma maneira global: entre os 6 e os 12 anos uma fase catabólica de crescimento dos 6 aos 9 anos, uma fase anabólica de patamar de 9 a 12 anos (fase escolar de retenção e de armazenamento); entre os 12 e os 24 anos uma fase puberal, dos 12 aos 18 anos, seguida de uma fase de igual duração a que se dá o nome de «período do jovem adulto» para além da qual se encontra o adulto. Do precedente tiramos duas conclusões: consumo e reserva repartem-se igualmente durante o curso: vejamos a primeira. O primeiro período é de 6 anos, o segundo de 12 ou seja o dobro do precedente – segunda conclusão.
Estádios e subestádios.
Terão estes dados um valor geral? No que concerne a prolongamento dos períodos, podem ser postos em relação com o abrandamento biológico que marca a trajectória ontológica. Efectivamente, podemos ver que os períodos «críticos», cada vez menos «fásicos», estarão tanto mais próximos quanto mais se aproximarem da origem. Estendem-se no tempo para além da adolescência. Quanto à fase propriamente dita de crescimento será uma questão de saber como se repartem os «sub-estádios» que a constituem. Esta fase compreende, por um lado, o impulso inicial de crescimento, depois a organização deste último, enfim, o momento psico-emocional que marca a reconversão da actividade motora. Três subestádios, no total (pelo menos esquematicamente), cujos primeiro e terceiro (estádios disrítmicos motor e emocional) são mais curtos que o segundo que aparece frequentemente como patamar relativo (patamar de diferenciação morfo - motriz).
Se aplicarmos estes dados ao estudo da velhice depois de termos entrado em linha de conta com os 24 anos que a teoria aponta para a idade adulta (12 + 12), é aos 48 anos que nos deparamos com a idade crítica e, para além desta idade, um período de 48 anos que irá desenrolar-se. Neste vasto período (para além do qual poderia começar «uma outra idade»), devemos estudar, por um lado, um grupo de três sub-estádios, indo dos 48 aos 72 anos (podendo cada um dos sub-estádios variar de 4 a 12 anos) e por outro lado, um patamar relativo dos 72 aos 96 anos.
Em boa verdade, tudo se passa como se cada um dos grandes impulsos da vida começasse antes de acabar o precedente. O período que vai dos 11 aos 12 anos pertence já em parte ao período púbere. Escreve-se em «sobreimpressão» no que marca o fim da infância. A criança vive duas idades ao mesmo tempo, donde a dificuldade, através do crescimento de definir o que depende da criança e o que depende do adolescente. Factos da mesma ordem se observavam aos sete anos, donde certas ambivalências desta idade: a criança «acredita» nos contos de fadas mas «sabe» que não existem.
Para a idade do nosso escopo impõe-se pois um correlativo à que a precede. Antes dos 48 anos (de facto desde os 45), existem já reconstruções que se elaboram (damo-nos fundamentalmente conta no plano morfológico). Mas o que se aplica a este período aplicar-se-á ao outro pólo e, muitos anos antes do termo ontológico teórico, aparecem forças de retracção. Mas nesta idade a duração prolongou – se. Podemos admitir que começam a aparecer à volta dos 85 anos.
Análise geral do declínio.
O que se passa no declínio?
Em primeiro lugar, uma redução dos meios de contacto exterior. O indivíduo torna-se presbita e o mundo parece afastar-se. Afasta-se também pelo ouvido em virtude da hipoacusia, pela pele que perde a flexibilidade e a delicadeza, pelo gosto e pelo olfacto. Em breve a perda dos meios de análise irá separar o indivíduo do mundo. Em certo sentido, tudo se passa como se o indivíduo, limitando os investimentos energéticos, reunisse intrinsecamente o seu tónus para o prolongamento da sua dinâmica.
O espírito de síntese.
No plano intelectual, os meios seguem uma inovação que, sabemo-lo, interessa especialmente aos diferentes modos de memória. De facto, a vida psíquica reflecte a redução das mensagens sensoriais. O indivíduo vê o mundo com outros olhos, diferentes dos jovens. Estas percepções novas, impressionando um organismo hormonalmente outro, tornam natural que o pensamento, se não se combinar com contributos anteriores ou com uma abertura particular, depressa se diferencie do do adulto.
Em todo o estado de causa, o que resta das noções adultas é falseado pela sociedade em termos tais que não encontramos as funções sob a mesma forma. Mesmo para as especificar o termo continua o mesmo. «Esquecendo» cada vez mais, o velho perde os seus dons anteriores de análise. Mas a persistência das «grandes linhas» permitir-lhe-á «abraçar os conjuntos» cuja complexidade escaparia aos mais jovens. Assim, o espírito de síntese é seu apanágio. Vê as coisas «de cima» como as vê, sensorialmente, «de longe».
Mas, ao mesmo tempo, devemos tomar consciência da imperfeição desta noção. Trata-se de «síntese» apenas numa perspectiva adulta. Análise e síntese são funções complementares de adulto nas quais o pensamento se desenvolve na sua plenitude. No velho os factos são de uma outra ordem: é uma síntese mas que merece um outro nome e que exigiria um estudo psicológico particular: exemplo de linguagem que teria de ser criada. Existe no velho, em virtude do seu cosmotropismo, um mago que se elabora, donde o poder para apreciar uma situação dos «resumos» duma economia do verbo, o qual se acanha, como na mãe-galinha de Chanteclair, nas formas lapidares de aforismo do provérbio.
Da emotividade à serenidade.
No plano emocional, as distorções da mesma ordem poderiam ser reencontradas. A função emocional exerce-se de maneira imperfeita pois que os próprios meios se tornaram medíocres. Quando a emotividade encontra um organismo em vias de extinção biológica, toma bem depressa a forma da «sensibilidade afectada». Mas a insuficiência de meios reduz consequentemente o poder de se emocionar e a «indiferença» resulta desta redução do stock emocional. No entanto, indiferença e sensibilidade afectada combinam-se numa realidade outra que toma valor positivo em muitos casos, mesmo exaustivo, sob a forma de «serenidade», ou melhor, do que se combinou chamar serenidade, uma serenidade mais ou menos matizada de humor.
Ao todo, sob as reservas ligadas à sua denominação, síntese e serenidade constituem os dois pólos da vida sensório-motora do idoso.
As fases do «envelhecimento – velhice».
Não podemos descrever em detalhe cada um dos períodos que se sucedem a partir da idade crítica. Esta tarefa seria, de resto, prematura. Seria para isso necessário toda uma série de pesquisas que em contrapartida não deixariam de implicar revisões no esboço geral. De uma maneira global podemos no entanto reconhecer um certo número de factos.
A idade crítica.
Temos primeiro a idade crítica clássica onde as libertações hipofisárias, aliás todas iguais, lembram o arranque púbere. Aí vamos encontrar como na fase da pré-puberdade:
- um impulso motor tónico com tendências discrónicas e disrítmicas, o que implica não só tendências para a impulsividade com agitações motrizes mas também com libertações biológicas, com neoformações diversas e, no plano psíquico, uma óptica nova das coisas, uma reconstrução dos dados anteriores, uma necessidade de recuo e de concentração;
- ao mesmo tempo, um impulso afectivo intenso de tipo concentrado, espontaneamente apaixonado. Trata-se de um momento sentimental (ciúme, «crise da meia-idade») cujas manifestações despontam neste momento. Em todos os casos se trata de um momento em que o indivíduo, mesmo sem perder o controle, tem facilmente tendência, por causa das disritmias, para a oposição ou mesmo para a agressividade.
Um patamar
Este período (que começa como vimos entre os 45 e os 48 anos) prolonga-se num tempo variável que podemos situar entre os 52 e os 55 anos. Para além deste limite difícil encontramos uma espécie de patamar. Todavia, esta adaptação às novas estruturas, esta «diferenciação» no seio da terceira idade, não fica sem levantar problemas em que o físico se imbrica fortemente no psíquico e no social diferindo das outras idades. Na criança de 7 anos ou no jovem de 15, trata-se de adaptação em período ascendente. São forças crescentes que temos de integrar. Trata-se aliás de um clima essencialmente motor, de forças e de «actividade».
Aqui, os factos são diferentes. Em primeiro lugar, uma actividade declinante, depois processos biológicos que afrouxam, articulações que estalam, problemas sexuais a liquidar. Mas o clima é essencialmente de ordem emocional. Aos 15 anos adaptamo-nos ao movimento, aos 55 anos ao mal-estar. A prevalência da vida sensorial e sensível é afectada, nesta idade, por um menor vigor do «impulso» motor como também pela necessidade de uma readaptação num clima de sensorialidade prevalente. Daí a frequência das «dores» (embora vagas): «ciáticas» que não são disestesias mas de preferência hiperestesias. É preciso bem pouco para fixar ou reduzir estas perturbações ligadas, de facto, a investimentos inadequados da energia emocional.
Muito frequentemente, estes factos não teriam senão valor de indícios se o indivíduo não reagisse em excesso. «De que se trata? Como me tornarei?»
Há momentos de um medo difuso, mas o indivíduo não revela o que sente. Criam-se amplamente maneiras de disfarçar os tormentos íntimos e as suas actividades sociais, o que lhe vai permitir evadir-se. Em contrapartida, solitário ou ocioso torna-se mais sensível e a perturbação crescerá da mesma maneira.
Este novo período, no seu conjunto, é todavia uma fase de transição.
Quantas vezes vemos indivíduos que parece terem sido «tocados» à volta dos cinquenta anos e que dois anos mais tarde nos surpreendem patenteando-se-nos de novo viçosos e «em acção». Mas sublinhámos mais atrás a importância do papel social. É o mesmo que dizer que uma diminuição deste último, mesmo se, segundo as aparências, parecer fisicamente desejável, é duramente sentido por muitos. Reencontramo-nos aqui com o problema da reforma que supõe também um esforço de aceitação. Ora o grupo que, por uma questão de simplificação, uniformiza as medidas, vai, assim, contra a corrente da individualidade biológica. E, reportando-nos ao grau, temos a intervenção do temperamento. Um indivíduo vigoroso, não obstante as aparências, parece mais bem preparado na reforma, mesmo estando em condições de prosseguir as suas actividades, do que um indivíduo sensível exposto às doenças e, como tal, em princípio, mais desejoso de repouso.
O estádio emocional.
É também possível a intervenção do momento. Fixámos na berma dos 65 anos a idade em que o estádio emocional sucede ao estádio de transição.
Parece-nos, como é o caso dos períodos similares das outras idades que este período seja marcado por uma maior fragilidade dos indivíduos. É também possível que uma passagem à reforma seja mais bem suportada aos 55 anos do que aos 65. Mas seria difícil inquirir a respeito destes assuntos.
Um segundo patamar.
Para lá deste período abre-se um período de repouso e de verdadeira transição. No entanto o indivíduo deve contar, não somente consigo mesmo, mas também com as circunstâncias, cada dia mais perigosas para ele. Sob reserva destas últimas, entra num período de abertura e acessibilidade que, combinado com a evolução psíquica, termina numa espécie de equilíbrio que determina a «ilustração» do velho.
Pouco a pouco, no entanto, aparecem, ou prevalecem nele, estruturas de retraimento. Como vimos, seria necessário, para se opor ao desenvolvimento destas últimas, um renovamento motor. Sem ele, o indivíduo fica reconduzido sobre si mesmo e numa medida tanto maior quanto o empobrecimento sensorial o isola mais do mundo. É para este renovo que se esforçam aqueles que, pelas hormonas ou «soros» tentam uma vivificação do exterior.
Surge no entanto um problema: Esta retracção, teoricamente inevitável para lá dos 85 anos mas que pode ser evitada antes, deveria observar o temperamento? Por outras palavras, quem é que chega a este estádio? A longevidade constitui um problema em si mesma. Existem gerações de pessoas idosas e, na verdade, uma tipologia da longevidade. Ora, justamente, o retraimento parece um factor predisponente. Assim, a retracção da «velhice longa», a despeito do seu carácter necessário, poderia muito bem não ser senão o fim de uma existência retraída. Mas isto não pode ser mostrado numa estatística transversal por idades do porvir do indivíduo. Seriam para isso necessárias estatísticas longitudinais. As Companhias de Seguros sabem aliás que a obesidade (e através dela o atarracamento, pelo menos em alguns dos seus aspectos) reduz a esperança de vida. Mas o problema é difícil já que o retraimento tipológico é desconhecido das tipologias ternárias, (Kretschmer, Sheldon), ou entendido em termos nos quais não há acordo.
Término e declínio.
Chegados a este ponto da exposição, ficamos em condições de concluir que há nitidamente «declínio», pois que este último vem inscrito na ontogenia. Mas este declínio não é uniforme. Certos sectores da economia permanecem abertos a novas oportunidades. Contra estas oportunidades ligam-se, no entanto, muitos factores, de resto, desconhecidos a princípio. A velhice é para nós pura e simplesmente «a velhice» e não há que acrescentar mais nada: limitamo-nos a fazer balanços numa perspectiva pessimista de deficit, mesmo quando nos propomos trabalhar a favor do idoso.
Este pessimismo encontra aliás justificação em certas condutas do velho que são condutas de demissão. Este, pelas suas ambiguidades, dá ensejo às críticas dos jovens. Não quer «renunciar», dizemos que se «aferra». Mas não faz qualquer esforço (e o grupo não o ajuda) para utilizar as sus novas chances, para integrar as suas novas estruturas «para se colocar no seu lugar». Entorpece e é aí que reside a sua renúncia que nestes casos termina no «insucesso» do «resultado». Não compete ao velho manter uma actividade adulta. Deve viver num outro plano. A sociedade, complexificando-se, deve definir o plano de estrutura psicossocial onde o seu lugar o espera. Criar a linguagem da velhice, é traçar as grandes linhas dum plano novo a prever para a velhice. Designar as coisas pelo seu nome é o seu modo de torná-las reais. As «coisas» ficam por definir em matéria de psicologia do idoso.
No todo, aliás (desde sempre, tanto quanto sabemos), o velho utiliza as suas virtualidades segundo normas que impõem o respeito das gerações. Não contamos já os «grandes velhos» que mostram o que é «o fim». Este término depende em parte da esperança de vida. Na verdade apenas em parte porque existem fins que debaixo da espécie do «sacrifício» não têm necessidade, vê-lo-emos, da velhice para se realizar.
O todo é no total saber como renunciar sem se entregar: face às grandes individualidades que traçam a via dos «excessos» desconfiamos que o grupo social desempenha para estas transcendências um papel que não é negligenciável: existe o indivíduo mas também existe o grupo: são estes actos que vamos considerar em seguida.
III – AS REACÇÕES PSICOSSOCIAIS AO ENVELHECIMENTO
Eu sou mas reajo àquilo que sou. O grupo e eu estruturamo-nos em «situações» que impõem a revisão do que está para trás.
O problema tipológico:
Os tipos humanos face à velhice.
Vamos, em primeiro lugar, encontrar toda uma série de problemas de ordem sociológica e que podemos apenas esboçar.
São, lembre-lo, tipos humanos frente à velhice.
A esperança de vida é variável, mas a vida social e as circunstâncias encarregam-se em muitos casos de nivelar as oportunidades. O indivíduo médio apresenta «componentes» tipológicos que fazem dele mais a expressão de uma «fórmula» do que de um tipo propriamente dito. Nas estruturas de «afirmação» um idoso que pratica exercício físico recusa o envelhecimento mas irá talvez sucumbir ao excesso de esforço. O sedentário vive numa amálgama complexa de um envelhecimento precoce que deve à fraqueza dos seus rejuvenescimentos somáticos e de um certo frescor que, em virtude desta fraqueza, não reestruturou na altura dos novos impulsos. Embora não reestruturado, mas também «porque» não estruturado, encontra-se defendido pela sua «inteligência» e pela sua cultura contra o envelhecimento (ou melhor a senilização). Mas é sobretudo, vimo-lo atrás, para as estruturas de adaptação que encontramos os problemas do envelhecimento. Discronia e necessidades espaciais multiplicam as necessidades quotidianas do retraído e fazem-lhe perder muita da sua esperança de vida. Inversamente, a higiene física do piquenique pode permitir-lhe resistir à sua natureza «obedecendo-lhe», isto é, utilizando as possibilidades, muitas vezes notáveis, de adaptação da sua espécie.
Estas diferenças de reactividade são, bem entendido, matizadas pelo nível intelectual que permite «empurrar» a cultura, portanto de a prolongar pelo «nível tipológico» (aliás a «proporção estrutural») e as compensações intrínsecas subsequentes, enfim, pelo nível social e condições de contacto.
A prática do piquenique, na medida em que aumenta os contactos, multiplica para o indivíduo as chances de se realizar, logo de não «envelhecer». Cada uma destas situações implica uma eventualidade de conflito entre o «dado» e o grau de adaptação ou de resistência ao dado. Assim, cada qual trata das suas senescências e por conseguinte da sua velhice.
O problema feminino.
È neste clima que nos deparamos com o problema feminino. Se é verdade que a actividade e a emotividade figuram nos dois pólos, masculino e feminino da economia, é a uma evolução de exigências emocionais que dá lugar a evolução feminina. Ora, já o vimos, sejam quais forem as aparências da vida emocional, as suas expressões não têm o carácter concreto das manifestações motrizes. As fases de impulsividade ou de turbulência que, na infância, podem aparecer no rapaz, são mais heterogéneas com a rapariga. Também os períodos são menos nítidos nesta última. A crise púbere é mais intensamente vivida pelo jovem do que pela rapariga.
Na idade crítica, os meios do homem, exteriores a si mesmo, de viver este período (maturidade social em particular) juntam-se à maturidade pessoal para o defender contra os efeitos da crise. Neste aspecto, a mulher não é tão protegida e vive a crise mais intensamente. O conceito de «andropausa» é muito posterior ao de «menopausa». Os problemas endócrinos exteriorizam-se com força. Há um efeito de choque ligado à supressão das regras. O impulso motor caracteriza-se por uma activação supra-renal com um virilismo por vezes descortês.
A forma e a função são simultaneamente implicadas: certas mulheres sentem-se humilhadas. Ademais, as indisposições são por vezes relevantes. A sua importância é acrescida das reacções que suscitam. Enfim, a mulher está atenta ao efeito daquilo em que se transforma para os entes que a rodeiam. É também origem de mortificações cujo termo extremo é, sabemo-lo, a «depressão» da idade crítica, mais frequente precisamente na mulher do que no homem. Mais grave também, na medida em que acarretam um «abatimento» intelectual, cada vez menos um afrouxamento, duma «melancolia de «involução», mas é principalmente o aspecto interoceptivo e passional que é interessado pela idade, donde, sobre uma base de perturbação que cria o que se sucede – as vivacidades afectivas e os complexos sentimentais.
Biologicamente mais dependente do que o homem, a mulher não é, ao mesmo tempo tão bem defendida socialmente. Muitas vezes abandonada a si mesma, não pode nem dissimular a sua crise nem encontrar-lhe um exutório.
As possibilidades de dsenvolvimento.
Se em contrapartida domina a sua idade, os seus recursos afectivos servem-na: diferente em natureza do homem, encontra nesta vida afectiva fontes de desafogo onde o factor afectivo domina os factores intelectuais. Esta expansão apela ao mesmo tempo para um «declínio» e uma «renúncia». Trata-se verdadeiramente de renunciar a valores de uma outra ordem, de encontrar outros valores para prosseguir relativamente ao homem a acção que a mulher exercia quando era mais jovem.
Em consequência disso, o afastamento entre o homem e a mulher aumenta em virtude das próprias diferenças de estrutura. No homem, a expressão das forças de actividade, a evolução para a fraqueza biológica constitui o facto essencial: trata-se, na verdade, de uma tendência para um estado de fraqueza (absoluta ou relativa), portanto de uma evolução intelectual, de uma tendência para a exaustão ou, e cada vez menos, para a estabilização mesológica, ela própria fonte de cogitações que assegura a sua maneira «de viver um cosmotropismo» próprio. Não se trata forçosamente de planos muito «elevados». A sagacidade é também bem mais destra nas actividades mais humildes do que na especulação filosófica. No todo é exercida uma certa forma de actividade. Nesta base, o resto elabora-se com êxitos diversos e, em todo o estado de causa, uma vez que o indivíduo mantém o contacto com o mundo – entendido na sua expressão de «meio» –, a única existência do contacto é a realidade de exaustão.
O retraimento feminino.
A mulher, menos resistente que o homem, enquanto mais «emocional» à partida, vê acentuar-se-lhe, à medida que envelhece, as forças de retracção, tornando-se portanto, dum certo ponto de vista, de maior resistência às forças dissolventes do meio. A sua corticalização afectiva defende-a também contra o exterior. Menos racional, mais intuitiva, é também mais resistente. Talvez resida aí a causa da sua relativa longevidade como também da relativa frequência do aspecto clássico das «mulheres idosas»: um ser recurvado, encarquilhado, «retraído» no sentido mais morfológico do termo.
Mas, a partir de então processa-se a passagem à vida afectiva. Não há, já o vimos, senão um aspecto «reflectivo». Entra no efeito psíquico das actividades exteriores. Estes «valores» novos da mulher não podem ser senão de ordem afectiva. Reservas de «amor» são elaboradas ao mesmo tempo que se exerce a interoceptividade que se manifesta a possessividade do retraimento. Menos transcendência mas mais efusão. Esta efusão necessita de alimento. O cuidar da infância é o alimento que a mulher naturalmente procura.
Mais débil do que o homem na pesquisa dos meios de superação, a mulher necessita, para ajudar, da intervenção do grupo. Este «grupo» será por vezes uma unidade apenas na pessoa do homem: o «casal» é a expressão do grupo assim compreendido. Deve ser este, por carência, o grupo social propriamente dito. De qualquer forma, a mulher, sejam quais forem as aparências, fica mais «disponível» na medida em que é mais afectiva do que o homem.
Modificações das solicitações pelos valores de grupo.
Com a intervenção do grupo, abrimos um capítulo que deveria ser em si a substância de uma exposição. Dado o vasto campo da pesquisa, a própria exposição não iria além de nos elucidar acerca dos pontos privilegiados.
A vida a dois…
Ou envelhecemos sós ou não. Isto é, antes de mais nada, o essencial. Mas como? Devemos por conseguinte encarar a «vida a dois», a vida do «casal». Não será aliás inútil, procedendo relacionalmente, situar em termos mais precisos as perspectivas do «indivíduo só» em termos de «objecto» sociológico.
Encontraríamos muitas vezes na base desta solidão (que se exprime no «celibato») uma certa independência de humor, talvez não isenta duma orientação receosa que reduziu tanto para «Ele» como para «Ela» o desejo (ou o meio), ou reduzirá em breve as chances duma «vida a dois».
Não vamos insistir no partido tirado da psicologia especial implicada nestas premissas. Trata-se acima de tudo de saber quais os meios de que o indivíduo dispõe para sair desta situação, para se não deixar enclausurar nos riscos de egocentrismo e de um declínio sem compensações.
Para um indivíduo apaixonado pela pesquisa (no sentido lato da palavra) ou bastante afastado de si mesmo, por se deixar, por natureza, penetrar pelo mundo, para «viver» dentro de si o meio sob a forma de emoção, para oferecer ao mundo, através dele, o que nele mesmo se elaborou de «essencial», a via da ultrapassagem está livre: o indivíduo «une-se ao mundo». É uma forma de «estrutura a dois», uma forma mística, se é que assim lhe podemos chamar, da «dinâmica de grupo».
Para outros, menos sublimados, o problema da solidão tem de ser levantado. Iremos encontrá-lo um pouco mais adiante. Mas se nos voltarmos para a mulher, compreenderemos que esta última, colocada em presença do mesmo problema, se encontra em desvantagem. Pelo jogo dos efeitos das percepções e da superficialidade, a emoção é, de facto, como que a emanação do meio, senão o próprio meio. Se, princípio feminino do mundo, ela for encontrar na mulher um ser de estrutura igual, o princípio do casal ficará falseado. A mulher não conseguiu encontrar no mundo o seu complemento biológico. Tem, por conseguinte, necessidade de encontrar no grupo social «um princípio de actividade». É este princípio que lhe irá assegurar o equilíbrio: salva a «mulher só» (reserva feita naturalmente a individualidades poderosas mas, nesse caso, criativas) do enrugamento insensibilizante ou das duvidosas «iluminações».
O casal.
Estamos agora em melhores condições de compreender o que é o «casal». Debrucemo-nos em primeiro lugar sobre os casos felizes, dos velhos que viveram harmoniosamente a vida do casal que sobrepujaram as suas vicissitudes, primeira forma de superação. Teríamos de perguntar qual a natureza desta harmonia, qual o empenho nas escolhas de outrora e, mais tarde, em que circunstâncias: problema de afinidade e personalidade dupla de um problema de eventualidade (acaso que Szöndi, já o sabemos, reduz a certos limites). Entre os elementos influenciadores da vida do casal temos as estruturações e os condicionamentos. Sem entrarmos nos mecanismos desta dinâmica lembremos apenas que estruturações e condicionamentos estão estreitamente ligados ao tempo e ao «campo», de momento portanto, pelo intermediário dos «campos», à personalidade de cada um. «Estruturaremos» no começo do impulso quando a intensidade do tempo reduz a duração à luz do instante, quando a extensão do campo engloba com o indivíduo tudo o que o rodeia.
Depois, quando o campo se organiza, quando o espaço se contrai, deixamos o plano do «gelo», da «repentinidade», do irracional e derivamos para o do «espaço-tempo» racional e, com ele, para o do condicionamento regular, da «combinação» psicológica que, para se fazer «necessita tempo». A partir de então a evolução do casal faz-se, em termos reflexológicos, pela evolução dos condicionamentos. Ora é, de facto, a inércia que actua: envelhecer é atingir, por diferenciação, este estádio de inércia; ora intervêm factos mais complexos, de inibição ou de indução, que terminam em condutas oposicionais e, inevitavelmente, na «nevrose do casal»; ora também, ao contrário, na medida em que a vida afectivo-intelectual se manteve apesar da falta de remoçamento, os «velhos hábitos» persistem, as personalidades apagam-se, perseverando apenas as formas mentais do hábito.
Assim se cria uma alma comum que impregna a alma de cada um e confere um pouco da estrutura do outro. Neste estádio os esposos «assemelham-se». E, referindo-se-lhes, ouvimos dizer «Quem Vê Um Vê O Outro». Parece partilharem um molde comum. Há, sem dúvida um risco, o da «extinção». O hábito, dissemo-lo, é inimigo do velho casal: É, de preferência, «algo» a evitar. Inversamente, por vezes, sob o efeito
de reviviscências momentâneas, de circunstâncias ou do reacender do «ardor», um dos elementos do casal afasta-se e rompe a estrutura.
É principalmente do homem que se trata (do homem, princípio de actividade). Mas quem fica sabe perfeitamente que pode esperar o regresso já que as coisas só raramente irão longe.
As separações.
Todavia, o casal decide-se a romper em consequência da «partida» de facto, desta vez definitiva de um dos seus constituintes. Então, um compromisso irá estabelecer-se entre o lamentar o desaparecido e os imperativos da vida quotidiana: tarefas a prosseguir, «casa» a manter, talvez ainda crianças a educar, de qualquer modo, decisões a tomar, em que se vai fazer sentir, ao mesmo tempo que o poder de adaptação do sobrevivente, a orientação geral do grupo «familiar» (especialmente discussões importantes).
Vemos então o delinear do começo de preocupações já experimentadas por cada um dos elementos do casal ainda quando intacto. «Se eu morrer primeiro…», ou ainda «Eu é que vou partir primeiro…». Conversas geralmente gratuitas, mas sob as quais a análise podia muito bem revelar um segredo, dominando o medo da morte, sobretudo o medo de ficar só e, no entanto, talvez um desejo secreto de «partir», com efeito, em primeiro lugar. Fuga frente à solidão, a certas evoluções temidas, às dificuldades familiares: um passo mais e resultará no suicídio senil pela «alienação» do «fim».
Na falta deste haverá necessariamente (e vamos encontrar o «homem só») um medo da solidão. Não só da solidão, já que nos encontramos numericamente sós, mas da solidão que faz com que nos sintamos sós. Há pois uma ponta de ansiedade (que chega bem depressa à angústia física devido à insatisfação), num preocuparmo-nos com a consideração que nos liga ao estado de velho. E temos aí, de certo modo, uma espécie de reivindicação afectiva: o velho é sensível às atenções e, mais ainda, à falta delas. Acontece frequentemente o velho querer «viver» sozinho mas sentir-se «rodeado» e o grupo admite esta reivindicação. Talvez pelo facto de ser «grupo» se encontre mais apto a compreender este convívio com a solidão. Mas, como veremos, nem sempre é fácil para ele traduzir em actos o desejo de satisfazer as preocupações contraditórias do idoso. Donde, pelo menos nos nossos climas e na nossa perspectiva, problemas sociológicos que temos actualmente de encarar.
A organização do grupo social.
Sob este aspecto mostrámos já o partido que pode ser obtido com a condição de os adaptar a uma tipologia geral, ao ponto de vista do sociólogo alemão Tönnies relativo às estruturas de grupo: existem estruturas «comunitárias» do tipo «família», ou «aldeia» e estruturas «societárias», as da cidade ou do estado, com as suas leis e regulamentos. Na verdade, trata-se de dois sistemas de forças ou, se quisermos, de duas estruturas de «campo» que se condicionam reciprocamente (portanto, sucedem-se no tempo), coexistindo (numa proporção diversa dos dois factores) na nossa organização social. Seria portanto forçoso estudar as interacções (de «Gestalt» ou de condicionamento) do idoso e dos grupos: grupo familiar e grupos sociais.
Comunidade.
No seio do grupo, o velho tem oportunidades e riscos em proporção variável. Nas estruturas «comunitárias» o «lado bom» é inerente à comunidade. Ligado efectivamente à margem dos liames racionais, ela integra o velho e este não se sente isolado. Pura e simplesmente como os outros. Por outro lado, n o seio de um tal grupo, o homem não se sente demarcado pelo limite de idade para o exercício das suas actividades. Trabalha tanto quanto lho permitem as suas forças, alheio aos controles inquisidores do grupo. No que diz respeito à mulher, ela integra-se na afectividade colectiva. Prolonga-se sem repentes nos cuidados das crianças bem como dos outros membros do clã. No grupo, as idades são ignoradas e, no entanto, a família tem o sentido da hierarquia das idades em que por tradição se venera o antepassado.
Mas existe também o lado desfavorável, sobretudo quando a comunidade se instaura numa ambiência hostil como por exemplo na cidade, toda ela impregnada de espírito societário. O espaço vital acanha-se, as frustrações recíprocas começam. Os ressentimentos ganham corpo no seio de uma comunidade exaurida da sua substância afectiva pelas realidades da cidade. Aliás, mesmo no campo, existem esboços de conflito, ligados aos incidentes da vida comum e consequentemente limitam os efeitos benéficos da vida comunitária.
Sociedade.
Vejamos agora a organização societária. Lado desfavorável: organizamos a velhice; secularizamos os dias do passado. Tudo bem, mas existe outro cariz: ocupar-nos do velho em alojamentos indignos implica necessariamente a procura de outros modos de alojamento. Como vamos lá chegar sem subtrair o velho à família, aos seus interesses afectivos, às suas reminiscências «que o ajustam» na medida em que aí ele encontra alimento?
Transferência do grupo familiar, solidarização do idoso, generatriz, por seu turno, duma psicologia especial a que pomposamente chamamos «Casas de repouso»? Aliar os imperativos da cidade e as exigências biológicas do idoso, tal é o problema que exige o seu complemento: «entrar socialmente» na velhice o que vai constituir o problema do mesmo modo «societário» da reforma e que não podemos mencionar aqui.
Uma multidão de velhices.
A complexidade social exige do velho uma adaptação simultânea a imperativos comunitários e societários. A estrutura individual entra também, por sua vez, em jogo para esta adaptação. Há pois uma imensidade de «velhices», tal como há também uma infinidade de conjunturas e, assinalemos, não nos debruçámos senão sobre os imperativos materiais; mas há outras necessidades que serão talvez mais fáceis de satisfazer:
Muitas vezes um pouco de bem-querer faz melhor que muitas satisfações; assegurar ao homem sob uma forma, seja ela qual for (dos mais humildes aos mais opulentos), possibilidades de transcendência situando-se esta principalmente no poder de «se evadir de si mesmo» e até, mais modestamente ainda, de «não se encarquilhar»; assegurar também à mulher necessidades do mesmo valor, salvo se forem de outra natureza: as que lhe poderão dar ensejo de satisfazer as carências do amor e das virtualidade do «dom de si mesma».
Quanto aos meios não nos cabe aqui discuti-los. Indicaremos apenas os planos:
- Plano biológico (um biológico que inclui tudo, do humoral ao trópico, passando pelo somático e o psíquico): a este plano voltam a organização do «declínio», o colocar à disposição dos «velhos» tudo o que o nosso saber permite para lhes dar a oportunidade de elevação do espírito até ao verdadeiro termo ontológico.
A organização do declínio permite então o «objectivo», isto é, as chances até ao fim.
- Plano mesológico: Trata-se também de organizar a «renúncia», ou seja a aceitação da idade, o acesso a uma nova «idade da razão» e sua simplificação através do que o complexo comuno-societário previu para a «eficiência» desta idade: novas ocupações, formas de repouso ou de lazer, incumbências «sociais». Assim se cria a «ultrapassagem» – «aceitação da renúncia para a passagem a outra coisa.
CONCLUSÕES
De uma maneira global, como não renunciar a actividades que, mais cedo ou mais tarde, nos ultrapassam? Mas como fazê-lo sem complementaridade? A natureza, já o dissemos, dá-nos os meios. Cada impulso suscita remoçamentos. Ora, além das etapas da vida, há sempre, sob uma forma ou outra, impulsos. Todo o estímulo engendra uma reacção com consequências indefinidas e existem chances de renovamento até ao fim.
A própria evolução dos meios que a natureza coloca á nossa disposição permite às oportunidades que se oferecem a chance suplementar de uma originalidade. O deficit energético e mesmo o psicológico, implicam estruturas novas que facultem ao velho ver o mundo com outros olhos, portanto com olhos jovens – decerto uma juventude, que não é certamente a do jovem e que merece, por conseguinte, outro nome. É um nome a procurar na linguagem vindoura da gerontologia.
Apoiando-nos nas imperfeições do vocabulário de que acabamos de tomar consciência, podemos dizer, face a «manifestações ectoblásticas de demissão» de que falam certos morfologistas (Martiny), que existe um «ectoblastismo de transcendência» com duas fontes: inteligência e vida afectiva –
a inteligência com manifestações cosmotrópicas, a necessidade de outra coisa, a procura dos fins, a evasão para fora de si mesma; a vida afectiva com investimento das virtualidades sociotrópicas inevitavelmente presentes atrás das concentrações afectivas e os riscos de retracção.
Mas se alguns factores não têm necessidade senão deles mesmos para se realizar, há outros que têm. Natureza e circunstância ligam-se para fazer triunfar os factores de introversão. É necessário pois que o grupo intervenha para oferecer alimento afectivo ao idoso, saber como deve intervir para lhe facilitar, libertando-o das preocupações materiais, o exercício da vida intelectual.
Orientado em relação aos outros, mas também em relação ao mundo, o idoso pode então realizar-se. A idade filosófica e o saber são os seus tradicionais apanágios. Termina declinando à transcendência das renúncias.
Contudo, temos de salientar que a intervenção do grupo não pode ir para além da simplificação. É em si própria que a velhice deve encontrar os elementos dos seus prolongamentos. Não pode fazê-lo senão por uma preparação abalizada evitando, no decurso da vida, deixar-se aprisionar em envelhecimentos parciais que o espreitam desde jovem. Mas ela não o evitará senão na medida em que o jovem foi então preparado, quer dizer, que adquiriu o hábito de evitar o abandono. É o mesmo que dizer que a educação do jovem é, a longo termo, uma parte da educação da velhice. Mas o velho participará nesta educação se, diferenciando tudo, se transcender e juntar à transcendência do espírito uma linguagem que o aproxime da criança. Fala pouco mas o que diz tem importância. Mesmo quando «se repete», as suas repetições (aceites pela criança, enquanto irritam o adulto) tomam, precisamente pela monotonia, valor de «condicionamentos».
Devemos igualmente salientar que uma interpretação demasiado restritiva dos valores da «conservação» agregaria o risco de conduzir a consequências contra as quais nos devemos precaver. Paralelamente aos «valores do envelhecimento» há «valores de grupo». Estes últimos são de tal modo que devemos por vezes entregarmo-nos ao grupo sem sequer nos darmos conta e, melhor ainda, ao desprezo dos valores de envelhecimento. Impõe-se portanto um ajustamento que leve em linha de conta, para alguns, a necessidade de se afirmar à margem do envelhecimento. Para outros, uma necessidade de o fazer porque o dever assim o impõe. Entre uns e os outros, de correr o risco duma morte jovem – outra forma de transcendência. No jovem, será esta transcendência sempre consciente? Pouco importa: basta que seja, e que o grupo o sinta bem intensamente também, o que une, na «homenagem aos mortos», os defuntos de todas as idades. É entre estes dois pólos, morte dos jovens para a transcendência do grupo, esforço do grupo para assegurar, retardando-lhes a hora da morte, a transcendência dos velhos, que se inscrevem as linhas de força figurativas do «campo social».
Dr. Jean Dublineau,
Médico dos Hospitais Psiquiátricos do Sena.
CAPÍTULO V
A evolução psicológica do velho «bem adaptado»
«Tal como há uma mentalidade fisiológica
da criança, dos adolescentes e dos adultos,
há uma mentalidade fisiológica das pessoas de idade.»
(R., Cahen-Salabelle)
Em dois capítulos que se equilibram extraordinariamente bem, o leitor irá encontrar agora uma descrição dos processos psicológicos normais e patológicos do ser humano em vias de envelhecer e envelhecido. Trata-se de uma revista geral exaustiva dos trabalhos europeus e americanos na matéria. Mas estes são constantemente confrontados com as pesquisas pessoais que o Dr. Miraillet prosseguiu sob a égide do Prof. Delore. Sabemos o interesse que este último, aliás mui cedo desaparecido, tinha pela gerontologia. As páginas que se seguem são uma resposta que ele certamente teria achado válida e que mostra que a escola Lionesa sabe assegurar o «revezamento das gerações».
Permitem compreender melhor como se tornou indispensável a associação de psicologia clínica e de observação «casuística» clássica.
Muitos duvidam ainda da existência de uma «psicologia normal» do idoso: tudo o que se passa na sua mentalidade e que difere dos grandes critérios da psicologia normal do adulto é considerado como o resultado da senescência, isto é de um processo de involução progressiva, de regressão, naturalmente.
Segundo esta concepção, não haveria psicologia fisiológica e específica do velho, mas apenas estados comparativamente bem ou mal conservados da psicologia adulta, nas pessoas em vias de envelhecimento.
Na verdade, existe de facto uma mentalidade própria do velho que nos propomos definir com os diferentes autores que se interessaram por este problema e, graças a uma série de testes sistematicamente propostos aos doentes de idade psiquicamente normais por um serviço de medicina geral (WESCHLER-BELLEVUE e RORSCHACH) pelo mesmo psicólogo.
Consideramos que a senescência começa aos 60 anos – limite arbitrário, decerto, mas que responde suficientemente bem aos factos e que encontramos nos trabalhos da maior parte dos geriatras modernos.
OS CRITÉRIOS DE ADAPTAÇÃO:
Caracterizam o «velho sem história», isto é:
- Sem deficit senso-motor importante (conservação duma acuidade visual e auditiva satisfatórias e de uma perfeita autonomia).
- Sem afectação orgânica grave ou simplesmente dolorosa.
- Em harmonia com o meio familiar e social.
- Gozando de um poder de compra conveniente (ou colocado em condições de existência satisfatórias).
- Enfim, não incluído na espera do processo abiográfico responsável pela «involução mental senil».
Este velho pôde organizar a sua personalidade no contacto dos problemas novos colocados pela sua senescência. É a evolução destas personalidade e suas modalidades de adaptação que nos propomos estudar.
AS GRANDES DETERMINANTES DESTA EVOLUÇÃO.
O velho prolonga e completa o adulto que foi, mas herdou predisposições que dão um aspecto particular à sua senescência.
1º. A genética da senescência: é ainda mal conhecida e a época das definições precisas ainda não a alcançámos.
a) A longevidade intelectual, essa, foi principalmente estudada. Entre os factores que contribuem para a conservação das faculdades psíquicas no decurso do envelhecimento, o património genético hereditário encontra-se em primeiro plano.
Não podemos citar, na medida em que são em grande número, todas as famílias de pintores ou de sábios cujos sucessivos membros foram velhos ilustres. Mas é ainda muito difícil citar os descendentes medíocres ou involuídos de homens superiores!
Neste caso, a involução seria devida a «…uma deficiência original prematura do capital genético dos elementos físicos corticais» (MARCHAND).
b) A genética das mudanças emocionais: foi esboçada no desenrolar da senescência. (K. M. BANHAM).
Seria caracterizada pela evolução em sentido inverso dos processos de diferenciação (crescente) e de flexibilidade (decrescente).
SAUL e LYONS definiram um factor de «vulnerabilidade emocional, específico» que até seria possível fixar por uma fórmula.
Mas o estudo das características de cada estádio do desenvolvimento psicológico do idoso (tipologia diferencial) encontra-se ainda na fase de esclarecimento (LAUGIER de PIÉRON).
As concepções modernas da genética deram um impulso novo no rejuvenescimento à «noção de hereditariedade psicológica» de RIBOT e à «predisposição», dilecta dos psiquiatras clássicos (MAGNAN, DUPRÉ), sem no entanto acrescentar elementos novos.
Os quatro tipos de sistema nervoso descritos por Pavlov têm uma analogia genuína com os temperamentos «hipocráticos».
Mais interessante é o desenvolvimento paralelo da noção de influência do meio. Aparece como o principal motor do desenvolvimento psicológico do homem moderno – de qualquer modo como a grande causa de desadaptação.
2.º A influência do meio:
A unidade psicológica que é o homem move-se num certo meio que o penetra por osmose e cuja composição é extraordinariamente matizada. Indissociável da predisposição individual, só se realiza em casos de espécie.
- A educação e o nível intelectual concorrem para estruturar fortemente o meio. Asseguram uma protecção eficaz contra a desadaptação do idoso (o papel da bagagem cultural é muito conhecido na manutenção duma certa facilidade de memorização: memória de evocação de um conto (RACAUD).
- A religião: tem uma influência dificilmente discernível na evolução psicológica do idoso. Carece ser precisada por pesquisas idênticas às de ROBERTS e MYERS em 1954 a respeito das doenças mentais comparadas entre protestantes e católicos.
- O meio familiar e o meio profissional são ricos em ressonâncias afectivas e veremos a sua incidência, seja protectora ou patogénica, no velho.
O meio pode ainda definir-se como o «mundo social» no seu conjunto, ou seja os modos de vida e evolução das ideias de toda uma sociedade. É uma causa de desadaptação insidiosa e não negligenciável do idoso pelo contraste cada vez mais acentuado entre os modos de vida que se mantiveram arcaicos (alojamento, distracções…) e os processos de informação complexos da nossa época.
C. – A NOÇÃO DE «CRISE»:
Define-se como um período intermediário e perturbado entre dois estádios do desenvolvimento psicológico. Assaz conhecida dos psicólogos da criança e do adulto (crise dos 3 anos, da adolescência, da menopausa) …
Mas será que existe uma crise nova no momento da passagem da idade do declínio à do envelhecimento? Se colocarmos à parte a «crise da reforma», a noção é contestável já que conduz á antiga concepção de decrepitude, isto é da passagem brutal da idade adulta para a idade da velhice, não sendo de resto verificável pelo exame dos factos.
Não pode tratar-se senão de casos de espécie.
O que intervém é a maneira como a crise da idade crítica (a dos cinquenta anos) é liquidada. Se tiver necessidade de um regresso de um indivíduo ao comportamento anterior com reviviscência do sentimento de culpabilidade, a situação nova criada pela senescência não será aceite e a velhice fica perturbada. (Impunha-se portanto um estudo a respeito do papel de educação da criança na liquidação harmoniosa desta crise da idade crítica.)
EVOLUÇÃO DA INTELIGÊNCIA E DA PERSONALIDADE DO VELHO
Definimos inteligência como a invenção e uso dum instrumento, mas é possível conceber a inteligência como um instrumento composto de elementos adaptados à obtenção de um resultado igual. No idoso normal o instrumento pode ser usado ou mesmo deteriorado mas permanece intacto o mecanismo mental que preside à sua utilização. A alusão de Simon «ter inteligência não chega, temos de saber servir-nos dela inteligentemente» ilustra notavelmente aquilo que sabemos deste envelhecimento intelectual.
- O problema da deterioração da inteligência.
Ao embrenhar-nos no estudo do «amortecimento» da inteligência do velho, teremos de dissipar dois equívocos:
O equívoco ligado à medida da inteligência, já que, segundo as tendências, podemos concebê-la e defini-la de várias maneiras:
- Factor geral presente em todas as aptidões (SPEARMAN).
- Poder de abstracção (TERMAN).
- Poder de adaptação (BINET).
- Ou ainda «qualidades intelectuais» decompostas por MEILI em 1946 em quatro factores principais: plasticidade (dissociação e reorganização das estruturas); complexidade(aptidão para realizar estruturas intelectuais complexas): facilidade, globalização (capacidade essencialmente criadora).
Quer dizer que a medida factorial das aptidões intelectuais não se propõe senão analisar isoladamente elementos normalmente ligados.
Ao querermos fragmentar e medir em tanta quantidade acabamos por não medir mais nada que valha a pena.
O que obtemos por meio dos testes, não é, em definitivo senão «abstracções da estrutura da personalidade total» (VERNON).
- O equívoco ligado ao próprio termo deterioração: implica uma comparação entre dois níveis, entre duas possibilidades máximas do indivíduo, parecendo, no entanto, a mais recente cronologicamente ser a mais fraca.
Ora, na maior parte dos velhos estudados, o conhecimento do nível adulto faz falta. O estudo «longitudinal» dar-nos-ia provavelmente a chave dos problemas colocados, mas os raros casos publicados continuam a ser de difícil interpretação. (86)
Tendo em consideração estas críticas, veremos que parece existir uma «deterioração psicológica» da inteligência psicologicamente mensurável no idoso – expressão talvez inexacta (como sublinham DAUMEZON e MOOR (87) – mas acresce que a maior parte dos autores a crêem indiscutível.
Não arrasta nenhuma ideia de irreversibilidade uma vez que a inteligência não constitui uma entidade em si mesma, destruída uma vez perturbada, mas que solicita a ajuda de aptidões congénitas e adquiridas que permanecem estáveis mesmo no decurso da involução senil.
O que temos de aquilatar no velho não é tanto a sua «técnica mental», que se torna bem rapidamente imperfeita, como a sua aptidão para aproveitar a experiência adquirida, para a integrar numa visão nova do mundo, o que lhe impõe modificações do seu equilibro biológico.
*
A) A inteligência considerada como o elemento mensurável pelos testes é por conseguinte esta «técnica mental» submetida ao estudo psicométrico.
É o produto de cinco funções essenciais que se esforçam por medir os testes:
- Compreensão dos problemas colocados.
- Estabilidade da acção do pensamento.
- Rapidez desta acção.
- Possibilidade de invenção de situações novas.
- Crítica permanente ao confrontar estas últimas com as soluções anteriormente conhecidas.
Deste equacionamento do instrumento inteligência nasce uma síntese simbolizada pelo QI – e este é manifestamente modificado no idoso.
O estudo duma população de indivíduos até aos 65 anos por Weschler-Bellevue confirma a afirmação de TURNBRIDGE que vê aí «…um lento e ininterrupto declínio a partir dos 20 anos até aos 60…».
Tendo em conta a média e o desvio tipo para cada grupo de idades e falando de um quociente de inteligência de 100 aos 16 anos, obteremos:
- 92 de 29 aos 34 anos.
- 82 de 45 aos 50 anos.
- 75 de 55 aos 59 anos.
- 70 aos 65 anos.
Psicometricamente estamos pois autorizados a falar de «deterioração da inteligência mensurável e calculável até aos 65 anos e esta deterioração define-se (WESCHLER) como «...uma baixa da eficiência do indivíduo colocado numa situação definida, inferior àquela que deveria ter se nos referíssemos quer a indivíduos análogos, quer ao seu comportamento anterior».
A variação contínua no tempo da curva impõe a ideia de uma «deterioração psicológica», finalmente menos importante no homem de 65 anos em relação ao homem maduro do que no adulto em relação ao adolescente.
Olhando melhor verificamos que apenas certos processos são tocados pelo envelhecimento.
Mantêm-se:
- O vocabulário e os testes de conhecimentos gerais.
- A compreensão.
- A reconstituição do puzzle.
- As provas de inteligência cuja solução é imediata e intuitiva.
Deterioram-se:
- A aritmética.
- A repetição dos algarismos.
- Os cubos de Kohs (teste com provas espaciais).
- O código (88).
Quer dizer que as provas que «funcionam» são unicamente aquelas que não exigem tempo limite na técnica de execução (excepto no puzzle).
É pois menos a inteligência «fluida» (EYSENCK) saturada em factor «g» que se deteriora do que as aptidões que necessitam uma grande rapidez de tempo de reacção.
- Para além dos 65 anos: a diminuição da técnica mental evidente e de um desenvolvimento inesperado
Utilizado por LESA-BIANCHI em indivíduos de ambos os sexos de mais de 70 anos, o Weschler-Bellevue mostra uma deterioração psicométrica: rápida entre o grupo 70-74 anos e o grupo 75-78 anos (fazendo-se sentir todos os processos com excepção do vocabulário);
- mais lento entre os 75-78 e os 79-88 anos.
O mesmo teste estudado por CALVI e FINZI mostrou-nos que os desempenhos do grupo 77-81 anos são inferiores aos do grupo seguinte.
Temos pois de concluir destes dados que existe um «período crítico» de involução intelectual entre os 75 e os 80 anos e que a partir desta idade há uma relativa estabilidade psicométrica.
As interpretações deste fenómeno são variáveis:
- seja devido à selecção que se opera com a idade;
- seja por uma adaptação incompleta à nova situação existencial introduzida pelo envelhecimento, os grupos arrastam limitações noéticas.
A resistência dos testes psicométricos à deterioração mental, fisiológica ou não, pareceu tão importante a certos autores (BABCOCK…), que se propôs utilizá-los como modelos «de eficiência» em psicopatologia.
A confirmação foi dada em 1948 por FOULDS e RAVEN que, aplicando o esquema de MILL HILL ao estudo de indivíduos de 18 a 70 anos, verificaram que, de entre todos os testes de eficiência nele contidos, o teste de vocabulário era o que tinha maior estabilidade. Mas temos de insistir neste facto, agora bem conhecido (PICHOT) de que a deterioração psicométrica não regista apenas uma certa proporção de enfraquecimento intelectual: mistura-se estreitamente com o que PICHOT denomina de «deterioração tímica».
De facto, os resultados do estudo, através de testes, dum velho inadaptado ao meio social ou que sofra de nevrose de abandono, são frequentemente catastróficos e seria tentador colocar o diagnóstico de «involução senil da inteligência» diante dos scores obtidos. Mas a eliminação do factor traumatizante termina frequentemente numa recuperação tão espectacular como demonstrativa.
Tudo o que está para trás tende a demonstrar que a inteligência psicomotriz não sofre involução linear rectilínea quando a medimos desde o adulto jovem até ao octogenário. Eis o gráfico proposto por VINCENT (89) até à idade de 60 anos:
que é a curva representativa duma equação do primeiro grau e que vai tornar-se curvilínea após a introdução dos dados gráficos do «período crítico» (75 - 80)
Seria aliás uma grande admiração, uma função psicológica poder ser enquadrada num quadro rígido duma fórmula matemática. Enfim, um elemento primordial colocado em evidência por todos os autores no respeitante à deterioração psicomotora da inteligência e do nível cultural anterior.
Seja qual for o teste utilizado, os indivíduos cultivados dão melhores resultados que os indivíduos incultos (mesmo para os testes de desempenho não verbal tipo Padrões Progressivos).
Tudo se passa como se a degradação se exercesse principalmente nas tarefas em que o indivíduo utiliza exclusivamente o seu mecanismo mental, reduzido a uma série de elementos simples e atingisse poucas tarefas no que respeita a actividade pessoal predominante.
*
B) A inteligência considerada a aptidão integradora de novas condutas:
Este ponto de vista behaviorista da inteligência parece-nos o único susceptível de nos guiar neste labirinto. O espírito humano tem tropeçado sempre na identificação do que constitui o seu poder.
Abundam os exemplos de «grandes velhos» que conservaram até a uma idade avançada capacidades intelectuais que o número dos anos parecia aprimorar, marcados por qualidades de lógica e de julgamento que se impõem à admiração e realizando obras variadas assinaladas por uma originalidade profunda.
Aos cem anos Theofrasto ensinava as suas Máximas sobre o carácter; Hokoushai desenhava obras-primas aos 81 anos e Chevreul surpreendia aos 90 aos que o rodeavam pela importância da sua memória e a profundeza do seu pensamento.
Nestes homens cuja originalidade é profunda coloca-se o problema filosófico da inteligência que não nos propomos estudar.
Na multidão de velhos anónimos são poucos os que reforçam e melhoram as suas qualidades intelectuais por altura da senescência; muitos conservam-nas intactas e um certo número parece sofrer uma diminuição, variável na sua importância e principalmente nas suas manifestações. É para eles que fundamentalmente se dirige o nosso interesse porque nos permitem, duma maneira esquemática mas cómoda, estudar os constituintes dessa inteligência, constituintes cuja dosagem subtil parece bem ser o elemento-base da personalidade.
1º. As funções de memorização:
A memória preenche a função integradora do passado no presente após uma série de operações mentais complexas para chegar à fixação de elementos desse passado, seguindo-se a «reintegração» no campo da consciência».
Há já muito tempo que sabemos que os distúrbios da memória do homem envelhecido são frequentes e relativamente precoces, não ligados à idade cronológica e realizando uma amnésia de fixação mais ou menos genuína. Tudo se passa como se tivesse perdido a faculdade de fixar os elementos novos, mergulhando no seu stock, intacto de recordações.
O passado adianta-se ao futuro e frequentemente ao presente.
«Tudo se afeiçoa, à medida que vamos envelhecendo, à velocidade da recordação, escreve JOUHANDEAU, até mesmo o presente. Acabamos por nos considerar a nós próprios como fazendo parte do passado.»
O velho passa em revista os principais acontecimentos da sua existência, alargando-se às grandes correntes de ideias das décadas precedentes, com uma insistência que impressiona o seu círculo e parece apenas acordado para os factos a desenrolar-se debaixo dos seus olhos.
Cita gentilmente um artigo que lera há trinta anos tendo ignorado na semana precedente o livro citado.
Desde RIBOT, que enunciou uma «lei», estes dados da degradação mnésica foram confirmados por todos os autores que deles se ocuparam.
- O estudo global da memória, feito com a ajuda da escala de Wells-Martin por SHAKOW e DOEKART, confirma esta cisão entre os dois tipos de fixação mnésica:
- Os testes que evocam os factos antigos (aquisições escolares…) permanecem intactos enquanto que
- os testes de memória imediata são perturbados.
- Uma análise mais minuciosa do deficit elucida-nos sobre as interdependências estreitas existentes entre a memória e a deterioração da inteligência.
- a atenção é, pelo menos, tão afável como a própria memória. Não se encontra já na idade dos trabalhos de grande fôlego com acumulação de detalhes, nem tão pouco na idade da aprendizagem.
- As recordações de grande carga afectiva, mesmo as mais recentes, permanecem mais intactas do que as de conteúdo racional (o esquecimento à medida das leituras é particularmente sensível a certos velhos, consternados por causa disso). O potencial afectivo das recordações da infância que se direcciona para um passado já revolvido, suavizado, aprimorado pela imaginação, é fonte de vibrações interiores agradáveis, enquanto que os factos recentes em toda a sua aridez reconduzem o velho a uma situação por demais actual com que já não sabe como lidar. Até certo ponto, a monótona repetição das rememorações antigas é o equivalente da actividade onírica no idoso.
«Cansado da luta e da acção, deixa-se ir ao sabor da corrente e, abandonando-se ao refluxo, sobe o curso do passado voltando a beber na sua fonte (90)»
- As recordações «automáticas» persistem integralmente, tais como as fábulas aprendidas, as canções, os antigos textos e as aquisições profissionais. É o que explica em parte a resistência do velho aos dados novos, verdadeiro temor do progresso, justificado pela amargura de não mais se poder incorporar facilmente no «filão» antigo.
Escusado será dizer que as excepções – por vezes brilhantes – são numerosas: certo octogenário coloca, assim, na memória enriquecida pelo tempo o alimento necessário a uma ideia nova que pressentiu e que brilhantemente desenvolve.
SOSSET (91) sustenta que a amnésia de fixação do velho, por mais pura e fisiológica que seja, coexiste obrigatoriamente com um certo grau de redução intelectual generalizado.
Vamos aí reencontrar a confusão difícil de evitar entre o que significa «factor mnésico» (fixação e memorização) e o que é «factor intelectual». Os testes utilizáveis intercalam-nos invariavelmente tal como o faz a própria actividade mental.
2º. As funções de informação:
Pelos diferentes sentidos, o homem comunica com tudo o que o rodeia e recebe daí «informações» diversas. Estudar a função da informação, é analisar ao mesmo tempo a receptividade mental das excitações e o desejo que o homem tem de se manter receptivo. O que é o mesmo que dizer que se nos apresenta de um duplo ponto de vista:
- ponto de vista psico - psicológico com a atenção;
- ponto de vista noético com a curiosidade.
Não vamos para além de vislumbrar o que é a atenção, ou seja um acúmulo da eficiência do pensamento na base da vigilância, ela própria resultado da actividade cortical e subcortical (com papel fundamental, fértil em interpretações fecundas da substância reticulada do tronco cerebral).
O deficit da atenção reconhecido no velho (principalmente do decurso da aplicação dos testes de memória) carece ainda de demonstração e esclarecimento.
O que melhor conhecemos é a matéria com que o velho organiza e utiliza as informações recebidas.
H. M. CLAY (92) estuda as reacções de um grupo de indivíduos idosos nas seguintes condições:
- as informações propostas são de complexidade e número progressivamente constantes;
- mas não há tempo de execução do teste imposto.
Atesta que o insucesso cada vez mais evidente de certos velhos não implica ansiedade, mas, muito pelo contrário, manifesta-se por uma completa negligência de partes inteiras da tarefa proposta.
O ponto de vista noético aparece com a incuriosidade do velho, considerada como uma perda do gosto renovado com fixidez esclerógena do pensamento.
Esta limitação voluntária das possibilidades da informação é talvez um dos signos mais precoces e dos mais sólidos da senescência.
3º. As funções de adaptação:
É um elemento capital da personalidade do homem que é, por excelência, o animal que vive em sociedade, que aí constitui uma célula e desempenha a sua função. A adaptação é a qualidade de renovação em contacto com uma situação nova. É uma grande lei biológica e social e o homem carece de toda a sua inteligência par lá desempenhar o seu papel.
Parece que o fenómeno da resistência às ideias novas, frequentemente encontrado na mentalidade do velho, seja de preferência provocado pela consciência do seu deficit mnésico e pela retracção da sua afectividade do que pela esclerose da sua inteligência.
Em todas as idades da humanidade houve vários Moisés que souberam retirar da rotina o grupo a seu cargo e forçá-lo a adaptar-se a novas condições de vida.
- O estudo da competência e capacidades profissionais do velho foi particularmente desenvolvido na medida em que responde a preocupações económicas não negligenciáveis. No decurso do exercício da sua profissão, seja ela qual for, o homem coloca em jogo todas as possibilidades de adaptação de que dispõe bem como todos os seus recursos intelectuais.
a) A competência profissional das pessoas idosas na realização de trabalhos manuais, é posta em evidência pelo inquérito de BARTLETT e WELFORD:
– Uma diminuição da competência entre os 30 e os 40 anos;
– uma recuperação entre os 40 e os 50 anos na maior parte dos trabalhadores. É o período de rendimento óptimo que os chefes de oficina e os seleccionadores bem conhecem;
- um declínio lento a partir dos 60 anos, tanto mais alargado a fazer-se sentir quanto os trabalhos efectuados se encontram mais sob a dependência da iniciativa do indivíduo. O que adveio precocemente em declínio foi o trabalho em série. O ferramenteiro ou o torneiro de peças de precisão conservarão uma capacidade, uma «destreza» mais tempo do que o artífice encarregado de alimentar em rodelas metálicas, segundo um ritmo determinado, a prensa automática. Seria pois utilizável por um período mais longo. De qualquer modo, tratando-se de especialistas ou não, as técnicas novas são bem assimiladas quando não rompem com o passado e a melhor produtividade deve-se a velhos trabalhadores que podem utilizar a sua experiência anterior em montagens novas. Os pontos de vista do empregador, do psicotécnico e do sociólogo apoiam a conservação duma certa faculdade no velho trabalhador manual idoso em bom estado psíquico.
1. A capacidade e a qualidade da produção:
- Se a «capacidade» global do trabalho baixa a partir dos 60 anos entre os metalúrgicos,
- a qualidade cresce entre os 55 e os 65 anos (por comparação com o trabalho dos jovens);
- as peças defeituosas são menos numerosas.
2. Os acidentes de trabalho e o «absentismo»:
Os trabalhos efectuados á volta destes temas são numerosos.
Não vamos citar senão os de H. D. KOSSORIS em 1940, acerca de 26.000 trabalhadores, depois dos de J. LAHY e de S. KORNGOLD em 1936.
As conclusões são idênticas:
- O número de acidentes de trabalho é menos elevado no homem de mais de 60 anos do que no mais jovem,
- mas a frequência aumenta rapidamente depois desta idade
- e a duração de indisponibilidade daí resultante é maior.
Estes factos permitir-nos-ão repor no devido lugar o problema do trabalho dos velhos na liquidação da «crise da reforma».
b) Se alargarmos o conceito de competência de molde a englobar o da capacidade, aperceber-nos-emos que a falta de adaptação do idoso não tem senão uma repercussão relativa no seu rendimento profissional.
Distinguindo três tipos de capacidade, GREPPIA conclui que:
- o declínio da capacidade nos trabalhos manuais começa por volta dos 50 anos;
- o da capacidade nas responsabilidades sociais, por volta dos 60-65 anos;
- enfim, o da capacidade intelectual, pelos 70 anos.
É evidente que estes dois últimos tipos não fazem intervir unicamente uma qualidade de adaptação tomada isoladamente, mas numerosos factores sociais, culturais… que têm um avantajado quinhão, tanto no seu desenvolvimento como na sua conservação.
Modernamente é clássico dizer-se que os intelectuais se adaptam melhor às novidades da sua profissão do que os trabalhadores manuais e que, entre eles, a idade do rendimento óptimo cresce proporcionalmente à saturação em capacidade de síntese da sua actividade profissional.
O quadro organizado por Lehman é disso um exemplo. A idade de rendimento comum seria:
- 48 anos para os actores e músicos,
- 52 anos para os médicos,
- 56 anos para os astrónomos e matemáticos,
- 58 anos para os juristas.
4º. As funções de afirmação:
Com a faculdade «instrumento/inteligência» de que dispõe, o homem esforça-se por manter o melhor possível o lugar que lhe é devido entre os seus semelhantes.
Afirma-se com tanto mais força quanto é mais jovem e mais ardente e o que nós sabemos de involução intelectual do velho explica-nos que ele deve querer isolar-se do mundo, de onde domine uma actividade constante e o choque de carácter.
A sua mentalidade parece ser atravessada por algumas linhas de forças.
A economia das forças intelectuais é, para o idoso, tanto um meio de defesa como de enriquecimento.
A diminuição das funções de informação tem como consequência uma constrição do campo do pensamento, mas a contrapartida nos indivíduos preparados para a sua hereditariedade e cultura é a intensificação da ilustração interior. Estes velhos lêem menos coisas no fundo deles próprios, mas lêem-nas melhor e, por analogia, pudemos chamar a esta nova mentalidade «a presbitia intelectual».
Os filósofos constataram há muito tempo a redução senil das funções de análise e de associação que se apresenta acompanhada dum empobrecimento da imaginação; um certo equilíbrio é, no entanto, estabelecido, com a ampliação das funções de síntese e, sobretudo, o ajustamento da qualidade do julgamento.
O Sábio das gerontocracias antigas como «o Ancião» da tribo primitiva, é respeitado e admirado pelas suas qualidades de lógica e rigor (valor perfeito dos «mundos mentais» diferentes onde se movem estes dois tipos humanos).
Se definirmos a lógica como a capacidade do homem para ultrapassar o tempo e destacar-se do mundo sensível afim de se explicar melhor, o pensamento do velho aparece como essencialmente lógico. Eis a razão pela qual os grandes sistemas filosóficos e as construções jurídicas majestosas, pela sua unidade de pensamento e harmonia das suas linhas, foram edificados pelos velhos.
No ponto extremo desta evolução aparece a espiritualização do pensamento, quinta-essência intelectual que podemos considerar como um termo ideal, mas que, como tal, apenas reservado a uma ínfima minoria de indivíduos.
Conclusão.
Se houver uma «deterioração» do instrumento que representa a inteligência do homem envelhecido, ela será compensada por uma melhor utilização.
O seu mecanismo mental torna-se cada vez menos apto a dedicar-se a uma actividade discursiva onde domine um estado de «tensão», mas continua, de uma maneira geral, conservado.
O declínio da memória e da atenção é compensado por uma aptidão para aprender, durante muito tempo conservada, que torna o que se aprende mais eficaz graças a hábitos organizados de pensamento e a um interesse acrescido ligado a um indivíduo mais limitado.
A redução da faculdade de adaptação aos elementos novos cede lugar a qualidades de organização devidas em grande parte a uma visão mais realista das coisas. O velho cede aos jovens e aos adultos o gosto pelas actividades dirigidas para as realizações concretas a que destina o seu potencial psicomotor, mas reserva para si a descoberta do sentido geral destas realizações e sua crítica graças a qualidades de julgamento que são, desde sempre, reconhecidas como apanágio do velho.
EVOLUÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE DO VELHO NORMAL
O problema do envelhecimento das aptidões
A expressão mais perfeita da ligação psicomotora é o acto voluntário, literalmente o traço de união entre o pensamento e a acção.
A passagem à acção necessita da aquisição da «praxis» ou seja de interferências entre a representação mental do acto e os esquemas motores. Todos estes liames podem vir a ser perturbados: a praxis ligada à percepção (relacionada em sentido lato com a palavra) pode ser perturbada ao mesmo tempo que ela (donde a repercussão na actividade mental das perturbações da somatognosia), bem como a integração mental dos esquemas motores (como a apraxia). Sabemos actualmente que os sistemas de ligação psicomotora podem ser ao mesmo tempo a causa e a consequência das disfunções da inteligência e da afectividade. Falta-nos empreender o estudo destas inter-relações no velho onde a elaboração de um conjunto de testes específicos permitiria a medida de uma possível desintegração do sistema psicomotor no desenvolvimento da senescência.
Se ligarmos à medida do fim do complexo psicomotor, isto é, do movimento voluntário do velho considerado como uma actividade neuromuscular global, constatamos que:
- A impulsão do acto não é modificada.
- O arranque é manifestamente alongado: existe uma maior latência no velho do que no adulto entre o momento em que a necessidade do gesto a realizar chega à consciência e aquele em que se torna realidade.
- No que respeita o desenrolar do movimento e seu prolongamento, levanta -se o problema da fatigabilidade do idoso. Os estudos de BOURGUIGNON e BOURLIÈRE precisam que:
- as cronaxias neuromusculares são as mesmas nos velhos normais e nos indivíduos jovens;
- mas que, em 12 dos indivíduos observados, havia sempre um síndroma miasténico evidente que os autores consideram como norma para além dos 55 anos e ligado mais ao grau de senilidade do indivíduo do que à sua idade cronológica.
Enfim, a paragem voluntária após a chegada da acção ao seu termo, é igualmente discretamente perturbada. Mesmo no idoso normal, sob o ponto de vista neurológico, encontramos um certo grau de «desinervação» (descrita por LHERMITTE e HECAEN no involuto senil), isto é, uma dificuldade no relaxamento voluntário dos músculos estriados.
As variações das aptidões no decurso do envelhecimento vêm confirmar estas perturbações do acto voluntário. Sabemos que o conceito de «aptidão» globaliza não somente o que pertence ao acto motor mas ainda o que pertence às outras funções da vida psíquica e em particular da memória.
Um certo número de provas esforça-se por tornar negligenciável a sua intervenção na análise das aptidões. Um primeiro agrupamento de resultados foi obtido por K. WEISS, depois por G. EHINGER (93) em 1927 e 1931. Aplicando um conjunto de cinco testes (enfiamento de pérolas, discos de Walther, pontilhagem, tapping e recorte) em 181 operários suíços dos 22 aos 51 anos, mostram que o percentil médio que é de 60 aos 22 anos fica reduzido a 40 aos 50 anos.
Faltava fazer o mesmo estudo para os indivíduos com mais de 60 anos.
Aplicando um teste de barragem de números nos trabalhadores idosos de um nível cultural médio da S.N.C.F. dos 58 aos 84 anos, Olivier Roux chegou às seguintes conclusões:
- Existe uma perda global e rápida da velocidade de execução (22, 60% examinam de 60 a 69 signos num minuto, enquanto que 28, 88% dos velhos só observam de 30 a 39 no mesmo lapso de tempo);
- Em contrapartida, exactidão e precisão são conservadas.
O papel do nível cultural naquilo que se nos patenteia puramente motor evidencia bem a complexidade do problema.
EHINGER, com estas provas de aptidão manual, mostrou com efeito que:
- o desempenho das mulheres cultivadas, mesmo inexperientes, e considerando-as inábeis era muito superior ao das operárias;
- o deficit psicomotor mensurável destas últimas começava 4 a 5 anos mais cedo do que o das mulheres cultivadas.
As conclusões provisórias parecem ser pois as seguintes:
1. Existe uma alteração do desenvolvimento motor do acto no velho
2. O envelhecimento das aptidões psicomotoras está longe de debutar em períodos similares para todas as funções estudadas. (Algumas alteram-se a partir dos vinte anos.)
3. O nível cultural parece ter uma influência dissuasora no envelhecimento psicomotor no seu conjunto.
A EVOLUÇÃO DA AFECTIVIDADE E DO COMPORTAMENTO
«O que o homem pode fazer de melhor é prologar a vida»
Goethe.
A afectividade não é já o instrumento que o homem forjou para apreender o mundo, mas a sua capacidade de reacção aos diversos estímulos vindos desse mundo.
A. – A evolução das capacidades emotivas:
Os seus elementos tímicos e representativos evoluem em sentido inverso.
a)Redução do estado de tensão da timia:
Se admitirmos que: «A emoção é um fenómeno ambíguo de condicionamento psíquico e de efeito orgânico» constatamos que esta ambiguidade é atenuada: o velho desvaloriza o que outrora era para ele um tesouro afectivo e a tensão emotiva ligada ao prosseguimento diminui similarmente.
O mundo das paixões dá lugar ao universo monótono e a ligação com a existência quotidiana torna-se mais estreita. O velho «cola-se» à realidade porque já não é arrancado pelas vagas de fundo afectivo. Convém colocar à parte «a crise dos quarenta» cuja base sexual predominante não é, no fundo, senão uma tentativa de sobrevalorização onde o factor social se adianta à distimia.
b) Aumento da importância do elemento representativo ou intelectual da emoção.
Mantido afastado das exaltações emotivas, o velho tende a justificar as emoções que não deixa de experimentar. Daqui para a frente tem todo o tempo para se analisar e tanto mais na medida em que a desagregação afectiva é mais alargada.
O adulto vive as suas emoções. O velho observa-as, apura-as e medita-as.
B.– A evolução do «Eu»:
Tudo permaneceria imutável se o «Eu», elemento-base da personalidade, não sofresse uma estruturação nova. Máquina apta a captar a energia e direccioná-la para as grandes realizações intelectuais, tende no velho para utilizar esta energia para os seus próprios fins. O «Eu» torna-se ao mesmo tempo motor e fim.
Daí resulta:
- A interiorização,
- O egotismo,
que incitam a um regresso ao narcisismo, já visto por Freud. Mas a identidade com o «Eu» infantil fica por aí: a rigidez do velho opõe-se ponto por ponto à fogosidade vital da criança. Este «Eu», tornado rígido, já não tem senão possibilidades de adaptação insuficientes. Será ultrapassado quando se encontrar face a problemas existenciais desconhecidos e não claramente definidos.
C. O investimento afectivo do velho norma l:
A experiência afectiva actual do idoso não pode já contar com os seus recursos dinâmicos: vai buscar às experiências antigas uma parte substancial da sua substância. O presente é fundamentalmente participação do passado.
A oscilação perpétua do adulto entre os dois pólos da vida afectiva, insegurança, segurança, é cada vez mais difícil de suportar pelo velho. Tudo o coage a uma fixação ao pólo da segurança. O seu equilíbrio depende dela. Ao consegui-la, vai «envelhecer bem». Em vista deste equilíbrio, o indivíduo devia poder «…fazer investimentos de ordem emocional e intelectual» (O. SPURGEON ENGLISCH e G. H. J. PEARSON).
D. – A evolução das relações sociais:
As relações sociais estão tão intimamente ligadas às faculdades emotivas que será necessário falar de «relações sócio-afectivas».
O seu campo de acção é vasto:
- Relações familiares.
- Relações amistosas (com «constelações» variáveis para cada indivíduo. São provavelmente mais representativas do estado afectivo do velho do que as relações familiares: escolhe os amigos, enquanto que a família lhe é imposta.
- Relações com o grupo profissional, confessional e político…
a) O estudo da sociabilidade do velho é pois um elemento capital que permite definir com precisão o quadro que lhe convém.
Pode proceder de duas maneiras:
- Inquéritos por meio de conversas individuais (em que o resultado é o estabelecimento do sociograma do grupo frequentado e dos graus de preferência de cada indivíduo).
- Discussões colectivas livres (que permitam revelar as grandes leis das inter-relações entre velhos).
b) O processo de retracção social: é o grande fenómeno registado.
Na verdade, esta reacção varia com o estatuto da existência: nas sociedades rurais e agrícolas onde ainda prevalece o sistema patriarcal, o velho conserva até à morte relações sociais harmoniosas pois que derivam directamente das do adulto. Encontr-se plenamente socializado nos melhores exemplos.
Mas as coisas não se passam da mesma maneira para o velho citadino cuja marginalidade se encontra ligada à cessação de actividade. O mais veemente desejo da maior parte dos citadinos (pelo menos em França) é, precisamente, o de instalar-se no campo, pensando assim ir encontrar lá uma reinserção social de acordo com os seus gostos. Ora, os benefícios gozados antecipadamente são por regra frequentemente nulos: o velho fica transplantado sem apoio sócio-familiar do rural e perdeu as reservas energéticas que lhe conservavam o gosto pela luta. O velho citadino, seja qual for o seu modo de existência, encontra-se quase sempre dessocializad (o que não arrasta necessariamente a desadaptação como consequência). Este processo de retracção social no velho adaptado foi bem vista por JOUHANDEAU: «Nunca me senti preso ao mundo por um fio menos fino, como se em cada segundo se fosse partir o que provoca o que leva ao rubro a minha volúpia de continuar a existir, sem nenhuma espécie de apreensão aliás, de cessar de ser, de não mais pertencer a este mundo.»
c) As interrelações entre velhos: sofrem a mesma evolução sócio-afectiva que os afasta do mundo dos adultos e os leva a procurar viver em comum.
Eis os dados das entrevistas.
À pergunta «Quem é que prefere para lhe fazer companhia?»
70% dos homens e 80% das mulheres responderam que preferem procurar alguém da sua idade. (Há mais homens do que mulheres que apreciam a companhia dos adultos jovens.)
As razões alegadas variam pouco:
- Há uma maior reciprocidade de compreensão.
- Com os jovens não se pode falar de coisas antigas. Estão-se nas tintas.
A experiência das reuniões amistosas e dos clubes de velhos tentada nos U.S.A. dá excelentes resultados para a conservação do «sentido social».
As consequências destas interrelações:
Arriscam-se a chegar a um «mimetismo afectivo»: a convivência de velhos não faz senão aumentar e uniformizar a rigidez de pensamento e o egotismo.
«Acredito que a velhice chega pelos olhos.
E que envelhecemos mais depressa a ver sempre velhos», dizia Victor Hugo (Ruy Blas).
Chegamos a estes seres, que encontramos nas casas de repouso para velhos, quase despersonalizados, idênticos nas suas reacções afectivas, reciprocamente decalcados.
d) O papel desempenhado pela criança: vem ditosamente restabelecer, num plano díspar do adulto, as ligações entre o velho e o mundo.
Todos os questionários põem em relevo a importância das crianças na vida das pessoas idosas. Quando, frequentemente, se sentem desconfiados em relação às crianças da primeira geração, expandem-se, no entanto no contacto com as da segunda.
Resultará em vão pretender uma justificação entre as duas idades extremas da existência humana assim como toda uma abundante literatura se comprazeu a fazê-lo.
Completam-se porque se opõem:
- Exteriorização da criança face à interiorização do velho.
- Actividade biológica predominante a contrastar com a espiritualização. A criança é o vínculo mais eficaz entre o velho, arredado em mais de 50% do grupo social, e o seu novo universo criado pela sua «individualização».
E. – O pensamento da morte e o problema da «serenidade » do velho:
O velho pensa mais frequentemente na morte do que o adulto e, alheio a todo o contexto filosófico, a sua influência sobre a afectividade é de tal ordem que temos de analisá-la.
a) A importância da ideia da morte é de interpretação delicada pois que depende:
- da educação;
- do nível intelectual;
- da formação religiosa e do seu grau de prática.
Um inquérito francês revelou que:
Entre os católicos:
Homens: 51% pensam nela frequentemente.
Mulheres: 30% pensam nela frequentemente.
Os mesmos factores religiosos se encontram no modo de morrer desejado:
10% de praticantes, somente, desejam morrer sem disso se aperceberem, contra
30% de não praticantes.
b) As reacções afectivas do velho perante a morte:
Oscilam entre os dois pólos extremos: a serenidade e a angústia.
É habitual dizer-se que, para a maior parte dos velhos, a ideia da morte não é fonte de ansiedade: a palavra que frequentemente nos ocorre é serenidade.
Não será talvez senão uma mistura ambígua de «consciência do eterno» (GUARDINI), de cepticismo, de resignação e de indiferença, mas é incontestável que as reacções ansiosas face ao avizinhamento da morte são raras nos velhos psicologicamente normais.
c) As interpretações das escolas psicológicas: conferem um cunho novo a este problema.
- Para os psicanalistas (FREUD e ALLENDY), o indivíduo normal aspira à morte uma vez atingido o estádio de velhice. Esta veria assim a eclosão de um instinto novo: o instinto da morte, fonte de serenidade. O instinto de conservação clássico apenas se encontraria lá para prevenir a morte acidental, a evolução normal far-se-ia no direccionamento da morte «natural» (?).
«O organismo não quer morrer senão à sua maneira», escreve FREUD.
A ausência de manifestação deste instinto, ou o seu desvio seria responsável pela angústia da morte.
Finalmente, esta concepção não se opõe à dos espiritualistas para que o pensamento da morte não possa obedecer a um instinto, mas seria um convite insistente para abandonar o amor-próprio do homem e separar-se da servidão dos bens materiais. Como diz MEHL: «Há algo de heróico neste acto de ascese…»
Resignar-se à morte, não é nem compreendê-la, nem aceitá-la, mas conseguir a serenidade.
Conclusão.
Todo o velho cuja evolução psicológica se traduz numa curva harmoniosa, guarda uma parcela do Sábio antigo. À medida que a vida se esvanece, os problemas materiais e a sua ressonância afectiva perdem importância, uma vez que encontraram, normalmente, uma solução. Teoricamente, o homem liberto de todas as contingências psíquicas pode consagrar-se a cultivar a sua vida intelectual e espiritual, ou simplesmente usufruir da calma que em si se gera. As linhas de força da sua afectividade nova agrupam-se em três feixes principais:
- Racionalização das fontes exteriores de interesse:
A erudição do velho, escapada às oscilações da timia, é um poder de direcção desenvolvido à custa do poder de acção; o homem velho racionaliza os dados da acção e exprime-os em palavras.
- Espiritualização social:
Faz-se com a ajuda:
- do fundo de recordações, de experiências e de tradições que lhe determinam o pensamento e lhe conferem uma vida sintética e estável das coisas.
- Das suas convicções religiosas ou da sua formação filosófica.
Este velho lúcido torna-se incapaz de perturbação, inacessível tanto à indignação como ao entusiasmo.
- Afectividade oblativa:
Ou seja a expansão em direcção ao outro sem esperar nada em troca. É provavelmente o pináculo mais alto atingido por uma afectividade harmoniosamente expandida, mas que não é acessível senão a um pequeno número de velhos privilegiados.
Dr. PAUL MIRAILLET,
Ex-interno dos Hospitais de Lyon.
CAPÍTULO VI
A evolução psicológica do velho desadaptado
Entendemos por «desadaptação» o conjunto das causas susceptíveis de interromper a evolução psíquica harmoniosa que caracteriza o velho normal, colocando-o num estado de desequilíbrio prolongado. O mais frequente é não atingir um estado francamente psicopatológico, mas é fonte de ansiedade encontrada pelo interrogatório e, principalmente, pelos testes «projectivos».
A. – AS CAUSAS SOCIAIS DESTA DESADAPTAÇÃO
Aparecem entre as mais frequentes: O velho tende a tornar-se um corpo estrangeiro na vida moderna e a velhice um estado particular com o qual é necessário contar cada vez mais, mas que irrita pelo entorpecimento que impõe ao corpo social. As publicações dos sociólogos e das estatísticas destas últimas décadas são eloquentes na sua seca brutalidade. O incremento do número de velhos torna difícil a sua inclusão na sociedade, ao mesmo tempo que a impulsão imprimida pela vida moderna acelera o «rendimento» global desta mesma sociedade. Os problemas colocados são de uma tal importância que «a protecção da velhice» se torna do mesmo modo necessária tal como «a protecção da infância».
Passaremos rapidamente em revista alguns destes problemas – com as soluções que parecem solicitar, – mas é bom que nos apercebamos logo à primeira vista que causas de desadaptação social iguais não implicam relações iguais por parte dos visados.
Há diferentes maneiras de envelhecer que dependem em grande parte daquilo que foi o potencial adaptativo do indivíduo adulto.
A adaptação social do adulto tem, com efeito, sido obtida ao preço da remodelação da sua personalidade. Este esforço, pedido a cada um de nós, terá sido particularmente difícil nas personagens aderentes «exclusivamente» à personalidade rígida. A velhice será para eles delicada porque se apegam a valores considerados como sendo intangíveis já que forjados com dificuldade no correr dos anos. Representa uma grande parte dos velhos ansiosos e «raciocinadores».
Para os outros, a desadaptação será menos perigosa porque encontrarão neles mesmos recursos de remoçamento e de preservação psicológica.
«As diferentes maneiras de envelhecer, escreve MINKOWSKI, em função dos diversos tipos constitucionais que admitimos nos nossos dias, constituiriam igualmente um estudo especial.»
1º. A crise da reforma:
Se é um elemento de desadaptação social importante no homem senescente, vista a reforma como a cessação da actividade retribuída no mercado do trabalho. Mas o problema é complexo porque o reformar-se comporta em si mesmo um germe de desadaptação independente da maneira como o homem acolhe essa mesma reforma.
As opiniões dos interessados são bastante partilhadas:
Inquérito de Alain Girard (94), praticado em França em 1946, com sondagens de 156 pessoas em actividade e 904 reformadas:
À pergunta: «Depois de uma certa idade, é de opinião que uma pessoa deve conservar uma certa actividade?»
As respostas foram:
Inquérito do Ministério das pensões de Inglaterra (1954):
Para os homens:
60% preferem continuar a trabalhar,
seja por razões financeiras (40%);
seja por gosto (40%);
seja, simultaneamente, pelas duas razões (20%),
40% preferem retirar-se,
seja devido a doença (30%),
seja por fadiga (30%);
seja porque passam voluntariamente à reforma por não verem aí nenhum inconveniente (40%).
Para as mulheres:
A repartição global é a mesma mas, nas razões alegadas por aquelas que se reformam, encontramos uma persuasiva proporção de causas familiares (educação das crianças, saúde precária dos pais ou do conjunto…).
É o mesmo que dizer que o sistema actual de aposentações, tal como é praticado em França, em Inglaterra (com menos de 60 anos), nos U.S.A. bem como na maior parte dos países do mundo desagrada a metade dos trabalhadores que consideram ser postos prematuramente «ao canto». São pois os mais atentos a esta ruptura da sua existência habitual mas, os outros, aqueles que são hostis ao eventual prolongamento da vida activa, inclusive mesmo os indiferentes, não são indemnes. Nestes indivíduos que ainda não podemos considerar de velhos, pois muito frequentemente em perfeito estado fisiológico, a ociosidade forçada irá arrastar um desequilíbrio psicológico cujas repercussões são de tal ordem que não será exagero qualificá-la de «crise». Desta crise vamos pôr em evidência o desenrolar e as consequências.
a) No período que precede a reforma: o trabalhador logrou um equilíbrio mental a que não é estranho o papel do seu emprego.
- O declínio físico e intelectual estavam a ser contrabalançados por uma melhor adaptação ao trabalho quotidiano, graças à «celeridade das manhãs» e à rotina.
- A permanência no emprego (com o papel regulador dos horários de trabalho) constituía o segundo pólo de equilíbrio do homem adulto (sendo o primeiro constituído pela família).
- A preocupação da promoção, fonte de ansiedade, enquanto móbil de luta conserva o dinamismo do indivíduo aglomerando-o ao grupo social activo.
- A aprendizagem dos jovens colocados sob a sua direcção completa este sentido de pertença ao grupo social misturando compreensivelmente um sentimento de orgulho.
- Por último e principalmente, o papel valorizador do trabalho, a sensação de não estar a cargo, de poder prover às suas próprias necessidades, bem como da família, constituem a matéria desta «dignidade humana» que os grandes sistemas legislativos estão talvez em vias de transformar profundamente.
b) A passagem do activo à reforma: perturbando este equilíbrio mental, vai provocar ao trabalhador problemas de que ele estava longe de se aperceber.
- Surgimento de conflitos com a família: no seio da qual ingressa definitivamente e para a qual aparece um pouco como um «peso morto», principalmente se é do homem que se trata. Despojado do seu reino que era o seu trabalho no exterior, desconhecido porque distante, fonte de receitas, portando de respeito, e aureolado de prestígio, irá tentar penetrar no que era o reino exclusivo da consorte: a casa. A reacção feminina é frequentemente violenta com expressões como «deixa-me sossegada! Ocupa-te em qualquer outro lugar…», equivalente psicológico do «vai brincar para outro lado» atirado à criança.
Nestas condições surge com grande frequência o café como «centro de acolhimento» do homem assim repelido.
Tudo se passa de modo diferente para a mulher que nunca deixou de estar integrada no meio social familiar, a ocupar-se do trabalho doméstico, e, fora das horas de trabalho, das crianças (e são por demais conhecidos os problemas de higiene mental colocados pela sobrecarga de trabalho propriamente feminino). O equivalente da reforma, em certas mulheres idosas, é o abandono por parte das crianças e
principalmente pelos filhos que já não precisam delas e que é sentido como um doloroso «ser colocada ao canto».
Na verdade, o mais penível conflito para o velho trabalhador é precisamente o que o opõe aos filhos. Por regra já adultos, são os chefes de família que eles, pai e mãe, geraram para o mundo, incluindo é claro, as raparigas. À parte, com as possibilidades financeiras praticamente intactas, têm as seguintes alternativas: delimitar o seu modo de vida ou ficar a cargo dos filhos. A atitude destes últimos e a recusa de assumir as suas responsabilidades (justificada ou não) resultam noutros tantos traumatismos para os reformados.
- A necessidade de alguns de ir viver em hospícios ou lares da terceira idade, provém:
quer da recusa ou da impossibilidade dos filhos tomarem conta dos pais;
quer da carência de dinheiro dos trabalhadores celibatários ou enviuvados; tendo vivido sós, devem envelhecer sós.
Veremos a reestruturação psicológica que exige a vida num asilo ou hospital para o velho e consequentes meios de autodefesa que supõe para ser eficaz.
- O abandono das responsabilidades é um elemento cuja importância não é em nada negligenciável. Conhecemos um certo chefe da indústria, septuagenário, sólido e muito senhor de si, que em «perfeita» saúde mental, quando a responsabilidade de vários negócios em plena actividade repousava nos seus ombros, uma vez tornado reformado voluntário, acaba por sofrer uma verdadeira derrocada de recursos tímicos e intelectuais.
Este caso particular vai conduzir-nos:
- À dificuldade de adaptação à nova vida e às horas de lazer:
Coloca com efeito o problema da organização do lazer, não só do velho, mas do homem em geral, já que é de todo o interesse que ele retire duma actividade voluntária extra profissional, de que depende em definitivo, a adaptação dos últimos anos da sua existência. A «actividade secundária», o «passatempo» cultivado na idade adulta, será por si só capaz de ocupar-lhe o pensamento e de lhe garantir o vigor após a reforma.
Falta-nos estudar as modalidades de substituição do trabalho pelas actividades mais ou menos artificiais, obrigações que, em certos casos, se parecem com um jogo tomado a sério.
Esta adaptação será melhor entre os intelectuais (em que o prazer da leitura, absorvido a «pequenos golos», é o que resta do sonho da velhice) e no rural (em que a reforma não é senão relativa, limitada aos grandes trabalhos… e às decisões agora tomadas pelos filhos) do que no trabalhador citadino que não tem mais nada para além das paredes do seu apartamento, a rua e o café como paisagem do seu novo universo.
c) Consequências psicológicas destes traumatismos standardizados: é uma verdadeira desorganização do carácter com um certo grau de hostilidade contra a sociedade que, por sua vez, se mostra também ingrata no que diz respeito ao velho trabalhador esvaziado da sua substância e depois rejeitado. Segundo a sua maneira de reagir, pode:
- Retirar-se da sociedade que por sua vez rejeita e, a partir daí, será célere o envelhecimento, atingindo um processo rápido de dissolução da memória social e um retraimento do campo do pensamento.
- Querer «permanecer no mundo» dando expressão ao despeito de haver sido riscado da porção activa por uma atitude reformuladora: é a silhueta do velho, repetitivo e gabarola que não se cansa de estar sempre a contar as suas façanhas de antigamente, salientando o interesse dos antigos métodos, denegrindo o universo dos jovens, separando-se assim deles cada vez mais por um abismo que vai escavando de permeio.
d) A liquidação da crise: se esta se desenvolver pura e simplesmente nos indivíduos de personalidade monolítica e para além disso favorecidos por factores sociais (tal é o exemplo clássico do industrial que se nomeia a si próprio presidente de vários Conselhos de Administração ou do universitário de Sociedades Eruditas), é responsável nos outros por uma desintegração lenta do carácter e do comportamento, desintegração em certos aspectos frequentemente falaciosos, tal como veremos adiante.
As soluções a aplicar ao problema da reforma: não são unívocas. Muitos autores são de opinião de que a solução ideal a aplicar aos problemas demográficos, financeiros e psicológicos colocados pelo velho é o prolongamento da vida activa que deve ser revista e as decisões tomadas devem estar imbuídas do espírito público. A reforma é desejada pela maioria da população activa e sabemos que o leitmotiv das reivindicações sociais é o abaixamento da idade da reforma. Aliás, na estrutura social moderna tudo pleiteia para uma eliminação precoce dos senescentes.
Os jovens temem que a presença dos velhos, para além do limite administrativo, prejudique a sua progressão. A preocupação da promoção é a forma actual (por vezes particularmente odiosa) da luta pela vida. Esta técnica racional de «sacudir o coqueiro» é uma invenção do século XX.
É diferente nas sociedades de estrutura patriarcal onde o velho conserva, não só a sua dignidade, mas toda a sua autoridade num sistema social relativamente simples e de evolução lenta.
Um facto curioso: os sindicatos ingleses que empreenderam uma campanha para a «reabilitação» dos velhos na vida moderna, são muito exigentes para com os seus próprios dirigentes, eliminados dos quadros aos 60 anos, enquanto que os trabalhadores industriais se reformam aos 65 anos…
Vemos pois que a elevação sistemática da idade da reforma para os 70 anos, ou o seu abaixamento para os 50, não iria acarretar uma solução cabalmente satisfatória.
É necessário que os trabalhadores tenham liberdade de acção.
- Quer se encurte a idade administrativa fixada, considerando as condições económicas gerais (uma vez que o crescimento da população inactiva em França onera tão pesadamente o orçamento de estado que irá ser necessário elevar a idade da reforma).
- Seja para continuar a exercer um trabalho de menor importância com a condição de ser remunerado e adaptado às suas experiências anteriores e às suas aptidões actuais.
Certos autores vêem a solução ideal na criação de equipas de velhos trabalhadores, agrupados em função das suas capacidades e gostos, ocupando segundo as necessidades empregos a meio tempo, e cuja capacidade de produção seria dirigida para trabalhos compatíveis com a sua involução psicológica.
Foram feitas algumas tentativas e com excelentes resultados: um grupo de oficinas da região leonesa confiou os seus trabalhos de contabilidade a velhos de cultura média e ao domicílio. Trata-se, bem entendido, da «administração dos livros», pontualmente postos em dia pelos velhos após uma aprendizagem sucinta.
2º. As causas económicas:
Têm de tal modo influência evidente na psicologia do idoso que não adianta este apoquentar-se.
É por demais sabido que a miséria é má conselheira e que o velho solitário e sem recursos é, mais que qualquer outro, presa fácil do desequilíbrio psíquico.
A «Reforma dos Velhos», com o seu abono de 48.000 francos por ano, não consegue senão dissimular o nosso indecoroso desinteresse pelo velho que se tornou improdutivo, logo socialmente inútil. Com uma tal quantia não consegue senão sobreviver e terá de renunciar à sua autonomia e à sua liberdade para ser tomado a cargo, quer pela família, quer pela sociedade.
3º. A atitude dos filhos:
As alusões amargas à «indiferença» dos filhos e mais geralmente ao «egoísmo» dos jovens são frequentes no decurso de interrogatórios de velhos.
Os julgamentos que usam são severos:
«São uns ingratos».
«Muitos filhos não cumprem os seus deveres para com os pais envelhecidos.»
Os inquéritos sociais feitos às famílias que pedem para tomar conta de um velho em lares revelam frequentemente o abandono a que as pessoas idosas são votadas pelos filhos. São múltiplas as causas e o enfraquecimento do sentido moral não é o único a incriminar
a) As causas ligadas à vida urbana:
O progressivo deslizar da família «patriarcal» para a família «burguesa» (caracterizada pelos laços estreitos e limitativos entre a casa e os filhos), a seguir para a família «proletária urbana», é um dos elementos demográficos mais marcantes dos últimos cinquenta anos.
A exiguidade dos apartamentos, aliada ao progresso da natalidade, torna a coabitação impossível. Um inquérito parisiense recente (95), praticado em 30 casos de coabitação tomados ao acaso entre os membros de três gerações, revelou:
8 casos apenas de coabitação «harmoniosa», portanto de satisfação geral, com desejo de a prolongar;
5 casos de semi-êxito (em que, principalmente as crianças solicitam a participação do velho);
17 casos de malogro total.
Por outro lado os recursos das famílias não já não são suficientes para fazer face às despesas acumuladas pela manutenção dum velho. É tudo comprado (alimentação, vestuário…) e o velho nem sequer tem a consolação de «fazer biscatos» para contribuir com a sua quota-parte para a caixa comum como o rural (jardinagem, criação de aves de capoeira…). O problema do auxílio trazido pelos filhos aos velhos pais está de resto ligado á passagem à reforma. Uma mulher de 80 anos pode perfeitamente ter um filho reformado com 60.
Não estará longe o tempo em que casos deste género se irão multiplicar (em 1952 havia em França 52.000 mulheres de 85 anos e mais) e em que a sociedade terá que suportar esta massa inactiva. A manutenção de várias gerações será um fardo demasiado pesado e é urgente talhar uma situação satisfatória para o problema.
b) Os casos ligados à mentalidade das crianças:
A explosão precoce da família explica (se não o justifica) a indiferença das crianças para com os idosos; uma vez escapados rapidamente à tutela do pai de quem não havia mais nada a esperar, criaram muito cedo um lar sem qualquer tipo de laço a ligá-lo à geração precedente; pensam não dever nada aos progenitores de quem puderam abstrair-se muito depressa.
Correlativamente, os adultos rejeitam as suas responsabilidades para com a sociedade. Uma das reflexões que mais frequentemente ouvimos é a seguinte: «Uma boa parte dos impostos destina-se às leis sociais. Têm portanto obrigação de sustentar os velhos em meu lugar!»
Concluindo, a procura do conforto cultivada pela propaganda comercial é uma preocupação maior junto da qual o cuidado de se ocupar de um velho passa para segundo plano. Um casal não pode, simultaneamente, sustentar uma mãe idosa e comprar um canal de televisão ou pagar as mensalidades de um automóvel!
Conclusão.
A própria definição de estudo sociológico significa comparar entre si os variados «estratos» de indivíduos. A lógica é, no entanto, falseada quando se ocupa de casos particulares ou tende a generalizar.
Quer dizer que as causas de desadaptação social terão repercussões cujos matizes dependem, não somente dos «tipos constitucionais» que temos evocado, mas ainda dos tipos «sociais». Falta-nos analisar em pormenor essas repercussões nas diferentes camadas representadas pelos camponeses, pelos citadinos, pelos intelectuais e pelos operários, pelos ricos e pelos pobres, pelos homens habituados a grandes responsabilidades e por aqueles que nunca as assumem.
É aliás provável que esta evolução tão díspar da psicologia do velho entre no mais vasto quadro da desadaptação global do mundo moderno, desadaptação próxima do «conceito de stress» dos psicossomáticos.
B. – AS CAUSAS DA DESADAPTAÇÃO LIGADAS AO PRÓPRIO PROCESSO DA SENESCÊNCIA
Um dos principais benefícios do «conceito psicossomático» é fazer-nos lembrar que, órgãos e espírito, motilidade e afectividade são partes todas ligadas ao organismo humano. Tornou-se quase um truísmo dizer que o diabético representa um distúrbio da glicoregulação, pode ser submetido na sua evolução a causas psicogéneas.
Quando o homem envelhece, os seus meios de apreensão exterior insensibilizam-se. Pode o espírito permanecer jovem, mas a vista diminui, o ouvido deteriora-se, a líbido extingue-se e tudo concorre para uma retracção cada vez mais pronunciada fora do universo tónico dos jovens.
É legítimo perguntarmo-nos qual a influência que esta senescência pode exercer sobre a psicologia do velho. Um certo número de autores dedicara-se ao estudo da baixa acuidade de cada sentido tomado isoladamente, mas subsiste um vasto desconhecido nesta matéria e o arroteamento apenas debuta.
Propomo-nos encarar a ressonância psicológica:
- Da deterioração da percepção (visual, auditiva, táctil).
- Da alteração da estética pessoal no decurso do envelhecimento (conjunto realizando a «ameaça da imagem corporal» segundo a síntese original de MITTELMAN).
- Das modificações da função sexual do velho.
1º. A deterioração da percepção:
A base do conhecimento do real é a percepção dos objectos. Para edificação deste conhecimento concorrem um certo número de aparelhos ou órgãos especializados numa percepção particular. À percepção sucede uma operação de síntese a que damos o nome de «gnose».
A integração dos dados novos está pois sob a dependência de um duplo sistema:
- Por um lado, do sistema «órgãos - excitantes do sentido do observador» (estes últimos não fornecem, em suma, senão a expressão simbólica dos estímulos exteriores, estranha a toda a apreensão directa).
- Por outro lado, das condições de receptividade do indivíduo. O problema consiste em saber a que ponto «o desgaste» dos instrumentos de detecção vai adulterar o registo das gnoses numa receptividade suposta normal.
Em que medida e em que sentido as alterações da pele do velho (diminuição das sensibilidades táctil, dolorosa e térmica) vão perturbar o seu sentido espacial? Assunto que se nos apresenta totalmente desconhecido.
Os nossos conhecimentos são um pouco mais precisos no que diz respeito à visão e, principalmente, à audição, simultaneamente, porque os nossos meios de investigação são mais exactos e porque as funções estudadas têm uma importância de primeiro plano.
a) As disfunções da audição:
Uma das perturbações mais comuns do idoso é a hipoacusia, a tal ponto que a sabedoria popular faz da surdez uma das premissas da senescência.
Quanto a nós, não temos intenção de tratar a surdez como sequela de um processo patológico anterior (otite, otospongiose…), mas da diminuição, praticamente inevitável da acuidade auditiva no velho e a que AURRIOT, por analogia com os equivalentes oftalmológicos, chamou de presbiacusia».
- O estudo audiométrico simples revela que se trata de uma hipoacusia da percepção, caracterizada por um atraso electivo da parte mais aguda da zona hipersensível, ligada a uma má percepção da voz sussurrada e ao tic tac do relógio. Este deficit característico costuma aparecer muito precocemente (em certos casos a partir dos 40 anos) e responde a uma degenerescência senil das células sensoriais muito frágeis. Mas o que é muito mais interessante, sob o ponto de vista psicopatológico, são as perturbações da inteligibilidade conhecidas com precisão há pouco tempo e que parece não responderem a uma etiologia unívoca.
Foi feito recentemente um excelente estudo a propósito por CALVI e FINZI e é a ele que nos referimos.
Grosso modo, as constatações psicoacústicas efectuadas no velho a quem são propostas uma série de frases-testes de tonalidade de conteúdo de aceleração variável, com interrogatório correlativo sobre o grau de compreensão e de fixação, são as seguintes:
- As mensagens aceleradas são mal compreendidas no seu conjunto.
- Entre as frases utilizadas, as de conteúdo usual (fórmulas de delicadeza…) ou proverbiais, mesmo longas, são abrangidas mais rapidamente e melhor do que as outras e são repetidas sem erro, enquanto que as frases de conteúdo mais complexo são frequentemente «reconstruídas» segundo a significação afectiva, a única retida.
- Existe frequentemente uma sensação de «confusão» no decurso da audição de frases banais que traduz um deficit transitório mais englobante da inteligibilidade.
Os trabalhos modernos (FOURNIER) permitiram penetrar mais avante no caminho da mensagem «sonora» cujas frases, a partir da audição até à integração cortical podem ser esquematizadas do modo seguinte:
- A análise da mensagem ao nível do receptor periférico (e é fundamental notarmos, com CALVI e FINZI, que o deficit de inteligibilidade não parece ser proporcional à perturbação da sensibilidade auditiva, levando em linha de conta os tempos de reacção, sempre salientados no idoso).
- A identificação da mensagem.
- A sua compreensão.
- Enfim, a sua fixação.
O que surge perturbado no idoso são principalmente as funções de identificação e de fixação à exclusão da compreensão, processo intelectual de elementos adquiridos. As ligações do aparelho auditivo com a memória estão, uma vez mais, em primeiro plano.
A identificação, mecanismo essencialmente cortical, é um esforço que exercemos todas as vezes que ouvimos um som afim de lhe encontrarmos uma correspondência com o que daí pode reconhecer a nossa memória. Trata-se de comparar este som com um «modelo» convenientemente registado, de avaliar as sua realizações possíveis afim de não apresentar à actividade mental em expectativa senão «o que já conhece». Constatamos, pois, que o que é electivamente atingido no velho, é a capacidade de reencontrar facilmente o modelo. Frente a esta deficiência, as suas reacções são variáveis:
- Seja porque se trata de modelos frequentemente utilizados, e a comparação será portanto facilitada dado operarem automaticamente (o que explica a inteligibilidade intacta das «frases-testes – provérbios, por exemplo»).
- Seja porque a capacidade integrante foi alterada apenas em parte (o que irá traduzir-se numa reconstrução aproximativa da frase ouvida, «mais ou menos» verdadeira cuja significação geral é conservada).
- Seja por ser transitoriamente transbordada (e gera-se a «confusão»).
Os factores genuinamente intelectuais não são postos em causa para o que temos uma prova fornecida por CALVI e FINZI que compararam as curvas de deterioração psicométrica obtidas por CESA-BIANCHI graças ao Weschler-Bellevue e à curva psicoacústica obtida em condições similares
Concluímos que existe um «período crítico» de involução intelectual (entre os 75 e os 80 anos) traduzido por uma flexão nítida dos resultados, enquanto que, no período seguinte conservam uma estabilidade relativa. A curva de registo das provas vocais não lhe é paralela e seria mesmo, de preferência, melhor durante este período crítico.
Tudo se passa como se o velho compreendesse e retivesse defeituosamente mais por deficit de memorização do que por deficit da sua função auditiva, permanecendo todavia intacto o poder de integração cortical.
b) A deterioração da função visual:
A vista é o sentido mais carregado de intelectualidade. O nosso pensamento forma-se provavelmente muito mais à imagem daquilo que vemos do que daquilo que ouvimos. As disfunções acarretadas à relação «percepção/integração» através da presbitia do velho (96) são sem dúvida importantes, mas sabemos agora que o problema da
repercussão psicovisual não se encontra circunscrito apenas aos processos de deterioração do olho e das vias ópticas (as teses sobre a influência do astigmatismo de GRECO sobre a visão pessoal dos rostos humanos está hoje ultrapassada); em óptica humana e psicoacústica, o que sobretudo conta é a identificação do que se vê e a sua integração ao nível do córtex. Ora os actos psicofisiológicos actuais são a favor duma influência cortical preponderante.
A definição um pouco caricatural dos factos seria a seguinte: pouco importa o que o homem vê com seus próprios olhos já que o seu cérebro é o único responsável por aquilo que realmente vê.
As noções adquiridas são um pouco díspares e não interessam directamente ao velho onde a confirmação está ainda por relacionar.
1º. As modificações experimentadas pela vista são notavelmente «recuperadas» pelo córtex. STRATTON e Ivo KOHLER verificaram que a visão, obtida com óculos destinados a perturbar as imagens oculares, volta a ser normal ao cabo de um certo tempo. A área occipital exerce, assim, uma segunda vez, uma acção de correcção. Qualquer desorientação da percepção visual acarreta uma correcção progressiva graças à influência do «conhecido» que parece primordial.
2º. Os elementos intelectuais não parecem, no entanto, intervir senão de uma maneira secundária nestes processos de interpretação e de correcção da percepção visual (um dado que parece em desacordo com as psicologias da teoria clássica). Por exemplo, o estudo feito por NYSSEN e BOURDON da percepção peso-volume (que necessita da intervenção de todos os sentidos para esta «colocação espacial») nos elementos senis, mostrou que se mantinha em perfeito estado de conservação.
Constatamos, segundo apurou AUGUSTE LEY, o mesmo no concernente à percepção táctil nos indivíduos com doenças idênticas.
Falta provar que a senescência ocular, com a sua presbitia, as perturbações do sentido cromático e a sua diminuição variável do campo visual, arrasta apenas um pouco de embaciamento do par «percepção/integração» tendo o córtex a função de corrigir os erros do aparelho sensorial afim de conservar intacta a expressão simbólica dos estímulos exteriores.
- Em conclusão: De todas as disfunções da percepção, a alteração da função auditiva é a mais rica de ressonâncias efectivas. A sabedoria popular sabe desde há muito que o velho surdo se torna muito mais perturbado do que o velho cuja acuidade visual é fraca e estes dados integram-se perfeitamente nos trabalhos dos psicólogos modernos que tendem a colocar a audição num outro plano diverso dos outros modos perceptivos concebidos como «uma exploração da forma».
Conhecer um objecto é, antes de tudo, «explorar» os seus detalhes característicos pela vista e pelo tacto, em seguida operar um processo de cristalização até que a sua forma se imponha.
Seja qual for a escola considerada, os determinantes sensoriais tendem a passar para segundo plano na elaboração da percepção.
- Para os Gestaltistas, a estrutura pertence ao objecto, isto é, as formas são dados imutáveis dotados de qualidades próprias. Todos os indivíduos teriam pois a mesma percepção de certos objectos cuja significação é precisa e invariável. O factor de experiência pessoal necessário, para que esta significação se torne completa, seria pois que o factor estrutural estivesse aglutinado ao objecto.
- Para Cécile Goodman e a escola americana, os «determinantes comportamentais» da percepção (aprendizagem e motivação) são capazes de modificar consideravelmente os dados dos determinantes sensoriais.
O controle pragmático e principalmente o afectivo teriam tanto mais influência na cristalização final quanto o observador estivesse mais interessado pela sua percepção.
Nesta óptica, ela é dinâmica e uma «percepção» não é senão uma constelação momentaneamente estabilizada (OMBREDANNE).
É uma das aplicações da teoria moderna da «informação».
2º. A deterioração da estética pessoal:
A integridade corporal é uma das condições da pertença ao mundo social. Quanto mais se intensificar a socialização tanto mais os homens irão experimentar a necessidade de criar um semblante que agrade aos seus semelhantes. Os cânones estéticos a que se referem no decurso das idades foram-se quasi sempre buscar à morfologia dos jovens. O velho que se afasta dos seus cânones sofre alterações que a senescência empresta à sua imagem. O seu «Eu corporal» parece-lhe detestável quando a sua superfície se degrada. E é talvez este «medo do espelho» a explicação da relativa pobreza em interpelações anatómicas normais verificada nos protocolos de respostas ao Rorschach nos grupos de velhos, quando as visões deformadas (esqueleto, rosto disforme…) são frequentes.
Certos estigmas da senescência estão cheios de um simbolismo afectivo que tem mais uma influência valorativa naquele que dele é portador: a calvície e as rugas do homem velho.
Mas não se passa exactamente a mesma coisa com a mulher cuja estética se deteriora inevitavelmente – e sem compensação. Não há nada que evoque a serenidade naquilo que forma a «máscara da velha»: bolsas por debaixo dos olhos, miose senil, curvatura do nariz, bochechas caídas, duplo queixo, rugas pronunciadas e falta dos dentes.
Talvez avaliemos um pouco levianamente o papel benéfico das técnicas modernas destinadas a prolongar na mulher a aparência de encanto no que diz respeito aos cânones estéticos. Pode criticar-se o seu uso e a integridade dos profissionais estar sujeita a caução, mas a conservação do «Eu» corporal é, pura e simplesmente, um dos elementos de protecção do «Eu».
3º. As modificações do poder sexual e o problema da sexualidade do velho.
O problema sexual do idoso é de abordagem psicológica assaz delicada, já que o seu estudo vai tanto de encontro a um sem número de preconceitos, como a falsas interpretações.
Os endocrinologistas mostraram o lento declínio da genitalidade no decurso da senescência, com as suas provas histológicas e a sua medida biológica, ligadas ao processo de involução psicológica das glândulas de secreção interna.
O estudo psicológico esforça-se por compreender a ligação que existe entre a sexualidade e a genitalidade do velho, entre o poder sexual e a líbido. Podem, do mesmo modo que o adulto, concordar ou dissociar-se. Esta última eventualidade é apreciada diversamente, enquanto se interroga o psiquiatra ou o médico mas parece, no entanto, relativamente pouco frequente.
A evolução do poder sexual do velho, definida como a faculdade de ter relações sexuais normais e completas, está dissociada da potencialidade de reprodução.
O facto é patente na mulher cuja actividade sexual ultrapassa largamente o surgimento da menopausa e é provável no homem cujo esperma se mantém durante muito tempo fecundo.
As rigorosas pesquisas de KINSEY mostraram de resto que esse poder sexual conservava a sua eficiência durante muito mais tempo do que era clássico acreditar (as confidências dos velhos eram incompletas ou de interpretação duvidosa). Em 37 idosos de raça branca e 39 de raça negra com mais de 60 anos, KINSEY tira as seguintes conclusões:
- que aos 60 anos apenas 6% eram sexualmente inactivos.
- e que aos 70 anos 70% continuavam aptos a ter relações sexuais, muito embora dispersas.
A evolução libido levanta teses um tanto diferentes.
As tendências psicopatológicas modernas chegaram a uma sobrestimação do problema sexual – e em particular no idoso.
Na imensa maioria destes velhos normais a libido descreve uma curva paralela ao desenvolvimento sexual.
Tal como se passava com o Sábio antigo, a sexualidade já não coloca problemas e a precisão da investigação psicológica preza muito estes septuagenários para os quais a «embriaguez da paixão» que já não suportam mais e que, para além disso não passa já de uma rememoração…
«Embaraçado pela minha castidade de que ainda não adquiri nem o prazer nem o hábito, não sei mesmo que uso se poderá dela fazer sem virtude ou partido tomado», escreve JOUHANDEAU.
A aceitação do novo estado processou-se naturalmente no decurso dos anos e os estudo dos velhos casais é particularmente demonstrativo a este respeito. A vida comum tornou-se uma associação de duas existências paralelas; a união perfeita do casal protege cada um dos seus dois membros e o indispensável de harmonia ainda impregnado de narcisismo e amor captativo na época do amor partilhado acabou por se elevar à oblatividade.
Mas, em certos idosos, o desequilíbrio da líbido é uma causa que de modo nenhum será negligenciável de desadaptação e o nosso objectivo é concentrar-nos neles e insistir.
O desvio do erotismo do velho tem talvez como factor favorável a «sexualização» progressiva da nossa civilização. O grito de alarme de Freud, no respeitante ao recalcamento e suas consequências psicológicas, arrastou um brusco retorno da situação que nos parece nociva pelo seu exagero.
O Homo sexualis substituiu o Homo sapiens. O velho encontra rodeado de provas de valorização do acto sexual: publicidade, literatura, propaganda médico-psicológica, espectáculos. Sofre talvez mais do que os seus antepassados da época romana. A patenteação de uma patologia dá-nos a impressão de ter multiplicado a frequência de casos patológicos…
Daí resulta uma verdadeira hipertrofia libidinosa imbuída de «bulimia sexual», tanto mais móbil na medida em que a satisfação destes desejos legítimos se desvigora.
O interesse novo e excessivo pela genitalidade que encontramos em certos idosos tem talvez, igualmente, como explicação o temor supersticioso da «ruptura do elo (Ch. ODIER) cujo poder de valorização é grande. A aptidão destes homens senescentes, até então bons maridos, que descobrem bruscamente uma líbido despótica ( « crise dos 40»), logo, insatisfeitos com duas ou três ligações simultâneas, explicar-se-ia pela prossecução do fim fundamental: garantia contra o abandono, muito mais que satisfação sexual.
O erotismo feminino pós-menopausa parece particularmente vulnerável e os seus laços com a genitalidade parecem ainda mais frouxos.
As mulheres resignam-se mal à diminuição dos seus encantos (e toda uma indústria florescente vive desta luta contra os ultrajes do tempo); são suportados tanto pior quanto a educação e o meio social lhe conferiram uma importância maior. Não é propriamente o acto sexual em si mesmo que lamentam (a erotomania da idosa está fora de questão), mas o «charme» cujos efeitos no outro sexos são sentidos com múltiplos matizes, fontes de júbilos subtis. É este pequeno aperto no coração frente às reacções esperadas do Outro que para a mulher é mais penoso abandonar. Donde os combates ferozes durante muito tempo empreendidos mas destinados antecipadamente ao insucesso total.
Não vamos abordar aqui o problema das anomalias sexuais do velho que pertencem ao domínio da psicopatologia (embora certos autores PELLEGRINI) tenham sustentado que o auto-erotismo e a homossexualidade de substituição senis não seriam senão retornos «fisiológicos» das manifestações libidinosas puberais ou pré-puberais).
A interpretação psicanalítca da líbido do idoso patenteia-nos elementos interessantes, em particular o da regressão sexual.
É assim que o «complexo de Jocasta», visto como uma reactivação de certos elementos de Édipo, teria raízes libidinosas evidentes.
Conhecemos os traços fundamentais: O pai cristaliza a sua atenção na filha e a mãe no filho. Dá um aspecto inopinado às reacções desproporcionadas dos pais (das mães em particular) no momento da separação do filho da célula familiar, vivida como um verdadeiro abandono e de que já vimos o poder de desadaptação.
O casamento do filho único é por vezes um traumatismo psíquico grave. A mãe que já se havia resignado ao desaparecimento da sua genitalidade e, a seguir, do seu charme, indiferente à harmonia do casal que não conseguiu permanecer embrionário numa tal circunstância, acaba de presenciar a usurpação de um derradeiro elemento de valorização pessoal: a sua comunhão com o filho, o que pode redundar numa reacção agressiva:
Seja frente-a-frente ao próprio filho com tendência a desvirilizá-lo (já que são outras mulheres, que não ela, a desfrutar dessa virilidade…).
Seja num frente-a-frente com a mulher que se «apodera» do filho com todas as consequências que uma tal atitude pode carregar no decurso de uma vida em comum.
Em suma, o primum movems das expressões libidinosas residiria no potencial adaptativo do «Superego» frente às tendências profundas. Porque se o «Superego» se insensibiliza, irá acarretar um estado de excessiva dignidade, de rigidez nos velhos que se revoltam quando interrogados, revelando assim a sua ansiedade subjacente; porque se se debilita, as tendências regressam à superfície com reaparecimento das actividades sexuais de feição infantil e expressão de um auto-erotismo degradado.
C – AS CAUSAS PATOLÓGICAS DA DESADAPTAÇÃO
Uma doença grave, arrastando consigo um profundo atentado à integridade da pessoa somato-psíquica, provoca uma regressão ao estádio infantil com credulidade, angústia, e demanda de apoio. As reacções do velho são pura e simplesmente iguais às de todo o homem que sofre na própria carne a incerteza do futuro imediato; não têm absolutamente nada que as distinga, a não ser uma curvatura mais rápida das funções intelectuais, por pouco que a afecção se prolongue.
A mentalidade do velho que cegou ou ensurdeceu ou foi atingido pelas duas enfermidades é provavelmente a do adulto nas mesmas condições patológicas.
Mas é a doença crónica que é um factor de desadaptação psicológica no idoso; à mentalidade comum a todos os indivíduos atingidos por moléstias a longo termo, ou incuráveis, são acrescentados elementos próprios à sua psicologia e a cada uma destas afecções.
1º. O fundo comum não é senão uma variação do tema do malogro com os seus corolários:
- Sentimento de impotência;
- Sentimento de dependência em relação ao que o rodeia;
- Sentimento de frustração, isto é de privação de uma satisfação a que tem direito (neste caso a saúde), com agressividade e reivindicação mais ou menos conscientemente formulada contra a sociedade (ou seus substitutos), responsável pelo estado do velho. Parece-lhe justo que ela se esforce por suavizar a sua sorte. No decurso dos interrogatórios os velhos afirmam frequentemente que estão doentes porque os «matam a trabalhar». Trata-se de uma espécie de suicídio orgânico vencido mais ou menos conscientemente. É um regresso a si mesmos da agressividade contra outrem, esta no entanto aparentemente ineficaz na maior parte do tempo, mas infligindo um prejuízo irreparável.
2º. Algumas doenças têm um contexto psicológico peculiar. Existe uma mentalidade do velho obeso, como do artrítico ou do gotoso.
A «predisposição» que remoçou a noção hipocrática de «terreno», sem a ultrapassar nem explicar, constitui um dos elementos (ponto de vista psicossomático do problema). Mas se o terreno é o mesmo no indivíduo cujos conflitos emocionais se vão exteriorizar sob a forma de afecto orgânico e o indivíduo cuja afecção primitiva é responsável por uma cristalização da sua mentalidade à volta de um factor de desadaptação, nós não iremos estudar senão o que se elaborou secundariamente a partir de um sintoma orgânico. O nosso ponto de vista será somático/psíquico.
Se a constipação é interpretada pelos psicossomáticos como uma «reacção excrementícia» de característica nevrótica, não é menos uma perturbação frequente no idoso cuja atonia intestinal é evidente e pode ser a causa da expansão de um complexo psicopatológico até aí latente.
A mentalidade do obeso é agora bem conhecida. O velho é frequentemente mais reticente que o adulto face às indicações dietéticas mesmo sendo a sua obesidade «descompensada». As razões são variadas:
- A ambivalência que existia no adulto, entre as preocupações alimentares e as de base estética, tende a desaparecer: o velho (e principalmente a mulher) não tem já remorsos quando come segundo os seus desejos.
- Cada vez mais se nos revela a alimentação como um substituto da satisfação emocional (compensação do deficit sexual ou da perda das responsabilidades sociais).
- Combate o sentimento de insegurança inerente ao velho (a obesidade encarada como virtude tranquilizadora quási mítica).
- Em suma, a rigidez de pensamento com retorno aos preconceitos familiares, explica a negligência alimentar aparentemente paradoxal de certos obesos senescentes («um facto relevante com mais apetência do que piedade», e «a minha mãe que valia muito mais que eu, foi toda a vida obesa»).
Tudo isso vai ser exagerado no velho com a redução do sentido crítico e a alimentação tornar-se-á nele uma preocupação essencial, quase um objectivo (os protocolos de RORSCHACH de velhos normais colocam a cada passo este tema «alimentar» dos pensamentos em evidência, e a atitude dos pensionistas de asilos é particularmente eloquente a este respeito).
Jelliffe foi um dos primeiros a estudar o fundo psicológico da artrite crónica, seguido pela Escola de Chicago (Johnson A. Shapiro, L. Alexander em 1947) e pôs em evidência o mecanismo psicodinâmico dos «ataques» artropáticos.
Esta mentalidade seria caracterizada por
- um estado de revolta inconsciente (principalmente das mulheres que recusariam a sua condição feminina: muitas foram «maria-rapazes falhadas» na sua juventude com gostos desportivos pronunciados);
- um sentimento de culpabilidade (cuja interpretação psicanalítica varia com os autores);
- uma necessidade de domínio (a blocagem articular da idosa, muitas vezes não explicada pelas lesões anatomoclínicas, exteriorizaria a necessidade de mandar no seu círculo).
Quanto à bem conhecida irritabilidade destes velhos, é de ter em conta o estado doloroso crónico da artropatia. O conjunto realiza um estado nevrótico dinâmico bastante eloquente.
São menos conhecidas as mentalidades do hemiplégico e do paraplégico; quanto à evolução psicológica do velho tuberculoso, muitas vezes, após anos de tratamento, quase que se resigna o que será mesmo, em certos casos, uma recusa da cura (alguns autores afirmam que a lesão pulmonar só se cura paralelamente à «lesão» afectiva (SELVE, 1950; WESTERMANN, 1951).
O velho tuberculoso obtém benefícios secundários da doença para satisfazer a carência psicológica:
- Restabelece-lhe a solicitude do seu círculo.
- Evita-lhe contactos com o mundo traumatizante.
D. – AS GRANDES LINHAS DA DESADAPTAÇÃO PSICOLÓGICA
O desenlace destas grandes causas de desadaptação que acabamos de passar em revista é um caso psicológico particular que encontramos nos idosos «que envelhecem mal». Não é ainda a psicopatologia, mas existe já uma rotura de equilíbrio, um estado de adaptação regressiva, um pouco incoerente do sistema mental frente ao stress que já não é capaz de inibir e cujo psico – somatograma mostra uma súmula notável. Tal como o adulto que pode, pelo comportamento patogénico, ser compelido a refugiar-se no álcool, o velho irá refugiar-se na senilidade.
A frequência dos velhos desadaptados é grande, talvez mesmo cada vez maior, na medida em que crescem as causas sociais desta desadaptação. O homem moderno combate para construir um mundo que deixou de ser à sua imagem e o velho sofre mais por causa disso do que qualquer outro.
1º. O enfraquecimento global das funções de memorização é precocemente relevante.
- A amnésia de fixação torna-se evidente. Associa-se frequentemente a uma conservação integral do julgamento em numerosos velhos, obrigando-os a «viver no geral» (COURBON), isto é, guardam intactos os grandes suportes da vida social (graças ao potencial do «conhecido» que forma o fundo da sua vida psíquica), quando o seu poder de passar ao particular enfraqueceu. Estes velhos sabem encontrar o tom familiar conveniente com pessoas que lhe são apresentadas como parentes, sem serem capazes de precisar os laços de parentesco de que se trata e esquecendo logo a seguir.
Afim de preencher o vazio deixado pelo deficit da memória dos factos recentes, repetem-se constantemente. A matéria de repetição dos velhos é, o mais frequentemente, a história do passado que se lhes apresenta notavelmente preciso e claro enumerando os principais factos com um brio admirável. Segundo a qualidade da mudança afectiva ligada ao passado, repetirão:
- Sejam os factos (de preferência aqueles em que brilharam, repetindo interminavelmente o que disseram, o que viram e o que escreveram…)
- Sejam os sentimentos que os levam a voltar incessantemente ao móbil da acção passada e aos incidentes emotivos. É de prestar atenção ao facto de a infância ser o tema favorito deste rememorar e que a observação ansiosa é frequente nestas confidências do velho.
2º. A baixa da actividade criadora e das faculdades imaginativas:
Com a diminuição do nível de interesse e o nascimento dos estereótipos, parece-nos um dos sintomas mais precoces na instalação da desadaptação. É fundamental darmo-nos conta disso afim de descobrir o traumatismo causal, porque esta deterioração das faculdades intelectuais mais representativas não implica nenhuma ideia de irreversibilidade: a experiência atesta que tal velho cujas faculdades criadoras diminuem depois de uma crise da reforma mal integrada, pode reencontrar uma originalidade capaz numa ocupação, de acordo com os seus gostos e ao nível do seu índice de responsabilidade.
Quer dizer que o nível cultural e a acuidade do sentido social protegem o idoso desta deterioração. Os frustrados, habituados a usar mecanismos mentais elementares serão talvez menos precocemente atingidos pela esclerose da imaginação, mas o deficit, uma vez que se instale, será fixado.
3º. A desorganização do carácter: é o elemento mais espectacular deste síndroma de desadaptação, em todo o caso o mais mal suportado pelos que o rodeiam e que define o «velho difícil».
O egotismo é o resultado extremo do processo de interiorização encontrado na evolução psíquica normal. Retirado do mundo ao qual não o ligam senão laços cada vez mais ténues, o velho fecha-se em si mesmo; tende a viver num círculo fechado em que é o centro, reencontrando o narcisismo infantil como o viu Freud. O processo de retracção social ganha terreno pouco a pouco e, no máximo é a atitude infantil que o completa e prolonga.
- A incapacidade de racionalizar o mundo exterior que já não é satisfatório para o velho pois que o fere e ao qual reage pela indiferença. A maior parte dos protocolos de Rorschach contêm este tipo de ressonância, restringente íntimo, com extrema pobreza de interpretação humana que marca a dificuldade cada vez maior de ter contactos sociais satisfatórios.
As consequências afectivas são:
- A aparição de preocupações hipocondríacas: tema social, familiar ou económico, onde nos patenteia a noção de que essas preocupações não são senão uma visão à lupa das causas da desadaptação.
A reacção de defesa do velho, frente a esta fuga do tempo e ao seu isolamento, não sendo capaz de uma integração eficaz vai desenvolver-se numa adaptação regressiva. Vai tentar desenrolar-se insensibilizando-se. Sobrelevando o seu «Eu» cria uma ilusão de travar o tempo. Donde as atitudes novas frequentemente notadas:
- Avareza e excessivo gosto pela propriedade cujas diversas consequências atulham a literatura como por exemplo nesta expressão de BOILEAU «velhice triste incessantemente a amealhar».
- Exacerbação do sentido da presunção: explica a ávida pesquisa das honras por parte de certos velhos cujo ardor parece incompreensível se não fizermos intervir esse mecanismo rígido de autodefesa.
- Quanto ao autoritarismo: suscita as mais violentas reacções do meio e consuma a rotura com o grupo social.
O velho assim definido é um belo exemplo de incontinência caracterial e verbal.
4º. As perturbações emotivas:
A emoção é a expansão psíquica da sensibilidade; no velho desadaptado existe, ao mesmo tempo, hipertrofia de uma e atrofia da outra.
- Hipertrofia da expansão: com gosto pela confidência excessiva, acompanhada frequentemente dum enfraquecimento da «barreira» da autocrítica, portanto dum redução da sua capacidade de julgamento.
- Atrofia da sensibilidade: que pede o seu tipo de ressonância harmonizada e hierarquizada. Não é já de maneira nenhuma uma sensibilidade de carácter normal, em grande parte altruísta, mas com uma série de descargas afectivas mais ou menos inoportunas. A pieguice abandona o símbolo pela máscara para se apoiar apenas em razões sem força persuasiva. A emoção desorganiza-se e sumariza-se em emotividade, mecanismo primitivo e imperfeito
Vamos ter como consequência a aparição de uma pieguice pueril (amor excessivo e súbito pelos animais…) que contrasta com a diferença frente a dificuldades que é o meio que as deve suportar. Esta perda da dimensão confere uma configuração particular à mentalidade destes idosos que não sabem lutar contra a sua ânsia de contactos sociais senão por uma emotividade cada vez mais dirigida para eles mesmos.
Ficam frequentemente comovidos, mas raramente afectados e esta máquina afectiva descontrolada contribui para os conduzir na perda das simpatias que lhe seriam bem necessárias.
5º. A exacerbação da consciência dolorosa e mórbida:
A vida psíquica do velho sofre um eclipse progressivo, já que reage penosamente às enfermidades que o oprimem e à desinserção social de que é objecto. É uma das consequências do seu egocentrismo e da sua emotividade.
a) A ansiedade senil: matéria para um estudo exclusivo em profundidade, de tal modo nos parece formar o «pano de fundo» da actividade deste velho. Vive a vida através dos seus órgãos e apercebe-se com acuidade dos defeitos do seu funcionamento (os relatos circunstanciados das idosas que aprendem a compor com a sua atonia intestinal hipertrofiando as consequências são disso a ilustração).
A cinestesia estuda a situação sobre os sentidos hierarquicamente mais elevados e é o registo destas perturbações dolorosas que constitui a base da ansiedade (a «doença da cinestesia» de DEVAUX e LOGRE).
Se a ansiedade está praticamente sempre ligada a manifestações cinestésicas, estas são cronologicamente as primeiras e o sentimento de insegurança que geram vem logo a seguir. Esta noção explicará talvez a frequência (para não dizer a constância) da ansiedade evidenciada nos RORSCHACH dos velhos hospitalizados para afecções orgânicas e que eram aparentemente alegres e conformes ao tipo tradicional do «velho tranquilo», sem nenhum acção ansiosa patente.
Os testes projectivos objectivariam pois a ansiedade, não somente antes de ser tematizada mas ainda antes de se tornar claramente consciente.
Os esquemas ansiosos delineados entram no quadro da psicopatologia; não consideramos pois senão:
- A ansiedade reconhecida como um estado de expectativa e de tensão dolorosa.
- A ansiedade «latente» do velho,
- A ansiedade, que não se realiza ao nível da consciência; apenas um vago sentimento de ameaça injustificada e imprecisa que modela a mentalidade do homem idoso, impondo-lhe preocupações novas que o círculo envolvente interpreta como sintomas de uma involução.
Dirige os seus pensamentos para os indivíduos tristes, porque dão uma justificação intelectual à sua tensão dolorosa.
As reacções graves e calmas do velho em face de catástrofes ou perante a perda de seres queridos e que são postos na conta das suas virtudes morais e da sua filosofia para uns, do seu egoísmo para outros, não são senão reacções normais de um ansioso cujo infortúnio não surpreende e «alivia», de preferência, emprestando um tema ao seu deliciamento sombrio.
ROUSSEAU exprime admiravelmente o facto nas suas «Fantasias De Um Excursionista Solitário»: «Os males reais têm para mim pouca influência, tomo facilmente partido por aqueles que sofro e não por aqueles que temo.»
Esta mentalidade nova do idoso explica ainda o seu gosto mórbido pelo «cerimonial da morte»: os velhos que seguem assiduamente os enterros de pessoas desconhecidas, que visitam os cemitérios e assistem aos ritos religiosos de carácter fúnebre têm um perfil de ansiedade ligeira.
- A ansiedade latente não possui ainda expressão clínica mas é nela que o «Eu» se apoia. Inquirir estes velhos não nos patenteia geralmente qualquer evidência de património hereditário ansioso, nem tão pouco de expressão de desordem actual. Acomodam -se a muitas enfermidades da sua idade e as doenças breves não parecem desmantelar a sua quietude profunda.
Nos protocolos de nove RORSCHACH, estudados em idosas «tomadas ao acaso» num serviço hospitalar de medicina geral e cuja doença estava curada ou em vias de se curar (o que elimina os factores nevrogénicos particulares da afecção crónica, os resultados foram os seguintes:
Podemos concluir que:
A ansiedade latente é particularmente nítida nos velhos septuagenários e octogenários, embora pareça, paradoxalmente, menor nos indivíduos de idade muito avançada. O RORSCHACH duma das nossas doentes com 93 anos e entrevada não revelava ansiedade embora a outorga do teste tivesse sido particularmente fácil.
Vários autores chegaram a conclusões idênticas em centenários.
Se essas conclusões se confirmarem em estudos subsequentes patenteados depois, é possível admitir que um estado de equilíbrio afectivo seja atingido para lá da 8ª. década da vida, em indivíduos indemnes de todo o passado nevrótico. Todo e qualquer traço de ansiedade desaparece então.
- É, pelo contrário, o primeiro degrau desta ameaça íntima nos idosos fragilizados pela herança genética ou pelo seu passado e cuja tomada de consciência concretizará a ansiedade definida como um estado de incerteza dolorosa.
- É independente do nível intelectual e cultural.
b) O suicídio nos velhos:
Quando a ansiedade latente se torna um facto de consciência e segundo o impulso que lhe dá o seu património hereditário, o velho pode começar a apressar a vinda inesperada da morte, considerada como uma libertação ou como último meio de convencer os cépticos da insegurança que experimenta.
O estudo estatístico dos suicídios dos velhos referido recentemente por DELORE e POMMATEAU (97), a partir dos quadros de J. DARIC mostra:
- A predominância dos suicídios nos homens, entre os 40 e os 80 anos (por exemplo, em França, entre 1925 e 1927, para 100.000 habitantes):
IDADE.............................HOMENS...................MULHERES
14-19..................................7,2................................5,5
20-24................................18,2................................7,1
25-29................................21,6................................8,1
30-39................................25....................................8
40-49............................... 37,6...............................11,8
50-59................................59,6...............................15,7
60-69................................81,1...............................18,8
70 e mais........................105,4...............................23,1
Mostra,
- De forma incontestável a inadaptação social (e principalmente o isolamento dos indivíduos).
- O papel provável das más condições económicas.
Os factores psicológicos do suicídio do velho estão ainda por determinar. As pesquisas devem inspirar-se nas dificuldades ligadas à interpretação do pensamento da morte no homem idoso e da prudência com que teremos de considerar a «serenidade» diante da morte que seria o apanágio do homem chegado ao cabo dos seus dias e que não se confirma pela análise do material psicológico
Em conclusão: Salienta-se a evidência do contraste no velho desadaptado entre:
- A evolução anti-social da sua mentalidade (com limitações em todos os sentidos do «Eu» que, doravante, almeja bastar-se a si próprio).
- A fome de contactos sociais que demonstram o pavor da solidão e a procura, frequentemente incoerente e agressiva, de simpatia.
É provável que seja «ambivalência» intrínseca que se encontra na origem da ansiedade do velho e que acelera o processo de desorganização psicológica.
Adquire uma mentalidade especial:
- Pelo retraimento do campo do pensamento com a incuriosidade como corolário
- Pelo retraimento do campo da afectividade com exacerbação do egocentrismo.
- Pela regressão do seu individualismo, terminando no narcisismo.
Esta mentalidade não faz senão favorecer o afastamento deste meio social, ambiente tornado ingrato.
Na origem, este comportamento de autodefesa (substituição de uma adaptação regressiva por uma adaptação progressiva que era fonte de benefício para o indivíduo no seu todo). Mas no decorrer do tempo, transforma-se num comportamento patogénico.Só a partir deste momento poderemos falar de «involução senil» com aparição de disfunções psicopatológicas. Não é demais insistir sobre o facto de que os elementos nevróticos constatados no decurso desta involução não constituem senão o marco último desta desadaptação. Donde o imenso interesse prático de uma psicoterapia e de um «reajustamento» perfeitamente capazes de fazer desaparecer estas perturbações.
Na nossa opinião não há unicamente uma diferença de grau entre a psicologia do velho normal e a do presbiofrénico, por exemplo, mas uma diferença de natureza. Um idoso desadaptado tornar-se-á muito mais rapidamente um velho «involuído», velho «pastel» que as causas extrínsecas de desadaptação virão acelerar os processos abiotróficos e vasculares. Mas o «dislate» do velho sofrendo a sua solidão em casa de repouso não será forçosamente o primeiro elo da corrente que o há-de inexoravelmente conduzir à fabulação do presbiofrénico. Pensamos que a opinião de CASTAIGNE (para quem todas as modificações da psicologia do idoso são devidas à aterosclerose cerebral) deve ser mais suavizada.
Condenar-nos-ão talvez o colocar da questão num plano dialéctico, abandonando o plano sólido das constatações físico-patológicas. A reversibilidade perfeita dos sintomas da involução dos velhos readaptados demonstra que os factores orgânicos não são os únicos em causa. Os factores genéticos são provavelmente capitais, mas apenas podemos suspeitar da sua influência sem podermos demarcar os limites.
E. OS PROBLEMAS PRÁTICOS COLOCADOS POR ESTA DESADAPTAÇÃO.
Seja qual for a causa da desadaptação, o velho toma uma atitude nova no concernente aos que o rodeiam e não é raro serem estes (as crianças ou o conjunto) a evidenciar as primeiras perturbações do seu carácter. Segundo o estatuto pessoal do velho, patriarca ou elemento de constrangimento familiar, chefe responsável da «tribo» ou idoso a cargo num alojamento exíguo, terão reacções diferentes no seu meio ambiente. Amado ou respeitado (ou temido), permanece o centro da família e toda a gente se esforçará por ignorar este desvio da personalidade, suportando a sua emotividade e o seu autoritarismo como elementos de uma evolução inelutável. É o tipo do «velho tirano» de que encontramos magníficos exemplos na literatura contemporânea. As razões profundas desta desadaptação escapam a maioria das vezes ao círculo envolvente e a rotura do laço inter-humano termina numa agravamento do egocentrismo do velho que vive num mundo, cada vez mais deprimido, logo fonte de insatisfação. Conservadas e toleradas, a sua rigidez crescente e a anarquia das expressões sentimentais da sua timia vão proporcionar o quadro do «velho difícil» que levará a família a metê-lo num lar ou hospitalizá-lo com a intenção assente de não o voltar a levar para sua casa.
Não nos propomos estudar a evolução particular que imprimem à psicologia do velho estes dois tipos de situação, bem como os problemas práticos que coloca.
1º. O velho em sua casa ou na da família:
Encontra-se enraizado num meio de que foi muitas vezes o criador, de que possui uma infinidade de recordações cada vez mais precisas na sua memória, agora que se tornou indiferente a tudo quanto se relacione com situações novas. A conservação deste quadro é um excelente meio de protecção da sua personalidade cujas possibilidades adaptativas se encontram reduzidas. A manutenção do velho em meio familiar ou pura e simplesmente num lugar habitual da sua existência, é sumamente desejável em todos os casos de desadaptação discreta que devemos esforçar-nos por precisar.
Dum inquérito feito em 100 velhos de Valais, de meio social e família normal, IRIS ROSSETTI tirou as seguintes conclusões:
Existe uma ambivalência entre a «solidão moral» de que são vítimas e a «indiferença» de que dão provas. Estes velhos têm mais necessidade de um círculo que os afirme do que de uma amizade real. O elemento racional fundamental que liga os adultos normais é restringido e viciado no do idoso desadaptado. É incapaz de dar e recebe indiferentemente o que lhe dão, valioso ou sem préstimo.
A agressividade contra os jovens, muito frequentemente expressa de formas diferentes («os jovens não compreendem os velhos; são demasiado egoístas; não valem o que nós valíamos na idade deles…») é ao mesmo tempo uma causa e uma consequência desta perturbação relacional.
A agressividade dirigida contra o Outro (HESNARD) é um dos elementos normais de uma vida humana: o conflito que daí resulta fica limitado e parece ser a origem de um certo número de virtudes dinâmicas. Mas a degradação da consciência colectiva termina na agressividade dirigida contra «os outros», porque a sua vitalidade é amedrontante e fonte de insegurança: o conflito já não faz sentido com esse adversário proteiforme e desprovido de rosto. O laço relacional desfaz-se, o que leva o idoso a refugiar-se num rancor sem objecto, fonte de ansiedade.
a) O velho solitário: é o mais desfavorecido já que não lhe resta senão o ecrã de uma existência passada sem o apoio trazido por uma presença a seu lado, e amiudadas vezes em condições económicas desastrosas. Mas a proposta de arrimo vai frequentemente de encontro a resistências pouco amistosas da parte que lhe toca: não quer abandonar a componente material das suas recordações por temer o desmoronamento num meio novo e hostil. Havemos de ver que os seus temores são inúmeras vezes justificados e que a mudança é um dos mais graves traumatismos que o idoso é obrigado a suportar. Uma solução elegante será a de «casas de acolhimento» que devolvem a vida interior a esses solitários cuja personalidade é salvaguardada no seio de uma existência colectiva, ou simetricamente a de hospitalização no domicílio quando o estado mórbido o exigir.
b) O casal: é precoce e gravemente atingido por esta involução psicológica de um dos dois companheiros. Conhecemos muito mal as fases de degradação do liame íntimo que os une, e as interpretações psicanalíticas que colocam em primeiro plano a ambivalência entre o medo de se separar dum conjunto, fonte de segurança e a lassidão do companheiro, estão longe de ser satisfatórias.
c) Os filhos e os netos: a exiguidade de habitação ou necessidades de ordem económica, obrigam frequentemente os velhos a viver com a família dos filhos o que provoca choques frequentes e graves, tão mal suportados de um lado como do outro embora por razões diversas. Parece mesmo ser mais frequente no velho actual do que no dos séculos precedentes: as condições de vida patriarcal e arcaica obrigam os filhos casados a dar guarida ao pai em sua casa mesmo antes de constituírem um lar. Suportavam com frequência sós as consequências da atitude altiva e rígida do «chefe de família». Hoje, a brusca inversão dos valores sociais explica que o idoso seja obrigado a viver em casa do filho (ou filha) que o recebe e o mantém a seu cargo. Esta situação ingrata e humilhante é dolorosamente experimentada quando a família do filho não tem nem possibilidades nem desejo de humanizar estas relações. Uma causa da agravação desta desadaptação familiar é a atitude anormal tomada pela idosa em relação aos netos.
Ela pode:
: - Seja experimentar hostilidade em relação a eles (marcas tangíveis da senescência e arrebatadoras da afecção do filho ou da filha),
- Seja desempenhar o papel de divindade tutelar no seu local (sempre muito mal suportado pela mãe que se reserva esse papel)
2º. O velho em meio hospitalar ou num lar:
Um idoso, obrigado a abandonar a sua célula familiar, tropeça em dificuldades que não pode aplanar. As razões do abandono da família são múltiplas: sofre de uma afecção crónica que o imobiliza; conserva uma boa autonomia, mas as condições económicas impelem a que seja tomado a cargo por uma casa especializada.
Torna-se um «velho difícil» que teremos de observar e tentar readaptar.
Em todos estes casos irá conhecer um quadro de vida novo e é precisamente o reflexo afectivo desta mudança que irá orientar a mentalidade futura. O velho sofre tanto na sua personalidade por estar diminuído fisicamente como socialmente, obrigado a acomodar-se sob a incumbência da sociedade.
Estudaremos sucessivamente:
- As reacções do velho hospitalizado por uma afecção orgânica prolongada ou acolhido numa casa de repouso.
- O «velho difícil».
- A atitude correlativa de quem o trata.
- O entretenimento e a ergoterapia.
- A psicoterapia do velho.
a) As reacções do velho, hospitalizado devido a afecção orgânica prolongada ou acolhido em casa de repouso:
Agrupamos sob esta rubrica todos os casos de inadaptação orgânica e social, já que a experiência prova que todas as grandes linhas de orientação psicológica destes velhos são mais ou menos idênticas.
Teremos de assinalar que a predominância feminina é manifesta (50% superior aos casos masculinos), o que se explica, tanto pela elevada taxa de mortalidade masculina depois dos 50 anos, como pelos factores económicos e sociais desfavoráveis, próprios da condição feminina.
- É primordial considerar o estatuto familiar anterior destes velhos.
Em 100 mulheres idosas da estatística de DELORE e LETIÉVANT (98):
74 são viúvas:
22 celibatárias;
4 somente casadas.
E entre 400 velhos do «asilo» de Clermont-Ferrand, PERRIOT distingue a distribuição seguinte:
Para as mulheres:
36,5% são solteiras;
52,5% são viúvas;
7,3% são casadas com o marido
ainda vivo;
3,5% são divorciadas
Para os homens:
50,5% são solteiros;
28,8% são viúvos;
14,5% são casados com a companheira
ainda viva;
6,2% são divorciados.
É o mesmo que dizer que há predominância de solteiros e de viúvas.
A hospitalização (tomada no sentido mais lato do termo) é acompanhada de um choque de inadaptação que tem, neste mesmo sentido asilar uma significação brutal e eloquente pois que, nos seis primeiros meses, 47,9% dos homens e 43% das mulheres morrem. Esta eventualidade é particularmente de temer para aqueles arrancados recentemente às famílias ou muito acarinhados pelo seu círculo.
As ligações psicossomáticas são de tal ordem que o desequilíbrio psíquico vai desencadear uma baixa de reacções de defesa do organismo que, literalmente «se vai afundar» em poucas semanas.
Quais são pois – questão primordial – as modalidades deste «stress» psicológico e quais são os meios que possuímos para o combater eficaz e rapidamente?
Dois sistemas de autodefesa parecem eficazes na protecção do «Eu» senil: o pertencente às personalidades fortes e ricas ou endurecidas pela prática da solidão para as quais os problemas de adaptação se encontram reduzidos às mais estritas proporções e ao da regressão ou estádio pseudo-infantil.
Fundamentalmente, dois elementos da mentalidade infantil são encontrados nos velhos:
1. A substituição do médico do hospital ou do director do hospício pela imagem parental acrescido do que arrasta em ansiedade latente, de receio de represálias e hostilidade larvada.
O velho pode reagir como uma criança, chorar quando molha a cama, quando tenta disfarçar alimento não tomado ou medicamento com mau gosto. Reacções infantis são ainda a tirania do velho acamado que exige uma presença permanente à cabeceira, bem como a ampliação constante das perturbações experimentadas, com queixas detalhadas frente aos estranhos que desempenham o papel de espectadores que lamentam.
Frente à situação enfraquecedora, o velho é penetrado por um sentimento de abandono que o mergulha num estado de insegurança. Tudo é para ele intranquilidade: o estado mórbido mais ou menos doloroso em que caiu, as novas regras impostas pela colectividade que o tem a seu cargo, as diferentes personalidades que dele se ocupam, à mercê das quais se sente diminuído. Este estado de ansiedade permanente das primeiras semanas de hospitalização é uma das causas da insónia do velho pusilânime que explica bem a sua atitude não poucas vezes desconcertante para aqueles que o conheciam antes da admissão.
À pergunta: «De que tem medo no hospital?» a maior parte das pessoas de idade respondem: «Do sofrimento e do isolamento.» Suzanne BARTH (99), em 100 velhos, descobriu 34 mulheres e 23 homens muito deprimidos na Policlínica Universitária de Genebra, onde estavam em tratamento.
2. A adesão gregária ao grupo, que aparece com uma rapidez extraordinária em colectividades de pessoas de idade que resistiram ao choque de inadaptação das primeiras semanas.
É curioso constatar a regressão de personagens consideradas originais e fortes durante toda a vida e ver a que ponto a pertença a uma sociedade reduzida e mediocremente estruturada lhes é cara.
Como em todo o grupo, irão aparecer os líderes: o velho válido apto a ganhar algum dinheiro ou encarregado de alguma tarefa de confiança que faz dele o intermediário entre a Direcção e o resto do grupo; entre as mulheres, a que é cultivada ou que conserva «relações» no exterior da casa de repouso
E bodes expiatórios (o oligofrénico ou o afásico) que constituem dois pólos.
As relações entre os membros do grupo são submetidas a ritos de uma infinita diversidade cujo conhecimento e aceitação são os próprios princípios de pertença ao grupo. Resulta daí um sentimento de cumplicidade que pode ser exercido à custa das personagens inquietantes e dominadoras (médicos, enfermeiros…), e dos «novos» que devem ser submetidos a uma espécie de iniciação antes de serem autorizados a entrar no grupo. A sensação de não aceitação (e por vezes de hostilidade) desempenha um grande papel na perturbação do velho acabado de chegar. Pelo contrário, os laços relativos que unem os elementos do bloco devem ser respeitados com esmero, já porque o seu valor psicoterapêutico é fundamental:
- Reduzem os efeitos da «mudança», tão nefasta no velho, ao dispor-se a reformar uma esfera tranquilizadora em que a monotonia que aí reina o coloca ao abrigo de novos traumas.
- Favorecem as discussões entre membros do grupo (ou grupos) com conversas intermináveis sobre altos feitos do seu passado, descrição dos sintomas da doença, mudança de receitas ou ideias, disputas políticas ou religiosas, o que constitui uma psico terapia de grupo particularmente eficaz.
- Equilibram as relações de transmissão e de contratransferência com o médico ou a enfermeira ao criarem, em torno do «Eu» do idoso, uma zona onde difundam as reacções afectivas.
- Suprem o declínio da personalidade e da imaginação pelo uso de ritos, verdadeira fonte de automatismo mental.
Um outro sentimento tendente a despoletar incidentes psicossomáticos graves, próprios do velho doente, é o sentimento de insucesso.
Chega-nos esta noção para explicar em parte a atitude destes idosos tagarelas e rabugentos que é difícil satisfazer.
A doença cria-lhes um estado novo de que se recusam a assumir sozinhos a responsabilidade. Empurram-na para os familiares (as queixas das velhas no concernente ao tema da ingratidão estão longe de serem sempre justificadas pelos factos) adquirindo assim direitos sobre elas, que se esforçam por fazer valer, acabando consequentemente por deteriorar com as suas exigências algo que ainda perdure das relações interfamiliares.
Imputam também responsabilidades à sociedade que terá por obrigação facultar-lhes uma compensação material e moral proporcional aos prejuízos sofridos. Quem é que não conhece estes velhos enfisemáticos legítimos que acusam o seu trabalho «nas cidades» e que continuamente reivindicam um aumento da sua taxa de incapacidade?
O sentimento de insucesso pode ainda ser passivamente aceite (os resignados são mais numerosos que os revoltados, a acreditar em Suzanne BARTH) e terminar por instalar-se na afecção ou enfermidade causal.
Abandono, regressão infantil, sentimento de insucesso: igual ao número de traumatismos que podem levar à degradação efectiva e intelectual dos indivíduos fragilizados pelas situações conflituais anteriores. Consequentemente, a «nevrose de abandono» é uma das manifestações mais frequentes, mas devemos insistir na capacidade extraordinária de recuperação mental dos velhos conduzidos a tempo para um meio social benéfico.
b) O «velho difícil»
Vimos que, no decurso da senescência haviam sido reunidas todas as condições necessárias para fazer toda a gama de desaprovações. Se se desenvolverem em terreno favorável teremos a instalação da incoerência mental grave que caracteriza o «velho difícil» que é o mesmo que dizer anti-social.
É muito difícil de organizar, neste quadro, a destrinça de quem pertence ao processo demencial e às reacções ao meio intolerante ou mal tolerado.
No primeiro caso temos um deficit global irreversível que se instala, e no segundo uma perturbação nevrótica irreversível, mesmo com tratamento psíquico.
É pois necessário observar estes velhos no seu dia-a-dia e analisar as suas atitudes, afim de pôr em evidência o conflito possível.
Insistiu-se (100), bem cedo, na incoerência dos «internamentos abusivos» dos idosos, mas a armadura hospitalar encontra-se ainda muito aquém de cobrir as necessidades novas, pelo menos em França.
Evocamos apenas a situação e abordamos soluções possíveis, na inspiração do recente estudo de ZABOROWSKI e BONVALET.
Tanto o hospício de hoje como os diferentes tipos de casa de repouso não se encontram ainda preparados para admitir este tipo de velho.
Mais ainda, as condições patogénicas estão tão harmoniosamente reunidas em certos estabelecimentos que persistem no modelo antigo, que os velhos de senilidade aparentemente bem suportada se transformam em «velhos difíceis» entre as suas paredes.
O hospital psiquiátrico deve receber os casos psicóticos ou aqueles cujo desequilíbrio é grave, necessitando de uma terapêutica apropriada. Mas há falta de hospitais geriátricos só por si aptos a desenvolver o trio necessário e de prover a um largo leque de possibilidades, ao mesmo tempo, de diagnóstico e de reabilitação.
a) A atitude correlativa do pessoal assistente:
Tudo o que está para trás advoga pela importância do contacto com o meio ambiente acerca do meio afectivo do idoso.
- A resistência à mudança deve ser favorecida:
Nunca é demais insistir na acção dissolvente da mudança de ambiência imposta ao idoso cuja admissão nas casas especializadas se encontra dependente dos condicionalismos de um sistema caduco e superlotado, verdadeira corrida errante por «casas de convalescença» ou «asilos» que pode durar semanas ou meses. Cada mudança de destino é experimentada como um novo impulso de despersonalização.
Se a solução ideal para os problemas das pessoas de idade, incapazes de prover às suas necessidades, for a instalação do casal com os seus móveis e objectos familiares num alojamento individual, conduzida no seio da colectividade dispensadora de serviços, recreando assim a intimidade favorável ao equilíbrio afectivo, é infelizmente ainda muito raramente possível na Europa para que possamos levar isso em conta.
O mais frequente é o velho se encontrar só ou separado do seu conjunto. Uma vez tomada a decisão da colocação e escolhido o local, é de primordial importância preparar o idoso para esta admissão descrevendo-lhe os locais o mais exactamente possível, visitando-o várias vezes afim de se familiarizar com o que será o habitat da sua vida. Devem dar-se-lhe todas as facilidades para que modele este lugar como entender, graças aos objectos pessoais que o rodeiam (fotografias, jóias, objectos de adorno) e à intimidade de que poderá beneficiar (armários fechados à chave, papéis e livros). Muitos autores insistiram já na legalização traumatizante provocada pelo uniforme e a linha comum de certos asilos e hospitais de velhos. Sobretudo as mulheres suportam mal o abandono dos seu vestuário pessoal cujo valor afectivo e simbólico se conhece mal, mas decerto importante.
- A formação de um grupo social deve ser favorável tendo em linha de conta leis do fenómeno de grupo e afinidades pessoais. Uma selecção elementar deve permitir a reunião de velhos de meio social e cultura sensivelmente idênticos.
O alojamento em salas comuns utilizado desde a Idade Média deve ser banido pois que intensifica os inconvenientes das «reacções de grupo» sem aumentar as vantagens. O quarto de duas camas para idosos do mesmo sexo, reunidos por afinidade, cria uma intimidade perfeita mas cuja exclusividade se arrisca a ser a causa de choque grave pela morte de um dos ocupantes (é frequente ver-se o sobrevivente perder literalmente o gosto de viver).
O quarto com um número restrito de camas (quatro por exemplo) favorece a formação de uma célula menos restrita e autónoma, o que não prejudica a coesão de conjunto.
- As reacções do pessoal tratador com o idoso, pela sua qualidade, o género de ambiência propício ou não à conservação da alacridade intelectual do reformado, condicionam a reabilitação do velho e o seu sentimento de segurança. Agrupam-se em torno de dois grandes pólos de motivação psico-social:
- As relações de simpatia que atraem as confidências:
- As relações de autoridade que atraem os conselhos.
O idoso tem necessidade de sentir que os que se ocupam dele não têm apenas condescendência polida e restrita em incidentes profissionais mas que, independentemente dessa circunstância, têm simpatia por ele.
Esta noção, banal na aparência, exigira longo desenvolvimento, já que a experiência prova que é compreendida diversamente pela psicologia e pela moral, pelo médico e pelo sociólogo, pelo director da casa de repouso e pela enfermeira e que, finalmente, o velho ávido de simpatia é o importador e sofredor desta dialéctica.
Não pode haver relações amistosas a cem por cento entre o pessoal (o médico principalmente) e o idoso. Quem diz amizade diz reciprocidade, igualdade, evidentemente impossíveis neste caso.
O velho quer, em primeiro lugar, ser totalmente aceite, depois quer ser amado, mas reclama também um estímulo ligado apenas ao princípio de autoridade benevolente existente entre ele e a personagem que assumiu a responsabilidade da sua pessoa.
Levando em conta as alterações da mentalidade senil, de que vimos as analogias com a mentalidade infantil, este velho vê substituir-se à sociedade um pequeno grupo de indivíduos que a representam, dando-lhe vida e com todos os seus poderes. Conquistando-lhe a confiança pela sua atitude benevolente, irá exigir-lhes conselhos tal como exigiria da sociedade uma «direcção». Estes conselhos requerem, para serem eficazmente recebidos, uma delicada aproximação psicológica e uma grande prudência por parte do pessoal cuja atitude não pode ser nem totalmente amistosa, nem totalmente neutra. É o que nitidamente se nota nas respostas dos velhos das casas de repouso: não são avaros em elogios por tal enfermeira que se interessa por eles, que não força as suas confidências, mas que sabe ouvi – los e lembrar-se deles, matizando as observações que faz segundo a mentalidade de cada um, criando à sua volta uma atmosfera de simpatia, de estabilidade e de autoridade. As mulheres idosa, doentes crónicas hospitalizadas, adoram o médico cujas decisões são explicadas e que sabe aplicá-las com firmeza, mas que sabe também comportar-se com uma delicada urbanidade quando a autoridade deixa de ser necessária.
a) Os lazeres do velho: a ergoterapia:
A criação dum ambiente familiar não é o bastante para a preservação da personalidade do velho: o elemento dinâmico destinado a combater a sua falta de curiosidade e rigidez de que deve ser ao mesmo tempo motor e beneficiário, impõe-se outro tanto.
- O estudo do modo de vida e o interrogatório dos velhos, em «hospícios» ou em lares da terceira idade, ilustram a pobreza das suas ocupações quotidianas: caricaturam a mediocridade dos interesses extra profissionais da maior parte dos homens: leitura de jornais de sensação, jogos de cartas, tagarelices em que o tabaco, o álcool e a alimentação ocupam lugar de destaque.
É evidente que o modo de vida anterior é o elemento predominante: poderemos prever o leque de interesses no desenrolar da senescência de um indivíduo na base das suas distracções favoritas na idade madura. O nível cultural favorece a eclosão de um passatempo em que o «Eu» conserva o seu dinamismo e as suas qualidades de expressão: o intelectual tem frequentemente um «passatempo favorito» (que cultivou com amor durante toda a vida, como a história da arte, a estética, ou simplesmente o gosto pela leitura). As horas de lazer da reforma permitem-lhe, finalmente, anelos até aí inacessíveis.
Mas seja qual for o estatuto pessoal do indivíduo, dois factores patogénicos estão na linha de combate: a ociosidade e o lazer «obrigatório».
- A ociosidade tem uma acção dissolvente na personalidade que também pode ser expressa tanto em termos da moral como da psicopatologia. Na verdade, existe uma «patologia da ociosidade» (estudada por Courbon na involução senil) que se manifesta pela expansão das tendências hipocondríacas e das perversões.
- O lazer obrigatório protege o velho desta dissolução mas tem um efeito agravante na rigidez senil. Entendemos por «lazer obrigatório» as tentativas de ergoterapia, tal como foram introduzidas em certos lares da terceira idade e que se limitam a oferecer aos velhos um número limitado de ocupações, a maioria das vezes manuais, cujo valor psicoterapêutico inconstante é, para além disso, falseado pela introdução de imperativos «económicos» (uma vez que os objectos fabricados são vendidos, a noção de rendimento torna-se praticamente inseparável).
As proposições concretas de J.A. HUET parecem-nos exactas. Consistem em:
- Favorecer os «lazeres desejados» daqueles que os solicitam.
- Ajudar os indecisos ou os «incuriosos» a descobrir uma ocupação adequada à sua personalidade, levando em conta:
1. o meio social (a escala das distracções no citadino é diferente da do rural, e no sedentário é diferente da do activo);
2. a possibilidade de adaptação dos diferentes indivíduos;
3. a diminuição da determinação espontânea e da crítica (que se arrisca a favorecer a pesquisa da facilidade e duma certa estereotopia);
4. convicções religiosas e políticas;
5. enfim, a mentalidade do velho que tenderá para os prazeres colectivos ou para os individuais.
A fórmula dos «clubes de idosos», do que nós conhecemos da sua aplicação aos Estados Unidos, parece apta a respeitar estes imperativos mantendo relações sociais tão alargadas quanto possível.
As «cidades de reformados»: solução para o futuro?
Talvez não seja utópico pensar que o estatuto dos homens em vias de envelhecimento vai ser pensado na perspectiva do urbanismo de amanhã.
Os locais de repouso passariam a ser considerados como agrupamentos privilegiados à margem das grandes cidades, repartidos segundo uma segregação que a acumulação dos seres nas cidades torna indispensável.
É pelo menos a opinião de A. FEUILLASTRE (101): «Parece-me ainda possível reservar … espaços para idosos isolados ou para reformados.»
Talvez o nó primitivo destas aldeias venha a ser formado por pequenos grupos de construções simples reservadas precisamente para os velhos e mais ainda para os reformados com mais de 50 anos uma vez que já não estão fixados na cidade onde já ninguém os retém: podem figurar entre os primeiros a afastar-se com interesse determinado e sem grande pena.»
Nada de segregação!
e) A psicoterapia do idoso:
«A unidade do homem normal conduz à recuperação da unidade fragmentada do homem doente.» (O. LORAS)
Cuidar de um velho doente, reabilitá-lo socialmente fornecendo-lhe os meios de prover às suas necessidades para o exercício de uma profissão de acordo com os seus gostos e aptidões, colocar numa «casa de acolhimento» uma idosa mal tolerada na casa de um filho ou intolerante na casa da filha, um velho solitário e desleixado, é já fazer psicoterapia.
Mas se existir um ramo da medicina onde o «colóquio singular» possa tomar um valor fundamental, esse ramo será a geriatria. Os três objectivos principais que a psicoterapia se propõe atingir são:
- A melhoria ou o restabelecimento das relações do idoso com o meio social pela liquidação das situações conflituais.
- A liquidação da ansiedade.
- A consolidação do «Eu».
1º. A psicoterapia clássica é sempre a mais fácil e por vezes a mais eficaz, principalmente nos conflitos simples. É das atribuições de todo o médico, se consentir em crer no seu poder, e nessa altura acabará por ficar muitas vezes admirado com os resultados obtidos, precisamente onde os «tranquilizantes» haviam falhado.
É difícil definir a linha de acção do psicoterapeuta, uma vez que depende tanto dos casos de espécie como do momento considerado. Não há uma psicoterapia do «velho», mas o impulso psicoterápico dado por um médico a um idoso num determinado grau da sua senescência.
Será necessário pesquisar:
- Os conflitos crónicos cuja mostra permite estudar o indivíduo em cima da «situação»:
1. os conflitos familiares e conjugais sem olvidar o papel traumatizante do luto;
2. os conflitos sociais.
- Os antecedentes psicossomáticos hereditários e colaterais, tanto quanto possível pessoais e que permitam fazer uma ideia dos factores genéticos a responsabilizar.
Um excelente meio de preparar a tomada de contacto é a aplicação de testes projectivos (tipo Rorschach ou T.A.T.), principalmente se o médico os explicar ao velho e lhos aplicar ele próprio (são, muito naturalmente, o complemento do exame clínico e biológico que puderam ser efectivados antes).
A par do interrogatório, puderam obter uma visão de conjunto válido do perfil psicológico do velho e denunciar qualquer reacção nevrótica ou blocagem assinalados pela psicoterapia analítica.
Finalmente, o psicoterapeuta é aquele:
- que inspira confiança;
- que dá uma orientação imaginativa a esta confiança;
- que prevê uma angústia que vai aparecer e a combate preventivamente;
- que sabe escutar e dirigir.
Ele sabe descobrir o constrangimento na mulher que suporta a sua solidão mas que recua diante do acolhimento num lar da terceira idade de que tem uma ideia adulterada: a agressividade maníaca do velho que perdeu as suas responsabilidades sociais e que se ressente desta perda como um revés a agravar o complexo de culpabilidade que alimenta desde a infância.
Esta psicoterapia é, não raras vezes, toda -poderosa se souber ser oportuna e se a aproximação «médico/idoso» for conduzida com paciência e delicadeza.
Um elemento com que temos de contar e que confere uma nota particular à psicologia do velho actual, é o sentido da «reivindicação dos direitos da velhice» nascido com o desenvolvimento da Segurança Social.
Enfim, o medicamento pode desempenhar o papel de «veículo terapêutico», ao mesmo tempo pelas suas propriedades fármaco-dinâmicas (o meprobramato em gerontologia) e o reforço da acção psico-curativa do «colóquio» (placebos e somníferos).
2º A psicoterapia analítica e a psicanálise:
As suas diferentes indicações (situação conflitual complexa) tornam-se, em suma, muito limitadas no velho.
Uma terapêutica psicanalítica não é indicada senão quando pode terminar com a cura, isto é, não só com a desaparição das crises, mas ainda com um retoque estrutural da personalidade. O que dela sabemos incita-nos à prudência porque a rigidez do «Eu», que é um dos elementos negativos desta personalidade, é também um dos seus pilares.
Trazer brutalmente à luz do dia o contexto inconsciente dum estado nevrótico até então bem compensado, implicará o risco de provocar uma desagregação rápida de todo o edifício penivelmente construído por uma defesa do «Superego» e principalmente nos casos em que as nevroses antigas com as suas raízes na idade madura e mesmo na infância, se tornam facilmente reavivadas no momento da senescência.
Antes de ser colocada uma indicação de psicoterapia «em profundidade» no idoso, é necessário um envolvimento de todas as precauções possíveis:
- Conhecimento perfeito das grandes linhas da vida social, profissional e conjugal do idoso que têm por finalidade determinar o seu dinamismo afectivo e os seus modos de reacção, numa palavra, o grau de estabilidade do seu «Eu».
- Garantia de um certo potencial de capacidade psíquica, frequentemente alterada no velho que se ilude pelo uso quase automático dos dados da sua experiência.
- Eliminação das nevroses com manifestações somáticas (o resultado da análise é neste caso sempre incompleto e a estabilização aleatória).
- Eliminação dum estado depressivo latente que se arrisca a sofrer um agravamento catastrófico durante ou após a análise.
- Apreciação do grau de narcisismo que, se for muito evoluído, limitará os resultados obtidos.
- Apreciação dos coeficientes intelectuais que devem ser, pelo menos, normais.
- Enfim, análise do poder do «Superego» (determinantes sociais, culturais e religiosos) que cria uma barreira reforçada em certos idosos e que é praticamente impossível de vencer sem deixar incólume a personalidade.
Dr. Paul MIRAILLET..
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CAPÍTULO VII
O envelhecimento do casal
Sabemos demasiado bem que muitas dúvidas se levantam hoje sobre a solidez dos laços conjugais. Pareceu-nos pois indispensável consagrar um capítulo ao envelhecimento do casal e às muitas questões que se colocam perante a evolução do amor conjugal nos indivíduos «que começam a deixar a vida para trás». O nosso reconhecimento para com o Dr. Biot é elevado, já que quis aceitar esta difícil abordagem, restituindo assim ao «Grupo Lionês» um testemunho de interesse paternal no sentido próprio da palavra de que é sempre merecedor. Porque, se a criança cresceu e ostentou a sua vitalidade, tanto nas sessões como nas obras publicadas, não esquece tudo o que deve ao seu criador e animador que continua a ser o Dr.Biot.
Sendo por demasiado incontestável – os capítulos precedentes disso nos convenceram – que o tempo que se escoa faz, inelutavelmente, correr a todo o ser humano riscos de diminuição de vitalidade e o obriga portanto a diminuir a sua actividade, colocando assim para ele problemas angustiantes no que diz respeito ao seu papel e ao seu lugar no mundo, qual a repercussão biológica e psicológica que estas modificações fatais vão exercer, não sobre o homem considerado no singular nem na mulher encarada também na sua solidão ímpar, mas sobre o grupo humano mais simples, «o casal» e a sua vida em comum que o envelhece?
Esta questão parece-nos ter uma importância enorme, importância que se avoluma cada vez mais na medida em que não deixamos de tecer considerações sobre ela.
E no entanto, caso curioso, nunca foi estudada, pelo menos que disso tenhamos conhecimento. Os tratados clássicos não tratavam, até agora, de tais assuntos. Mesmo o de Morat, tão rico em perspectivas psicológicas e filosóficas, não reservou qualquer espaço para os processos gerais da senescência e portanto não abordou o ponto preciso, objecto deste capítulo.
Também não se encontra nada, e isso é por demais significativo, nos livros especialmente consagrados à velhice, tal como o do Professor LACASSAGNE (102).
Encontramos nesta obra, clássica no seu tempo, a invocação dos numerosos autores que escreveram antes dele sobre esse assunto, como CÍCERO, SÉNECA, JOUBERT, LAMENNAIS, FAGUET, etc.… e cita amplamente as suas considerações e, no entanto, nenhuma delas se debruça sobre o envelhecimento do casal.
Os últimos capítulos, que de resto pretendem ser construtivos, são consagrados ao regime alimentar da idade madura, à duração ideal do sono e ao vestuário; o autor vai ao ponto de dar indicações minuciosas em relação aos cuidados a ter com a pele, os dentes, os cabelos, as unhas, o que mostra até que ponto se preocupa com a precisão; mas parece evidente que não lhe veio à mente que a vida do casal levanta problemas peculiares e que merece assim um estudo específico.
Os livros de hoje também não dizem mais, como por exemplo os de PÉQUIGNOT (103) ou de BOURLIÈRE (104).
Temos de estar reconhecidos ao Dr. DUBLINEAU por ter reservado um lugar a este assunto num dos capítulos que lemos atrás e de ter tido proeminência: as observações por ele formuladas merecem toda a nossa atenção e são ricas em sugestões. Mas, encarregado de traçar o quadro geral dos problemas colocados pelo envelhecimento, não poderia dar a este aspecto da realidade viva, que constitui o casal humano, o desenvolvimento que nos parece merecer.
Este assunto é de extrema complexidade e de interesse capital porque reconhecemos que «envelhecer bem» – o que para nós significa correr os anos sem degradações mentais ou corporais – não será nunca empreendimento fácil pois como irá a vida quotidiana do casal subtrair-se às modificações que o desgaste do tempo impõe?
Aceitar os seus próprios limites, e vê-los comprimir na medida em que os anos se acumulam exigiria, para começar, um grande autodomínio que devia mesmo ser crescente quando justamente a idade corre o risco de o tornar mais difícil e até mesmo de ver diminuir esse controle da consciência. Mas quando visamos o casal há ainda mais.
Não se trata somente, com efeito, de se suportar a si mesmo, o que se impõe é particularmente difícil: Compreender que somos compelidos a fazer suportar a nossa degradação à pessoa que quisemos fazer feliz e arrastámos connosco através da vida, requereria certamente uma humildade que reportamos bem meritória mas que corre o risco de ser pouco comum.
A este dever acresce, em contrapartida, o de não deixar adivinhar ao companheiro de viagem, pelas expressões do seu rosto, a marca irrecusável que o tempo inscreve nas suas forças, no seu carácter… e seria necessário conseguir ajudá-lo a habituar-se a estas limitações mortificadoras!
E muito mais ainda: seria desejável que o casal pudesse aumentar a idade (sem envelhecer), na acepção em que estas palavras significam desbotamento, desalento. Seria necessário que estes limites, pois que haverá fatalmente limites, não fossem um enrugamento sobre si mesmo, uma dessecação egoísta.
Que sem número de problemas quotidianos suscita uma tal aspiração!
Complexidade do real e dificuldades de observação.
O silêncio dos autores neste aspecto do real deve-se provavelmente a dificuldades sobre as quais não seria improfícuo atrair um instante a atenção, pois que resultam da própria natureza dos problemas que nos propomos estudar.
Seja aquilo que for que escrevamos a respeito de um aspecto qualquer da psicologia do ser humano, é quási impossível que, através do que diz esse autor adivinhemos as peripécias da sua própria existência. Qualquer que seja a serenidade científica dum artigo de filosofia ou a arte com que um romance configura os estados de alma das personagens, tudo o que escrevemos será fatalmente carregado de testemunhos.
Mas quando se trata, como agora, de abordar a fisiologia e a psicologia do envelhecimento do «casal humano», as dificuldades irão acumulam-se mais. Se, por exemplo, o observador for ainda jovem, a sua competência será logo posta em causa por aqueles que sentem já as investidas da idade. No caso de ser um médico já reformado e portanto rico de uma experiência conferida pelas confidências dos seus clientes mas que, no entanto, permaneceu solteiro, embora não seja recusado de imediato pelos esposos mais velhos, mas que hão-de pensar – a sorrir, por pouco que seja – que veria as coisas diferentemente se acaso tivesse experiência pessoal da vida a dois.
Se, pelo contrário, aquele que se arriscar a abordar estas questões for um médico pai de família e, principalmente, se chegou à idade em que se colocam, para o seu lar também, os problemas concernentes ao casal, pode ele, de facto, esperar audiência junto dos seus leitores e leitoras? Certamente que se lhe poderá sempre objectar que deforma a realidade, embora contra a sua vontade, porque os vê através da sua própria experiência… Talvez, no entanto, a acumulação de confidências recebidas durante longos anos de consultas – muito frequentemente dolorosas, dramáticas por vezes, mas frequentemente também magníficas – constituam uma base de experiência válida e possibilite a prestação de serviço aos pares chegados à idade do envelhecimento e também aos mais jovens que queiram, a partir do momento presente, preparar-se para esta fase difícil…
I. – EM QUE IDADE DEVEMOS COLOCAR O PROBLEMA DO ENVELHECIMENTO DO CASAL?
Os capítulos precedentes contêm quadros onde são marcadas as etapas habituais do envelhecimento. Mas os autores tiveram muito cuidado em chamar a atenção sobre o que haveria de falacioso em aplicar estas estatísticas a este ou àquele indivíduo em particular, em que será naquele preciso momento que chegará a hora do início do afrouxamento das actividades biológicas e psicológicas e que assim é anunciado para ele o advento dos próximos sinais incontestáveis da velhice expressa. É muito grande o número de factores corporais, morais e sociais que conturbam assim a sua acção, pois que há quase tantas excepções possíveis nas leis estatísticas generalizantes como de seres humanos considerados.
De tal modo que, de dois homens da mesma idade – e passa-se o mesmo com a mulher – um encontra-se já marcado por traços de senescência próxima, enquanto que o outro, nascido no mesmo ano, continua cheio de juventude.
Nenhuma ciência estatística permite, quando em presença de tal criatura, em concreto, adivinhar – e portanto de o informar com um coeficiente aproximado de probabilidade – que é a rondar tal ou tal idade que ele (ou ela) sentirá os primeiros sinais de enfraquecimento da sua actividade física e mental.
Com mais razão ainda, quando se trata, como agora, não de um ente que vive só, mas da vida em comum de dois esposos, há menos possibilidades de datar o momento em que se irão colocar os problemas que desejaríamos explicar; porque do que se trata, em relação a eles, é de envelhecer em conjunto e salvaguardar, se possível, no momento em que a idade os faz mudar aos dois, o mesmo acordo profundo, a mesma harmonia que eles realizavam quási espontaneamente quando ainda jovens.
Um inquérito conduzido sobre este ponto por qualquer instituto de estatística resultaria pura e simplesmente ilusório – iria de encontro, teremos porventura necessidade de dizê-lo? – à muralha do domínio privado. E por outro lado, os ensinamentos que um profissional experiente pode retirar da sua praxis profissional não dão senão um reflexo muito deformado da média dos seres vivos. Porque a celeridade de envelhecimento destes casais depende dos meios sociais; as observações de um médico a exercer a sua actividade numa zona rural seriam muito provavelmente diferentes das observações dos clínicos da cidade e a opinião destes últimos não seria idêntica na medida em que a maioria da clientela fosse, por uma lado, constituída por operários ou, por outro lado, que as consultas se constituíssem por pessoas do meio burguês.
Seria pois imponderado fixar números que permitissem prever que qualquer casal em particular se está a aproximar de meandros perigosos. Com efeito a experiência mostra-nos que, neste ou naquele lar, os esposos puderam aguardar os sessenta anos, e mesmo mais, sem que o clima físico e moral da sua vida quotidiana se alterasse; enquanto que noutros é à volta dos quarenta, e por vezes mesmo antes, que um ou o outro começa a não ostentar tanta juventude.
Em todo o caso, o que está fora de questão é que os viventes de hoje envelhecem muito menos rapidamente do que os nossos antepassados embora, em sentido inverso, por assim dizer, se necessitem períodos mais latos para aceder a altos cargos. Ficamos estupefactos quando algum historiador nos lembra a idade dos generais de Bonaparte. Não é menos verdade que os casais actuais conservam por mais tempo que outrora uma vitalidade que os deixa parecer ainda jovens. As habilidades da moda feminina não são as únicas em causa, há também a higiene geral e há sobretudo a preocupação de não parecer velho.
II – PAPEL DA DIFERENÇA DE IDADES DOS ESPOSOS
Intervém aqui outro factor: a diferença de idades, marido/esposa.
O que, com efeito, deve reter a nossa atenção, não é somente o prazo que ameaça o homem, por um lado e a mulher por outro e qual o momento em que cada um começará provavelmente a experimentar alguns sinais precursores do enfraquecimento vital: temos de levar em conta as respectivas idades.
Se têm poucos anos de diferença é possível, até mesmo provável, que seja praticamente ao mesmo tempo que se dêem conta da usura do tempo. Mas, se o marido for muito mais velho, ou inversamente, se for muito mais novo que a mulher, as perturbações que vão advir para o casal, derivado do facto de um dos dois dar sinais de diminuição de vitalidade, terão infinitamente maior número de consequências. É-lhes agora completamente impossível «envelhecer juntos», o que lhes tornaria menos difícil – podemos ao menos ter disso a esperança – «envelhecer bem».
Qual dos avanços para a discordância é o mais perigoso? O do «velhote» cuja esposa continua plena de vida porque não sente o efeito do peso dos anos? A questão parece bem delicada.
O que mostra a experiência corrente é a predominância numérica de lares onde o marido é o mais velho dos dois, como se tivesse o privilégio de poder permanecer mais tempo em uníssono com a esposa e portanto sempre um portento de vitalidade.
Esta dissonância das idades era, parece-nos, mais constante outrora quando eram os pais a escolher o noivo da filha ou então a decidir que o filho desposaria determinada rapariga. Nos nossos dias – bendito seja Deus! - o homem elege a mulher que será sua esposa e a jovem decide -se, por sua vez, livremente e, porque é com esse mancebo que quer construir o lar, esta desarmonia ritual tende a desaparecer. E vemos frequentemente a inversão da diferença de idades em relação aos tempos de antanho, a idade legal da noiva ultrapassar a do feliz eleito.
III – UMA PRIMEIRA ADVERTÊNCIA: A MENOPAUSA
É uma opinião por demais espalhada que a mulher muda no momento da menopausa e que o clima psicológico do casal se ressente. A expressão familiar «mudança de idade» tem frequentemente este sentido no espírito de muitas pessoas. Na realidade as coisas não são assim tão simples.
Que a cessação da menstruação seja um fenómeno biológico de uma importância considerável é, de facto, evidente. A humanidade sempre acreditou nisso e os imensos progressos realizados em endocrinologia de há cinquenta anos para cá deram-nos azo a compreender os mecanismos desta acção. Mas seria desconhecer a complexidade da realidade viva pensar que os problemas do envelhecimento da mulher se resumem na supressão ou persistência dos períodos.
Decerto que constatamos muitas vezes modificações biológicas ou psicológicas da mulher no momento em que este fenómeno desaparece, por vezes mesmo antes que cesse completamente, ou seja, logo que começa a tornar-se menos regular. A manifestação do fluxo sanguíneo está com efeito ligada a todo um conjunto extremamente complexo de modificações na elaboração das hormonas ováricas e de todas as secreções endócrinas. Os nossos conhecimentos em biologia mostram-nos, cada vez com maior nitidez, como tudo o que se passa nos laboratórios vivos que são as «glândulas» é um dos factores primordiais de toda a harmonia química dos seres vivos. E é mais que provável que, à medida que o nosso conhecimento das realidades físico-químicas, que são o substrato da vida, se torna exacto, mais se evidenciará que os endócrinos são um dos factores essenciais, não somente da nossa boa ou má saúde, mas do nosso comportamento psíquico e muito particularmente da nossa sensibilidade e, assim, de toda a nossa actividade. Mas no entanto não seria necessário reduzir aos mecanismos endocrínicos, e dentre estes aos ritmos menstruais, todo o problema psicomoral do ente feminino. A observação dos factos mostra que muitos outros factores entram em jogo.
Não existe mesmo, tanto quanto o pensa a opinião média, correlação entre a persistência da regularidade menstrual e a sensibilidade sexual. Na realidade viva encontramos todas as modalidades possíveis. Em determinada mulher, foi exactamente no momento em que cessaram as perdas menstruais que se instalou uma inapetência sexual e mesmo também uma espécie de diminuição geral da sensibilidade afectiva, com implicações na atmosfera moral do casal, instalando-se no lar um nervosismo crescente. Mas também observamos o inverso. Há mães de família cujas gravidezes não haviam sido senão o fruto duma obediência meritória ao dever conjugal, de preferência a um resultado de entusiasmo espontâneo e que descobrem, com surpresa, que afinal têm sentidos.
Nalgumas, isso chega a suscitar uma espécie de constrangimento e mesmo perturbações de consciência se, em tempo desejado, não beneficiaram de uma formação moral plenamente aberta, na simplicidade e franqueza necessária neste domínio sagrado.
Não parece que, na grande maioria dos casos, o problema seja colocado da mesma maneira para a actividade sexual do homem. Persiste por via de regra mais tempo do que na mulher. Todavia, encontramos casos em que o marido vê baixar muito cedo o seu ardor amoroso, continuando, no entanto, a manter-se na esposa.
Mas quer seja o homem, quer seja a mulher a ser o primeiro a sofrer este declínio, este adormecimento do instinto suscita frequentemente delicados inconvenientes de adaptação na vida conjugal.
Não poderíamos, no entanto, o que seria desconhecer a complexidade do real, reduzir exclusivamente ao ardor sexual o campo infinitamente mais vasto do bom entendimento entre os cônjuges e o, ainda mais extenso, tema dos problemas do envelhecimento do casal.
Parece pois uma ideia assaz divulgada; para um número imenso de casais, é quási só a perícia sexual que conta na vida do lar. Mas será que o casal merecerá este lindo nome se as suas alegrias nunca ultrapassaram a fronteira do sexo?
Acontece sempre nesses casos que, quando assoma uma mudança na apetência erótica, aquele que conservou o seu ardor amoroso tem o sentimento doloroso de que o cônjuge mudou. «Já não o reconheço», diz tristemente aquele dos dois que descobre assim uma realidade dolorosa que o impele a tomar consciência de que o seu companheiro na vida se está a abeirar do patamar do envelhecimento.
Mas a realidade não nos confere tanta simplicidade pois que há muitos outros factores em jogo no advento dos primeiros sinais de envelhecimento e na celeridade maior ou menor com que se acentuam.
IV. FECUNDIDADE DO CASAL E ENVELHECIMENTO DOS ESPOSOS
Antes da excelente regeneração da atenção conduzida recentemente para a grandeza da vocação paternal e maternal, a opinião média inscrevia com relativa facilidade entre as causas do envelhecimento prematuro o ónus da fecundidade, não exclusivamente para a mãe, mas igualmente para o pai. Quando, em obras dignas de crédito, (105) deparamos com a descrição da miséria fisiológica em que se atolavam as famílias operárias no dealbar da era industrial, experimentamos ao mesmo tempo uma imensa pena para uma tal desventura de seres humanos e um constrangimento moral horroroso ao reconhecermos que teve de passar tanto tempo para que a consciência (mesmo a dos cristãos!) se sensibilizasse com tais abusos.
Há ainda casos em que maternidades multiplicadas demasiadas vezes fazem envelhecer as mães com muito mais celeridade do que seria normal, já que se encontraram oprimidas, ao mesmo tempo pelo fardo da gravidez e a preocupação dos cuidados a prestar aos filhos ainda crianças.
Há no entanto outros dados intervenientes tais como o estado inicial de saúde que a rapariga detinha (dote inapreciável!). É todavia um facto que, em contrapartida, existem ocorrências felizes onde a maternidade, até mesmo várias gravidezes, suscitaram ao organismo da mulher um renovo imprevisível e de difícil expectação. Mas é por demais raro a maternidade ser o único factor de conservação da juventude ou da precocidade do envelhecimento, podendo-se considerar também, por exemplo, o esgotamento, determinado por condições de alojamento e multiplicação das doenças, mais dificilmente evitáveis nos tugúrios em que toda a gente se amontoa, pagando os pais nestes casos pesado tributo ao envelhecimento precoce.
Paralelamente a estes dramas, numerosos são os lares copiosamente povoados de crianças em que os esposos, detentores desde o início de excelente robustez física e que depois, rodeados dos filhos e filhas, também por sua vez ricos em prole, beneficiam de belo outono da vida antes de se tornarem «velhos».
Será que estes casos felizes são uma excepção? Quereria a lei geral, pelo contrário, inexoravelmente, que os pais com prole numerosa envelhecessem mais depressa, esgotados pela fadiga dos seus cuidados? Quando tudo corre bem, estamos pois em presença de um «milagre» e portanto de um privilégio que não pode esperar a média dos casais? Ou será que preferencialmente diremos que é precisamente esta riqueza de filhos a salvaguarda da juventude do par? Acautelemo-nos de generalizações apressadas e de aproximações superficiais.
Na realidade – e teremos de dizê-lo com premência, porque esta verdade deve ser evidenciada – o factor mais importante não é o fenómeno biológico da fecundidade em si mesma, o verdadeiro segredo há-de estar no contexto psicológico e moral. E a prova disso é que – os médicos sabem-no demasiado bem pelas confidências que lhes são feitas – há fecundidades que são de preferência impostas pelo instinto apenas, da parte de um ou do outro desses casais, (106) do que desejadas num clima de amor matrimonial e de improvisado bem-querer paternal e maternal.
Aquelas que constituem um factor de juventude do casal são as que são fruto duma fusão total dos esposos: «Duo in carne una.» Estes esposos não teriam qualquer dificuldade em acrescentar – pois que são os dois num só – que a sua generosidade para com a vida foi o testemunho da sua confiança na Providência.
O que prova cabalmente que não é só a fecundidade a obter, ipso facto e quase mecanicamente, o retardamento do envelhecimento, é também a circunstância de deparamos com lares que permaneceram estéreis e que contudo não experimentam o peso dos anos e que encontramos outros cuja ausência de filhos precocemente desbotou.
Existem decerto alguns cuja esterilidade foi intencional e metodicamente salvaguardada: porque, de comum acordo, estes companheiros de vida – não acrescentamos mais nada: estes esposos – procuravam evitar todos os encargos. Estamos cônscios de não deformar os dados da observação dizendo que, para estes casais instalados no egoísmo, é grande o risco de conhecer o desbotamento, preço da aridez amorosa.
Noutros, lamentar-se-á deveras a infecundidade completamente involuntária do casal que a suporta com forte pena e, naturalmente, o seu envelhecimento será mais ou menos precoce segundo o modo como a carregarem. Há também aqueles cuja harmonia foi comprometida por esta esterilidade porque um ou outro sente a frustração ou mesmo até (nada edificante, não é assim?!) quem manifeste abertamente a sua desventura (ou pelo menos a deixe transparecer), o que revela desprezo pelo diminuído físico, desconsiderando-o mesmo com observações menos edificantes.
Outros há, felizmente, que superaram heroicamente a provação. O conjunto, que não pôde dar ao companheiro de vida a alegria de ser mãe ou o orgulho de ser papá: se um suporta silenciosamente o seu próprio sofrimento, o outro também não deixa transparecer a sua frustração e acaba mesmo por amar ainda mais o ser que sofre a seu lado.
V. – OUTROS FACTORES DE ENVELHECIMENTO
Há outros factores a entrar em competição. Sem procurarmos estabelecer entre estes agentes da senescência uma escala de importância, consideremos no entanto alguns mais decisivos de entre eles.
As doenças ocasionais.
É por demais evidente a intervenção das doenças ocasionais já que, se estes dois esposos partiram para a vida com probabilidades aparentemente iguais de boa saúde e se parecia portanto provável que a idade não faria sentir os seus efeitos sobre cada um deles senão quando atingissem em conjunto o limiar geralmente previsto do declínio e se um deles for marcado por um acidente que o irá deixar incapacitado, ver-se-á obrigado a recorrer ao serviço do outro para os actos da tecitura quotidiana.
Uma doença fará descer bruscamente vários degraus de vitalidade: eis o casal face ao problema do envelhecimento de maneira imprevisível e dolorosa.
Quem é que não conhece estes dramas? O cônjuge que se sente diminuído não pode deixar de adivinhar que, doravante passou a ser um fardo; o outro, que se sente ainda cheio de vida, dedica-se afectuosamente a ajudar; não pode impedir que a limitação de vitalidade e portanto a actividade de um dos dois se arrisque fortemente a tornar – se uma provação para o clima quotidiano do lar.
Decerto que vemos magníficos exemplos de uma dedicação sem limites e em certos casos um acréscimo de amor comum em que o diminuído admira o outro, tão atencioso e tão paciente e o válido se maravilha com a resignação e a coragem do inválido. À medida que os meses se escoam e a diferença se acentua entre o impotente e o vigilante, este envelhecimento desigual é uma prova terrível para os dois e pode sempre sobrevir o risco de que um ou o outro experimente cada vez mais dificuldade em suportar a agitação que se instalou assim na vida comum.
As condições de trabalho.
Mesmo sem haver doença ou acidente, há outras circunstâncias que podem intervir e influenciar o envelhecimento do casal, vendo acumularem-se assim preocupações e reveses. Talvez se vejam obrigados a fazer um esforço para corrigir a situação, talvez até mudar de residência, precisamente no momento em que esperavam saborear um pouco de descanso. E todas estas convulsões se repercutem na idade dos esposos.
Mesmo sem agitações dolorosas, a cessação do trabalho, quando o marido ou a mulher atingem a idade da reforma, não deixa de se repercutir na idade efectiva. Certamente que é um benefício social assegurar aos trabalhadores, sejam eles quais forem, uma reforma que, sendo uma medida de progresso, não deixará no entanto de arrastar contrapartidas.
Não é, com efeito, senão alimentar um paradoxo ao observar-se que, quando um ser humano cessa bruscamente o seu trabalho quotidiano – mesmo com tendência a amaldiçoá-lo em cada manhã, quando o que se propunha era recomeçar, de boa ou má vontade – esta mudança tão profunda na actividade suscita um transtorno biológico e psicológico completo. O lar onde o marido ou a mulher, ou até mesmo ambos, cessam assim as suas ocupações, irá conhecer uma fase difícil de readaptação que se vai repercutir na totalidade do ser de cada um dos dois, colocando-os brutalmente frente-a-frente às dificuldades do envelhecimento. Regozijando-se antecipadamente com o pensamento de que – finalmente! – o momento em que a partida não mais seria imposta por uma sirene impiedosa com lugar apenas para um pouco de descanso ao meio-dia… e ei-los ambos desorientados pela liberdade recentemente desfrutada. Vemo-los transformar-se rapidamente e eles próprios também se apercebem de que já não são os mesmos.
A observação comparada entre os meios rurais seria certamente muito instrutiva a respeito deste ponto. Quando as condições de vida no campo permitiam aos nossos avós continuar a sua vida em casa dos filhos, os fenómenos de envelhecimento do casal idoso – opinião que formulamos com optimismo – eram menos manifestos do que nos lares operários das grandes cidades.
Num passado, que não é assim tão longínquo, víamos com muito mais frequência os nossos avós, já marcados pelo peso dos anos, misturar-se na vida do filho ou do genro que então assumia no seu lugar a responsabilidade de chefe da exploração agrícola. A avó, cujas forças diminuíam, e cujos cabelos iam passando de grisalhos a brancos, continuava a ocupar-se com a filha ou a nora dos cuidados caseiros, da capoeira e até da mungidura das vacas.
Será que estes avós mostravam menos sinais de envelhecimento do que os de hoje? Continuavam mais bem adaptados á vida quotidiana? Mantinham maior intimidade e harmonia do que os casais que actualmente , ao chegar a idade da reforma, se arriscam a ficar ociosos e a dobrar-se sobre si mesmos e a afundar-se nas lamentações do passado, nas manias, na agressividade arreliadora de um contra o outro?
Não podemos, no entanto, deixar de acrescentar que a vida do campo não era um idílio exempto de dificuldades, arriscando-se o explorador agrícola e a mulher a ser envelhecidos pelo esforço físico mais depressa do que actualmente os citadinos…
Os admiradores do passado ripostariam que a vida ao ar livre, sem poluição de fumos, sem barulhos, garantiria uma juventude mais longa. Mas a ausência de conforto no lar, a premência de conduzir até ao fim o trabalho urgente, eram certamente – e continuam a sê-lo bem frequentemente – factores de envelhecimento prematuro do homem e mais ainda da mulher no campo.
Teríamos aí, para os sociólogos, um interessante campo de estudo, muito embora se vislumbre que o curso que conduz a humanidade a viver cada vez mais nas grandes concentrações urbanas é irreversível. Mas, em definitivo, é sempre o homem que paga estas mudanças.
Outros factores ainda.
Às doenças intercorrentes, às condições de trabalho, outros factores se juntam no processo da senescência. Entram assim em acção as modalidades de habitação que diminuem ou agravam a fadiga quotidiana da dona da casa com repercussão no humor e cansaço do marido, a possibilidade de ter tido no passado ou de ter ainda ajuda no lar e mais ainda de receber ou não cuidados precoces e suficientemente prolongados em caso de doença, etc.
Há outros elementos ainda que intervém, mais familiares, mais quotidianos, aparentemente terra-a-terra e de que todavia a repercussão é imensa. Por exemplo, o cuidado que a mulher tem com a toilete, não por vã galantaria certamente (não há nada que envelheça mais um rosto feminino do que a obstinação em enfeitar-se como se duma jovem se tratasse, o que inevitavelmente faz sobressair as marcas inevitáveis do tempo e que acabam por ridicularizá-la), mas porque é um «dever» em relação ao marido não se «desleixar». Aliás o mesmo acontece em relação ao homem: ter cuidado em barbear-se, frequentar o barbeiro a tempo e horas… Coisas sem importância, talvez alguém argumente! Têm mais importância do que pensamos; mas corremos o risco de não conseguir medir o seu alcance senão após a acumulação de tais negligências e quando tivermos a velhice estampada no rosto.
O número de factores que podem assim entrar em linha de conta é tal, que uma enumeração exaustiva pareceria impossível e pouco frutífera. Mas – e chegámos ao ponto em que queríamos chamar a atenção do leitor – o que conta na realidade viva é o facto de todos estes detalhes serem ao mesmo tempo causa e efeito uns dos outros. E é precisamente esta correlação que cria o seu poder: constituem um todo.
E então – voltamos assim ao âmago do problema – o que importa, antes de mais nada, é a inspiração essencial em que se baseia o lar: poder assegurar a síntese de todas estas influências e chegar mesmo a superar os obstáculos se se mantiver viva e perene; enquanto que, se houver o infortúnio de faltar, não será preciso mais do que um incidente – mesmo pouco nocivo em si mesmo – para comprometer a juventude que este casal devia poder conservar não obstante o somatório dos anos.
VI. – O PROBLEMA SOCIAL DA HABITAÇÃO DO CASAL ENVELHECIDO
Sendo assim, uma primeira conclusão prática se impõe: é necessário deixar viver em conjunto os que fundiram a sua existência e – segundo aspecto do mesmo problema – fazê-lo o mais latamente possível e preferencialmente em ligação com aqueles que nasceram do seu amor. Pergunta-se: acolhem-se em conjunto? A questão não é já discutida por ninguém e hoje chegamos ao ponto de nos admirar que tenha alguma vez sido problema. Conhecemos no entanto um tempo ainda não muito distante no passado em que as obras de caridade recolhiam velhos generosamente, rodeando-os de cuidados mas colocando, em edifícios separados, idosos e idosas em conjunto nos respectivos imóveis. O regulamento previa dias de encontro para as unidades de casal após o que cada elemento regressava à sua secção, masculina ou feminina. Isso permitia, sem dúvida, acolher num determinado espaço um número maior de homens e um número maior de mulheres, o que não é negligenciável pois que se se organizasse o seu albergamento por casais, complicar-se-iam decerto as coisas, ao mesmo tempo para a superfície necessária para o conjunto estabelecimento e ainda mais para os serviços interiores.
Já então muitos casais declinavam as vantagens colocadas ao seu dispor, de preferência a deixarem-se separar. Ninguém ousaria hoje impor uma tal separação.
O problema social do alojamento subsiste e ainda cada vez mais acrescido. Chega para estes dois esposos, que desejariam poder envelhecer em conjunto, o momento de dificuldades inultrapassáveis: meios financeiros escassos para assegurar o pagamento da renda e a subsistência quotidiana, impossibilidade de agenciar ajuda para os trabalhos domésticos quotidianos, passeios, compras, cozinha, limpeza do alojamento, reparações, etc.
Por seu lado os jovens lares, nascidos destes pais agora idosos, não têm de modo nenhum possibilidades de os levar para junto deles por mais boa vontade ou afecto que tenham aos «seus velhotes». Já lhes sobram dificuldades para se instalarem razoavelmente à vontade, principalmente com crianças; a rapariga, só à custa de um enorme esforço consegue superar todas as tarefas de dona da casa, mormente quando se vê obrigada a laborar fora do domicílio.
Por conseguinte é forçoso que se empreenda neste ponto mais um esforço social considerável afim de multiplicar os centros de acolhimento onde os esposos em vias de envelhecer beneficiem de um ou dois compartimentos nos quais se sintam ainda em casa mas aliviados o mais possível dos trabalhos domésticos.
Existe o ameaço de que o tempo passe a ser para eles bem longo sobretudo para aquela que, até ao momento de ser instalada pelos filhos na home colectiva se ocupava ainda dos trabalhos domésticos; quanto a ele, se ficar pura e simplesmente restringido a ler o jornal, fumar o seu cachimbo…
Podemos certamente prever que vão receber amiudadas vezes a visita dos filhos ou dos amigos e que de tempos a tempos vão passar o dia a casa deste ou daquele… Mas não é difícil adivinhar as proezas de egenhosidade ditadas pelo coração que teríamos de desenvolver na organização da home colectiva para solucionar esta nova quadratura do círculo: conseguir criar condições de vida ao casal de modo a ter a sensação de continuar a viver em sua casa, englobado no seu conjunto de valores…
Uma acção muito interessante foi empreendida em Lyon pela Associação Nacional De Apoio Aos Idosos. Há quase dezoito meses que abriu «A Minha Casa», onde são alojados não só casais em envelhecimento mas ainda pessoas solteiras. Um grande imóvel foi construído para os receber na rua Maurice-Flandin, 14 e organizada com bastante engenho: apartamento individual com dois ou três compartimentos com aquecimento, iluminação, lavagem de roupa, cuidados médicos de rotina, possibilidades para os ocupantes confeccionarem eles próprios as suas refeições – com electrodomésticos naturalmente, para prevenir o risco de fugas de gás – ou, se preferirem, recorrer ao restaurante em mesas pequenas… e proporcionando-lhes até pequenas reparações urgentes para as quais é cada vez mais difícil encontrar operários qualificados, e isso sem limite de idade; uma dezena dos 65 utentes, entre eles 10 casais, têm mais de 80 anos.
Um detalhe entre outros – que é antes de mais um ponto capital – mostra quão longe chegou a preocupação de salvaguardar o lado «humano» da casa. Os arquitectos previram a possibilidade de transformar facilmente a repartição das divisões de tal modo que, quando um casal que usufrui três delas (cozinha, sala de jantar e de estar, e quarto de dormir), venha a ser dissociado pela morte, possa ser incorporada a terceira divisão no apartamento vizinho de dois utentes guardando assim a mesma proporção de casais e solteiros. Evita-se assim o drama que ameaça tais organizações: o que acontecerá ao cônjuge sobrevivente? Se continuamos a acolhê-lo – e como poderíamos reenviá-lo sozinho, e acrescentar assim um drama material á sua mágoa? – iremos desperdiçar um apartamento de três salas para esse sobrevivente? em breve aconteceria que este lar, previsto para casais, passaria a ser exclusivamente ocupado por velhos singulares ou viúvas idosas e, por falta de espaço, ver-nos-íamos compelidos a recusar a entrada a casais para os quais o centro de acolhimento teria pois sido previsto.
E os problemas entreligam-se. O médico e o psicólogo não podem formular aqueles recursos que a natureza humana impõe e que torna necessário deixar envelhecer em conjunto os dois esposos, aliviando-os o mais possível das tarefas que não podem executar sozinhos.
VII. SERÁ POSSÍVEL PREVER? PODEREMOS PREPARAR UM SADIO OUTONO DO CASAL?
A complexidade que nos revelou a análise do real – e está certamente longe ainda de ser exaustiva – conduz-nos a colocar esta questão geminada: será que existirão índices que permitam ao rapaz e à rapariga quando reciprocamente se comprometem para a vida, para o melhor e para o pior, prever como serão, um e o outro e, por consequência um para o outro quando ambos forem marcados pela decadência dos anos?
E, directos ao segundo problema: será que podem preparar em conjunto, e como, um belo outono para o seu amor, actualmente resplandecente?
Um dos meus professores a quem um de nós anunciava o seu noivado felicitou-o cordialmente exprimindo-lhe os seus melhores votos e, dirigindo-se-nos, passou a dar os seguintes conselhos: «Se quiserem saber o que o futuro lhes reserva no casamento, prestem muita atenção àquela que será de futuro a vossa sogra; mesmo que a filha actualmente se lhe não assemelhe (era precisamente o caso), a experiência da vida mostrou-me que há muitas probabilidades de, a que em breve chamareis esposa, ser um dia mais tarde, senão em tudo, pelo menos em grande parte como a mãe, tanto no que diz respeito à saúde, à sua maneira de viver ou ao seu carácter.»
Este factor, parece-nos que ocupa um lugar que seria imprudente ignorar. Mas não é entretanto senão um dos dados do inventário. Significado em si sem expressão deveras significativa mas pejado de importância quando aglutinado a outras componentes que nos revelou a análise dos factos e que cremos ser nosso dever recapitular, pois o que sobretudo importa é a sua convergência, a sua quota-parte.
Muito mais do que enumerar os elementos de previsão – os cépticos diriam que é como o jogo de cara ou coroa – o que nos parece dever ser posto em evidência é a necessidade de preparar com cuidado e sem delongas o belo outono que almejaríamos viver em conjunto.
Se é verdade que ninguém pode adivinhar o que o futuro nos reserva, é também incontestável que, em certa medida, o amanhã e mormente os dias que se seguem e que temos para viver dependem, em parte, de nós.
Por mais ínfimo que seja este quinhão, compele todavia a nossa responsabilidade e é concretamente sensato fazer de imediato tudo o que estiver em nosso poder para aumentar as probabilidades de desafogo e de paz que são os sinónimos da felicidade.
Se interrogarmos os casais que parecem não envelhecer não obstante a sua idade legal e lhe perguntarmos como conseguiram esta proeza, responderão muito humildes mas com sinceridade:
- que «não fizeram nada de especial». E não deixa de ser verdade na medida em que não utilizaram qualquer método em particular, ou puseram em prática qualquer receita especial. «Muito simplesmente» (colocamos as palavras entre aspas afim de sublinhar bem a sua ressonância) completaram no dia-a-dia o que lhes competia fazer como tarefa comum, isto é dedicaram-se um ao outro e, ambos, aos filhos;
- que consumaram, minuto a minuto, o trabalho que tinha de ser feito. Esbarraram, naturalmente, com sucessivas dificuldades, isso é fatal na vida, mas fizeram tudo o que estava ao seu alcance para as suportar com o máximo de coragem possível e sem dramatizar e, quando uma ocasião de alegria se patenteava, acolhiam-na humilde e tranquilamente, desfrutando-a em conjunto… «pura e simplesmente», acentuariam sem dúvida.
«Nada de especial»: testemunham por estas palavras que a harmonia alcançada na vida de ontem tornava quase espontâneo o equilíbrio de hoje e esta harmonia, esta fusão tiveram justamente como efeito a difusão do seu amor em fecundidade para que esta selasse ainda mais a união dos dois seres, tanto e tão bem que a idade, que serão forçosamente coagidos a assumir na sua hora, seja acolhida em conjunto.
E, se derrotados pela simplicidade aparente desta técnica da serenidade conjugal, fonte do esplendor da idade madura, quisermos levar mais longe a pesquisa, estes esposos confidenciar-nos-ão – se possível com mais humildade e com uma certeza mais convincente ainda – que foi a graça de Deus que operou no seu interior, e ficaremos, então, com vontade de ajoelhar com eles para agradecer ao Senhor por haver assim consumado a sua «unidade».
No seu capítulo, o Dr. Dublineau convidava-nos precisamente a reparar no alcance da expressão corrente «os Tal», pela qual designamos certos casais. A perspicácia do médico psicólogo via nestas palavras a consagração verbal da unidade destes esposos felizes que acabam por se assemelhar moral e psicologicamente; então, o cúmulo dos anos não é já suporte individual, cada um de per si, donde nasceria o risco para um deles se sentir em dissonância com o todo; há muitas probabilidades deste envelhecimento continuar harmonioso até ao sacrifício – decerto inelutável! – em que um dos dois parte primeiro para a grande viagem.
Àqueles que me viessem objectar que desconheço as dificuldades do real, responderia que estes excelentes sucessos são menos raros do que pensamos; mas, como são menos ruidosos que os desacordos dramáticos, prestamos-lhes menos atenção.
Todavia a experiência revela também que o maior número de casais continua radioso apesar do cansaço e das provações que os anos não podem deixar de acumular, recebem do alto (diríamos também com propriedade: bebem de uma fonte mais límpida) as suas forças – que se chamam graças – que lhe permitirão, não somente aguentar-se com firmeza, não apenas não se degradar rapidamente, mas conservar uma coragem e uma juventude de coração que fazem com que, considerando a idade, pareçam não envelhecer.
VIII. – PERSPECTIVAS SOBRENATURAIS
A questão coloca-se do modo seguinte: Quando um cristão reflecte no conjunto dos problemas que levanta o envelhecimento do casal, será que reflectirá o suficiente para conferir à graça o lugar a que tem direito? E não nos acontece por vezes falar da vida em comum dos esposos como se se tratasse simplesmente de pessoas que se amaram ao ponto de se entregaram totalmente um ao outro, e para sempre, mas sem ultrapassar, no entanto, o plano terreal, o nível da natureza, quando de facto, mas a uma profundeza da realidade que a nossa inteligência não pode compreender, o seu consentimento mútuo foi objecto de um sacramento?
E enquanto se desenrolava a cerimónia religiosa que acompanharia esta misteriosa consagração da sua vida, ouviram distintamente as palavras pronunciadas pelo padre ao dar-lhes a bênção. «Ut videatis filios filiorum vestrorum usque ad tertiam et quartam generationem: afim de verdes os filhos dos vossos filhos até à terceira e quarta geração»; e como se o desejo de longevidade não fosse, assim, ainda suficientemente claro, o texto acrescenta: «Et postea vitam æternam habeatis sine fina: e que possais, finalmente atingir a vida eterna.»
Estas palavras assim pronunciadas pela Igreja não terão outro objectivo para além de reproduzir uma fórmula de delicadeza que ficaria assim com um cunho oriental? Pelo contrário, os orientais incluem uma visão antecipada do que poderia ser uma humanidade profundamente regenerada pela adesão universal dos humanos ao mistério da Redenção? Deixamos aos intérpretes autorizados da Revolução Cristã o cuidado de resolver o problema. Em todo o caso, a extensão da higiene e o desaparecimento da fome no mundo deviam permitir à humanidade fazer recuar, para a imensa maioria dos homens, a hora da morte o que ia decerto levantar o problema, que tomaria dimensões de que não podemos suspeitar, do envelhecimento do casal e do lugar a dar a este que continuaria jovem ainda por muito mais tempo que os felizes casais de hoje.
Pelo menos esta prece parece deixar-nos entrever que o papel dos casais já marcados pelo somatório dos anos, mas que continuariam activos e cooperantes, ao mesmo tempo, na obra comum, poderia aparecer cada vez mais necessário à verdadeira figura do mundo.
Uma tal hipótese parece sem dúvida muito ousada… É todavia satisfatório que se apresente ao espírito para que a memória evoque uma história maravilhosa, a da concepção de S. João Baptista. Na verdade, e sublinhamo-lo, pairamos no império do sobrenatural propriamente dito e a fecundidade serôdia de Isabel inclui-se no milagre anunciado, não menos extraordinariamente por Gabriel, o anjo do Senhor; e S. Lucas – o médico! – tem o cuidado de nos contar que Zacarias, que era um sincero homem de Deus, se mostrou incrédulo a princípio declarando que era velho e a mulher estéril… E foi a concepção do precursor…
Para nós, humanos do modelo comum, estas «maravilhas» e estes «mistérios» deveriam ajudar-nos a compreender a pouco e pouco o mistério e a maravilha – repetimos deliberadamente as mesmas palavras – da nossa vida, por mais banal que possa parecer. Se olhássemos a realidade viva com olhos iluminados pela fé, descobriríamos melhor as riquezas ao nosso alcance, seja qual for o milésimo do nosso nascimento.
No seu livro admirável, A Mulher Eterna, Gertrud von Lefort convida-nos a meditar sobre o mistério escondido sob a expressão com que designamos correntemente o vigésimo quinto aniversário de casamento: as bodas de prata que deveriam ser não somente uma consagração mais reflectida, mais total dos dois esposos de um para o outro e os dois em conjunto a Deus, mas ainda o acesso a uma vida matrimonial mais aberta para o mundo pois que o seu dom mútuo de há vinte e cinco anos teve como efeito esta maravilha que é a vinda a esta terra de novos seres humanos que, por seu turno, bem depressa irão transmitir a vida.
Mas ainda não acabámos: estes esposos – ainda jovens após apenas cinco lustros de vida conjugal – abordam uma nova época, aquela que os encaminhará na direcção das bodas de ouro… o pleno outono então; e quem sabe, talvez até às bodas de diamante, o que seria bem próximo do Inverno. Nada impede que, com a graça de Deus, possam ainda, não só permanecer válidos de corpo mas também continuar revigorados pela mesma vontade de outrora de viver um para o outro e os dois em conjunto para aqueles que nasceram do seu amor.
Felizes os casais a quem Deus concede a graça de acreditar nestas verdades: o seu envelhecimento encaminha-os para a Vida.
Dr. René BIOT
CAPÍTULO VIII
Os avós
«A arte de ser avô carece de ser vista e corrigida de geração em geração e as questões que se colocam aos avós de hoje eram propriamente impensáveis há apenas cinquenta anos. Quer se trate de um novo estilo de relações que se estabelecem entre avós que começam apenas a envelhecer e pais muito jovens, ou da revisão dos termos de autoridade e de liberdade, do papel de substituição educativa assegurada pelos avós, são matérias para reflexão que o leitor encontrará nas páginas que se seguem. Devem-se a um velho amigo do Grupo «Lionês», o Dr.André Berge, director do Centro psicopedagógico da Academia de Paris que já anteriormente o favoreceu com a sua presença com [(Le sentiment de culpabilité chez l’Enfant») («O Sentimento De Culpabilidade Na Criança in [(Le coupable est-il un malde ou un pêcheur?») (O Culpado É Um Doente Ou Um Pecador?). As suas publicações recentes [(«As Doenças Da Virtude) (Les maladies de la vertu»)] e a sua acção na «Escola de Pais» seriam, caso fosse necessário, a prova que tornaria óbvio a sua competência na matéria»
Os avós dos nossos dias parecem-se muito raramente com aquele tipo de avô que nos transmitiu a tradição. Ninguém os olha já como «o avô velhinho» ou «a avó velhinha», espécie de reformados da existência, piedosamente conservados ao canto do lume, espectadores enternecidos dos folguedos dos rebentos da sua progenitura e praticamente desprovidos de qualquer função responsável na sociedade.
De algumas décadas a esta parte – e mais precisamente, disso estamos convencidos, desde a guerra de 1914 – os jovens franceses cessaram de ficar á espera de uma situação material bem definida para casar. Para quê, com efeito, esperar uma estabilidade e segurança quando um século tumultuoso parecia negar-lhes toda a esperança? As novas gerações nasceram por conseguinte de pais jovens que tinham ainda, por seu turno, os seus próprios progenitores na força da idade. Estes últimos, longe de estarem a cargo dos novos casais, continuavam a desempenhar paralelamente a eles o seu papel de ganha-pão. Concomitantemente, os progressos da medicina aumentaram de uma maneira extraordinária longevidade humana, de tal modo que aqueles que haviam ultrapassado a barreira dos cinquenta tinham a impressão de ser uma minoria à espera de vez. Para um fenómeno tão comum, a consciência do número parecia haver contribuído para lhes conferir um remoço de vitalidade que acabava até por se traduzir no vestuário: que é feito dos chapéus redondos e das capas negras das velhas senhoras de outrora? Os avós actuais renunciaram ao seu uniforme de antepassado; de modo nenhum se encontram prontos a abdicar como os que os precederam na marcha. Um número crescente de entre eles tem a sensação permanente – no seu interior – de «pais em actividade», apesar da estrutura familiar ter mesmo assim evoluído, afastando-se cada vez mais da estrutura familiar a que se tinham habituado nos seus verdes anos. O esforço de adaptação que lhes é exigido é, de facto, bem mais árduo.
As dificuldades de alojamento também não ajudaram nada: não é raro presenciarmos várias gerações obrigadas a viver sob o mesmo tecto; e por mais que o seu carácter seja excelente (mas isso nem sempre acontece!) temos necessariamente de reconhecer que é uma provação particularmente crítica para os jovens casais terem de harmonizar o coração e o espírito sob o olhar alternadamente crítico e inquieto (mas de qualquer modo sempre atento) dum pai e duma mãe que não são, evidentemente, senão o sogro e a sogra do outro. Consoante serem os jovens a alojar-se em casa dos velhos ou os velhos em casa dos jovens, ou ainda se partilham o mesmo local em pé de igualdade, assim existem sem dúvida várias fórmulas de coabitação, determinadas pelos seus anfitriões: os velhos, no primeiro caso, os novos no segundo ou ainda uns e outros no terceiro. Sucede que a coexistência apertada não permite acolhimento de um neto ou neta no quarto de um avô ou de uma avó que acreditariam assim alcançar direitos suplementares sobre a criança. Na maior parte dos exemplos deste género que se nos têm patenteado debaixo dos olhos, as consequências de uma tal organização têm-se mostrado desfavoráveis. Regra geral, a escassez de espaço vital quezila as relações e complica os problemas. Daqui se infere que o problema dos avós é antes de mais um problema de distância quando relacionados com os outros membros do grupo.
Não se trata de negar aos avós da nossa época toda e qualquer função dentro da família: mas a sua função é imprecisa e mal delimitada. A profissão de pais não é uma sinecura; a ocupação de avô tem sem dúvida menos importância, mas não teremos de concluir daí que é muito mais simples: muito antes pelo contrário! a profissão de pai existiu desde sempre; pelas razões que acabamos de expor, a profissão de avô é recente: temos quase sempre de improvisar! «A arte de ser avô» era outrora suficiente e um pouco de «arte pela arte», equanto os avós actuais têm a impressão de ter um papel a desempenhar sem no entanto saberem qual.
Advêm daí muitos mal-entendidos e erros frequentes. Estes «velhotes saudáveis» (segundo o vocabulário do nosso tempo) são solicitados por duas tentações: ou imporem-se e continuar a fazer valer a sua autoridade resultante tanto mais do autoritarismo quanto menos aquela se torna operante e menos aceite, ou continuar a viver a sua vida desinteressando-se da sua progenitura… sendo esta segunda solução igualmente difícil de suportar.
Entre estes dois extremos existem evidentemente várias fórmulas intermediárias; há uma distância óptima que se estabelece entre avós e netos que é por vezes difícil de fixar – tanto mais difícil, bem entendido! quanto mais traços se conservarem dos antigos conflitos que haviam conseguido opô-los aos próprios filhos tornados pais por sua vez.
É assim que devemos desconfiar da alegria, mesmo secreta, já que poderíamos observar nas relações dos filhos com a progenitura dificuldades bastante semelhantes àquelas que esta tinha acarretado. A aliança bastante frequente das duas gerações extremas contra a geração do meio não é por vezes senão o prolongamento de uma velha questiúncula que renasce com a chegada dos jovens reforços.
Não se infere portanto daí que os avós de hoje sejam sempre indulgentes para com os netos e netas. Podemos observar, por exemplo, mães possessivas que interdiziam às filhas serem mães por sua vez, direccionando finalmente a sua rabugice contra os netos (principalmente se forem rapazes) porque de algum modo viam neles a assinatura do homem que lhes roubara a filha.
Outros avós pretendem reinar a todo o custo. Por pouco que os filhos precisem da sua ajuda material, não têm o mínimo problema em se aproveitar dessa circunstância para se arrogar o direito, não só de criticar mas de tomarem eles próprios decisões para toda a família, impondo as suas concepções educativas, sem sequer dissimular o seu ponto de vista, que os filhos não sabem educar as crianças.
Não é que estejam forçosamente sempre errados; mas falta-lhes a sensatez de admitir que não são eles os representantes da jurisdição suprema. Para além disso, quando lhes parece que os filhos cometem algum erro educativo, diligenciam muito frequentemente compensar este erro por outro que, desta vez, é de sua autoria e que, longe de atenuar o precedente, só o agravam. É por demais uma falha educativa muito grave deixar entrever às crianças que se querela por sua causa. É preferível serem vítimas de um pouco de severidade ou fraqueza em excesso do que suportar os estrépitos duma guerra de que constituem simultaneamente a causa e a parada.
Os pais, ora se silenciam perante os próprios progenitores, ora lhes fazem frente, com os riscos e perigos inerentes. Quantas vezes tenho visto num consultório médico um avô ou uma avó calar um filho ou uma filha para explicar a seu modo a história do neto. Falámos dos «pais terríveis», mas nos nossos dias temos de contar também com os «avós terríveis». Estes condenam os filhos por não conseguirem manter a autoridade no lar; mas esquecem-se que são eles os próprios a fazerem todo o possível para os despojar da autoridade paterna continuando a tratá-los como crianças. O pai ou a mãe levantam a voz? Logo o avô ou a avó intervém para lembrar: «Tu quando tinhas a mesma idade fazias bem pior!», o que os não impede de dizer em qualquer outro momento: «Não sabes fazer-te obedecer. Nunca teria permitido que me falassem como tu toleras que as crianças te falem.» Tais comparações são provavelmente um reflexo de uma procura de compensação naqueles que se sentem ameaçados pelo enfraquecimento da idade. Quando os anos passam é difícil de manter a certeza de uma superioridade sobre as gerações mais jovens e é, talvez, natural sermos tentados a proclamá-la cada vez com mais força à medida que já não estamos convencidos que a temos.
Sem mesmo entrar em linha de conta com esta espécie de considerações, temos de admitir haver alguma dose de heroísmo em renunciar a fazer intervenções quando temos plena convicção de que seriam benéficas (se pelo menos fossem ouvidas!). Dizemos por vezes que a clareza da evidência é ofuscante, mas procedemos mal por não tomar, em certos casos, esta expressão à letra: acontece com efeito que a evidência cega ao ponto de não permitir ver o perigo desencadeado ao fazê-la valer a todo preço, já que crêem assim acreditar saber o que seria bom fazer para bem educar os netos; mas, neste domínio, nada é bom ou mau de uma maneira absoluta. E se fossem os próprios pais a tomar a iniciativa, o que seria bom, poderia tornar-se mau quando vindo de outra pessoa.
No entanto, quando os pais das crianças têm a sorte de ter ainda progenitores bem conservados, como evitar serem tentados de tempos a tempos a recorrer a eles para os aliviar da vigilância constante da sua querida mas estafante progenitura? Mas quem confere um cargo e uma responsabilidade deve necessariamente outorgar poder.
Na medida em que os avós são prestáveis, é pois legítimo que beneficiem de certos direitos. Ninguém tem pois que se admirar que tenham tendência a proclamar que as crianças são muito mais educadinhas com eles do que com os pais biológicos, enquanto estes últimos não são menos propensos a lamentar-se que os avós «ensinam tudo» aos pequenos ou pelo contrário que «não lhes ensinam nada».
Uma certa adaptação das concepções educativas das duas gerações é decerto por vezes indispensável: ou pelo menos uma tolerância mútua, o que nem sempre é fácil. Haveria naturalmente a solução de não pedir nada aos pais; mas no fim de contas não seria frustrar ao mesmo tempo crianças e avós quando a recordação de um avô ou de uma avó deixa por vezes impressões favoráveis?
Porque nem todos os avós são abusadores! Encontramos mesmo alguns cujo medo de o ser é tal que se apagam em excesso, não por indiferença, mas por discrição. Parece pois por vezes aos jovens casais – e principalmente às jovens esposas – que os pais os abandonam. e o problema também não se resolve!
A maior qualidade de um educador – seja ele quem for – será talvez, não só de saber ficar «disponível», mas fazê-lo sentir aos que se encontram tentados a recorrer a eles. Nesta acepção, é por demais evidente que os avós têm, mais ainda que os pais, a possibilidade de ser o que se poderia chamar de «educadores em estado puro». E são por conseguinte tanto mais úteis quanto menos procuram ser indispensáveis. O interesse afectuoso que emprestam a tudo o que diz respeito aos seus descendentes basta para lembrar aos que vão ter junto de si um acolhimento estimulante sempre que os solicitem. Longe de servir de caixa de ressonância às preocupações educativas e familiares dos filhos, devem aproveitar o afastamento de que dispõem para os ajudar a encarar todas as questões que se lhes colocam com o máximo de objectividade, isto é, transmitir cada coisa na sua verdadeira perspectiva com as suas verdadeiras proporções.
Os próprios avós nem sempre pensam em aproveitar deste recuo que é no entanto o seu grade trunfo. Salvo nos períodos em que alguns dos seus netos lhes são provisoriamente confiados, não têm qualquer autoridade para exercer; nem decisões a tomar ou medidas a aplicar. A sua atenção é pois livre de se concentrar nos netos sem preocupação de intervir e menos ainda de castigar. É exactamente por isso que nós dizíamos que eram «educadores em estado puro», pois que o seu papel não é nem directivo nem judiciário. Em lugar de ficarem feridos no seu amor-próprio, deveriam saber discernir todas as vantagens de uma tal situação que não é assim tão insignificante nem mesmo tão passiva como são por vezes propensos a imaginar.
Os que exercem autoridade têm por vezes muito menos desta do que os que não têm de a exercer. Em boa verdade não se arriscam a ser suspeitos de oportunismo. Podem dizer o que pensam alheios a qualquer consideração utilitária e sem pretender impor a sua maneira de ver: donde resulta que os espectadores os ouvirão mais benevolamente! Se souberem renunciar ao despotismo, sem cair forçosamente por isso na aprovação sistemática, a sua influência real não poderá senão ganhar.
Cada lar é susceptível de conhecer horas de crise; reina por vezes uma perigosa tensão entre os pais e um ou outro dos filhos; tal rapaz ou tal rapariga pode ter necessidade de se reencontrar por algum tempo como «filho único», como para ultrapassar certas dificuldades e readquirir um equilíbrio comprometido. Quando existem, é para os «disponíveis» esse o momento de tomar provisoriamente a substituição dos pais com o consentimento destes. Têm assim ocasião de permitir a todos uma certa descompressão e são eles, os pais das crianças, os mais bem situados para ajudar os avós a compreendê-las e estas a compreender os que as puseram no mundo. De modo nenhum são obrigados a tomar o contrapeso das directivas que provém dos progenitores: mas por vezes têm de as aplicar – pelo menos no que têm de essencial – quando os poderes paternos lhes são delegados. É nas modalidades de aplicação que residirá a diferença!
Há sem dúvida pais que estão sempre mais ou menos prontos a melindrar-se quando os avós beneficiam junto dos netos de um prestígio ou de uma afeição particular – do mesmo modo que há também avós prontos a usufruir de alegria e altivez com tal vantagem. Tanto uns como os outros deveriam aperceber-se melhor de que a prioridade é sempre apanágio dos pais – sejam quais forem as aparências – e é do interesse de todos que assim seja!
A importância dos pais aumenta tanto mais quanto as situações familiares se complicam. Tanto podem ser factores de paz como factores de discórdia. Quando ambos os casais de avós são ainda vivos, a perspectiva de um conflito de influência não é, infelizmente, de excluir, mormente se um ou outro dos dois pais continua estreitamente enfeudado à sua família de origem ou se existe já entre eles qualquer desentendimento manifesto ou latente. Cada cônjuge é portador de peculiaridades familiares que herdou dos autores dos seus dias: Quando o marido e a mulher harmonizam bem, estas particularidades são partilhadas em comum e como que fundidas numa espécie de cadinho do casal para dar origem a um particularismo novo, consequentemente rotulado nos filhos. Em caso de discórdia, inversamente, as particularidades opõem-se e engendram conflitos que despedaçam por vezes o coração das próprias gerações mais jovens. Os avós, avisados, farão tudo o que estiver ao seu alcance para evitar uma tal eventualidade: preferem a felicidade conjugal dos filhos e o interesse dos netos à integral conservação das tradições de que parecem os principais representantes. Da sua atitude e da sua compreensão depende pois em parte a harmonia dos casais que eles geraram porque a sua intransigência robustece por regra a intransigência dos filhos ou filhas, a partir do instante em que estes conhecem qualquer dificuldade nos seus conjuntos.
Seria desastroso que, em presença dos filhos, os avós dessem a sensação de serem partidários de um ou outro dos esposos; mas o facto de terem conhecido um dos dois «quando era pequeno», autoriza-os a falar de uma maneira que o torna mais próximo e faz dele por consequência um modelo mais fácil de imitar. Não é supérfluo haver alguém para testemunhar que os pais de hoje foram os filhos de ontem – donde se infere que as crianças de hoje serão os pais de amanhã. E assim nasce o sentido da continuidade familiar. E quanto mais os avós permanecerem eles próprios, jovens e activos, tanto mais o seu testemunho será tónico e convincente.
Há naturalmente avós das mais diversas idades dependendo, assim, o seu papel um pouco da sua idade. Uns, por exemplo, far-se-ão apreciar pelas diegeses da vida passada, outros por uma participação mais activa na vida presente. Na ausência do pai ou da mãe, vemos frequentemente as crianças procurar espontaneamente ao pé de um avô ou de uma avó a segurança, a ternura, e até a autoridade que rotineiramente lhes são fornecidas pela personagem paterna e materna, momentaneamente em falta. Têm então os avós ocasião de ser uma espécie de pais substitutos sem mesmo terem sido encarregados de exercer esta função. Os netos orientam-se para eles de uma maneira natural, na medida em que estes representam a seus olhos uma imagem que os ajuda a edificar a personalidade.
É por esta via que a experiência dos avós é útil para aqueles que os seguem. Temos o hábito de dizer que «a experiência dos outros não serve» – embora estejamos sempre à espera de uma excepção de que tenhamos ensejo de beneficiar. De facto, a experiência dos avós tem a vantagem de poder ser um tema de livre reflexão de preferência a ser, na maneira como é frequentemente sentida a experiência dos pais – com razão ou sem ela – um argumento mais ou menos belicoso!
Com toda a certeza, não há hipótese de evitar que a velhice venha sorrateira, pouco a pouco, aumentar a distância entre as gerações extremas. Teremos talvez e sobretudo de aprender por conseguinte a não exigir demais dos jovens sem pelo menos deixar de lhes apresentar um semblante tão risonho e amável quanto possível. Os jovens não foram feitos para distrair ou consolar os velhos, pelo menos permanentemente. Não poderíamos admitir, por exemplo, a existência de pais que abandonem completamente um dos seus filhos aos seus próprios pais, sob pretexto de expulsar ideias negras destes últimos, como já o vimos fazer em certos casos. Caberia então aos próprios avós ter a coragem e o bom senso de recusar.
De modo nenhum é nossa intenção dar a perceber que os pais se devem condenar a segregar-se do mundo quando as suas forças começarem a declinar. Para além das forças físicas existem as forças morais que permanecem: e «envelhecer bem» continua a ser uma dádiva que podemos oferecer aos nossos, mesmo quando já não dispomos de quase mais nada para dar. A última alegria de um homem e de uma mulher, não seria porventura, animar até ao último alento um pouco da sua própria vida, a vida da sua descendência, com a esperança de delegar de si uma imagem cuja acção possa prolongar-se de uma maneira benéfica pelo maior espaço de tempo possível para além do seu último dia?
Dr. André BERGE
Director do Centro Psicopedagógico da Academia de Paris.
CAPÍTULO IX
Os trabalhadores dos 45 aos 65 anos (107)
Apesar dos progressos sociais que podemos constatar, uma questão que continua angustiante porque marcada de equívoco no plano humano e de incerteza no plano profissional. É a do trabalhador em vias de envelhecimento. Sob os auspícios do Prof. Rocha, professor de medicina legal na Faculdade de Lyon, o Dr. Gentis, Médico dos Hospitais Psiquiátricos, procurou as causas e os remédios para este estado de coisas. Situou-se na perspectiva do trabalho fecundo que da sua qualidade de membro da «equipa» do Hospital Psiquiátrico de Saint-Alban (Lozère) era de esperar. Os nossos agradecimentos pela sua boa vontade em nos reservar a publicação deste trabalho de qualidade.
Parece, à primeira vista, que a margem de idade assim definida entre os 45 e os 65 anos, abrange um período demasiado vasto para poder organizar-se numa entidade susceptível de ser abordada como tal num plano clínico e sociológico. Seríamos tentados a descobrir vários períodos, primeiro dos 45 aos 50 ou 60 anos, depois, por outro lado, dos 60 aos 65 em que se situa mais exactamente o dealbar da velhice. Seria sem dúvida útil considerar nestes limites demasiado largos, dos 45 aos 65 anos, uma evolução característica pela sucessão de «crises» que seriam comparáveis ás das primeiras idades da vida com a ablactação, a higiene, a puberdade, etc.…, apenas mais encobertas, mas significando sempre a necessidade do indivíduo fazer face a novas exigências de adaptação. Consideraremos globalmente a idade média que corresponde ao período climatérico na mulher e que não é radicalmente diferente no homem. Tentaremos assim englobar o trabalhador masculino e feminino no mesmo propósito, a tentar libertar-se provisoriamente de estruturas sociais profundamente marcadas pela diferença dos sexos. Seria igualmente necessário marcar uma distância em relação à estrutura biológica considerada como não determinante e é pois em termos essencialmente psicossociológicos que colocaremos o problema. O envelhecimento no plano biológico, a involução dos órgãos e das gónadas, as modificações hormonais não são por isso relegados para uma categoria de fenómenos contingentes, mas encararemos aqui o fenómeno do envelhecimento vencido num plano psicossociológico, para saber a concepção que o próprio trabalhador faz do seu encaminhamento para a velhice e, por outro lado, a atitude do grupo no respeitante aos trabalhadores em vias de envelhecimento, no plano sociológico.
Numa perspectiva psicopatológica lembraremos certos dados próprios das síndromas depressivas da meia-idade, especialmente tratados num trabalho anterior (108) com o qual se relacionarão numerosas referências.
Mais que uma alteração qualitativa, a senescência obriga o resto da economia a sofrer uma degradação quantitativa e progressiva das suas diferentes funções e, salvo o caso particular de profissões exigindo uma actividade não habitual de alguns dentre eles, não vai, em geral até uma idade relativamente avançada, entravar de maneira notável a actividade do indivíduo.
Não são as condutas quotidianas que são atingidas em primeiro lugar e postas à prova frente a frente com o meio ambiente, mas as suas disponibilidades, as suas faculdades de adaptação, as suas possibilidades de fazer face a uma situação inédita, quer seja de ordem biológica, psicológica ou social. O exemplo dos mecanismos homeostáticos é, nesta circunstância particularmente probatório. Se as condições humorais do organismo não se mantiverem a uma taxa sensivelmente constante até à morte, os mecanismos reguladores sofrerão quebra devido a uma anquilose que a partir dos quarenta os tornaria menos aptos a opor uma resposta efectiva aos estímulos, susceptíveis de os danificar.
E se considerarmos com Cânon que a uniformidade do meio interior é a condição primeira de uma vida livre e independente, somos de opinião que, do mesmo modo que a adaptação do organismo a condições bioquímicas variáveis, todo o comportamento do indivíduo será ameaçado pela esclerose desses mecanismos.
Podemos afirmar também que o organismo no seu declínio, incapaz de continuar a efectuar frontalmente as suas diferentes actividades, sacrificaria em primeiro lugar a actividade de luxo que constitui a função genital para se consagrar a tarefas mais urgentes.
De facto, o drama da meia-idade é justamente o de actualizar o que até aí podia passar despercebido e criar «um problema pessoal urgente» daquilo que antes era apenas «uma abstracção concernente à geração precedente» (Allen). O facto essencial, do ponto de vista psicológico, parece-nos ser de carácter dificultoso desta tomada de consciência que é literalmente vencida como um ultimato. A meia-idade introduz pois uma série de condições novas e esta introdução não se fará sem choque, revelar-se-á antes, como na puberdade, um período de crise susceptível de reactivar conflitos. Se considerarmos o modo de parecer do indivíduo que vai avançando em idade veremos que as modificações da aparência corporal entram em jogo principalmente pelas suas modificações simbólicas: alteração do aspecto exterior ligado à sobrecarga adiposa, queda dos cabelos, rugas na cara, desenvolvimento do desbotamento cutâneo cuidadosamente escondido, alterações sensoriais diversas. A deterioração dentária, especialmente investida no plano dos fantasmas mais arcaicos, tem uma profunda repercussão só atenuada pelo efeito miraculoso das próteses. Enfim, o hipogenitalismo, a impotência ameaçadora constituem alertas tanto mais convincentes quanto se fundam na genitalidade. Infelizmente esta enumeração não é restritiva e constitui tantos sinais, que constituem graves feridas narcisíacas e uma série de humilhações difíceis de superar. O declínio do organismo pode tomar, aos olhos do indivíduo que o suporta valor depreciativo de tal modo que este, aterrado, apreende de um golpe de vista toda a extensão do seu campo vital. De todas as dimensões temporais é sem dúvida o futuro que é no fundo a única verdadeiramente indispensável à vida, e cada um de nós, se tivesse de definir-se, fá-lo-ia não em função do que é, do que deve ser ou do que faz mas do que pode fazer ou daquilo em que pode vir a tornar-se.
Vemos decerto também pessoas que se contentam muito tempo só com estas possibilidades, em que o sono desempenha um pouco o papel duma garantia de ouro; embora roubada à circulação, a sua plenitude benéfica, tanto quanto repousa na sua integridade dourada, basta para fundar uma economia confiada às únicas virtudes quiméricas do papel-moeda. E não há dúvida absolutamente nenhuma que estas energias latentes se acomodam tanto melhor ao silêncio no qual as guardamos, que deviam procurar, para se fazer luz na espessura do mundo, mais hábitos confortáveis e principalmente no que respeita constrangimentos secretos…
Também ninguém duvida de que a iminência da exclusão, na medida em que a idade, vindo infelizmente pôr um ponto final definitivo a promessas incertas, não os leve a endurecer ou a precisar-se… ou a metamorfosear-se em exigências e reivindicações urgentes.
Este fenómeno de «descompensação» na meia-idade, duma situação conflituosa até então equilibrada, tanto no bem como no mal, está longe de ser excepcional. A idade vem praticamente pôr fim a todas as possibilidades de evasão, arruinar o segredo da esperança de um triunfo mais deslumbrante, duma promoção que não poderia senão conferir ainda um sentido aceitável a uma existência monótona e medíocre; donde as tentativas efectuadas neste período da vida para «constranger os entraves» e aproveitar os recursos que ficaram por utilizar: no plano erótico, a «crise da meia-idade» e a esperança de refazer a vida que se salda frequentemente em lamentáveis fracassos; no plano profissional é a exigência de uma consagração, dum grau, duma distinção que constituem o reconhecimento implícito de um valor pessoal desconhecido.
Se não for a nevrose, a depressão sofre como que um «desenlace» ou um último combate «agónico» para este indivíduo em perda de velocidade. Concomitantemente às desordens endócrinas e neurovegetativas, próprias desta época, um mecanismo afectivo análogo que se apoia à partida numa insatisfação profunda intervém na origem de disfunções caracteriais (irritabilidade, susceptibilidade, irascibilidade). O retorno a si, o egocentrismo, a ruminação morosa constituem igualmente um destes aspectos psicológicos; o declínio orgânico é vivido como uma depreciação; a limitação das possibilidades do indivíduo, a contracção do campo de actividade, a queda do potencial energético, a esclerose progressiva dos processos de adaptação conferem uma tonalidade de insegurança fundamental à vida psíquica do indivíduo colocado face a face com os problemas do envelhecimento.
O interesse arrisca-se então a alhear-se do mundo exterior e a concentrar-se nos problemas puramente pessoais: perda de simpatia por tudo o que não toque a apertada esfera das preocupações íntimas respeitando o próprio corpo e o funcionamento dos seus diversos órgãos; o aparelho digestivo, o trato genital (vertente hipocondríaca); a astenia física e intelectual (vertente psicasténica).
Esta crise biológica e psicológica que o indivíduo atravessa na meia-idade comanda uma adaptação urgente às condições novas que surgem então. Para um certo número, o problema encontra de improviso uma solução adequada e assim fica realizada esta «serenidade outonal» de que falava MARANON. «Porque é que outros falham nesta tarefa?», «Porque é que não querem ou não podem aceitar a necessidade desta adaptação sem esse combate que constitui a nevrose?» (OWEN.)
Encontra-se assim comprometida uma dupla probabilidade problemática: por um lado, a da constituição pré-mórbida e a fatalidade das predisposições; por outro lado, a dos factores mesológicos que permanece na zona de eficácia acessível à higiene mental. Aqui, as tendências ainda se chocam, desde o conceito de rigidez de TITLEY, apoiado nas descrições horoscópicas dos diferentes traços de caracteres subordinados ao determinismo fatal das predisposições, até à tendência FENICHEL, psiquiatra da orientação sociológica que coloca o acento nos factores do meio e proclama que toda a higiene mental seria vã sem se propor primeiro uma reforma da sociedade. Defendendo que a higiene mental deve combater nas duas frentes extremas da psicanálise e da sociologia, insistiremos particularmente nos factores históricos e peristáticos que parecem oferecer uma melhor tomada de acção.
Não podemos dissociar do estudo da sua personalidade os dados tirados da história de um indivíduo e do meio no qual vive. Para além de que a escolha deste meio e certos acontecimentos desta história poderem também constituir para o psicólogo índices de valor, há factores que contribuem evidente e poderosamente para a elaboração das disposições pessoais e não é mistério para ninguém que existe entre o sujeito e o «meio que o cerca» uma relação dialéctica muito estreita. A tomada em consideração destes dados também se revela rica de ensinamentos, quando se trata de compreender o mecanismo das depressões involutivas.
A enumeração destes factores não deve estar contida numa espécie de invólucro de causas extrínsecas, não podendo a análise do processo pretender uma redução do conteúdo susceptível de desvalorizar a noção de pessoa e a de «constituição» revalorizada pela afirmação dos valores intrínsecos. Mas a designação dos factores extrínsecos não se faz sem escolha, dado a selecção privilegiada deste ou daquele factor altamente revelador de certa timidez ou de certa complacência. Poderemos em breve orientarmo-nos em duas direcções: o terreno extraprofissional e o terreno «intraprofissional».
Factores reaccionais (fora do trabalho).
Enquanto que o organismo vê acelerar perigosamente, na meia-idade, o esboroamento do seu potencial de resistência e das suas capacidades de adaptação, os acontecimentos susceptíveis de afectar estes mecanismos parecem ao contrário multiplicar-se sob os seus passos, e o que LEVY-VALENSI chamava a «menopausa moral» corresponde infelizmente a uma mui cruel ordem de factos:
- As separações conjugais tardias constituem um factor de agitação importante numa idade em que as perspectivas de procriação são, de uma maneira assaz violenta, postas entre parêntesis, em que os fenómenos de escape são considerados como um acidente ou como uma vergonha, alvos de mofa ou reprovação de grupo; o casal terá de instalar-se num regime novo que lhe proporcionará uma nova série, tanto de oportunidades como de riscos não negligenciáveis de rotura. E o abandono desperta os sentimentos de insegurança, de desvalorização, de inferioridade, o que é profundamente doloroso. Não intervém unicamente pela simples mágoa que provoca: é de facto a própria existência da vítima que abala, põe em questão e contende com o problema de adaptação que se coloca então com expressões como as seguintes «A vida perdeu o sentido…», «Já não tenho qualquer objectivo… «Para quê…» que resumem para o futuro a sua interrogação, como se a queda na solidão fosse suficiente para desvendar toda a vaidade dos cometimentos corporais. Alguns retomarão um equilíbrio muitas vezes precário, enquanto que outros não serão capazes de fundar a sua existência em bases novas, numa idade em que do simples ponto de vista social é já tão difícil «refazer a vida».
- Os lutos, a viuvez, a morte de um filho, muito embora os desmoralizem em certas condições, no que concerne o prisma da culpabilidade e da expiação, não são, em geral, factores de abandono voluntário, valor de veredicto ou de decadência.
O falecimento de outros membros da família, dos pais idosos em particular, empresta-lhes um estado de abatimento que os leva, com todo o gosto, a uma espera para se deixar morrer, desempenhando a plena maturidade dos descendentes papel análogo
A depressão atinge sempre a confusão do indivíduo frente ao desabamento maciço dos seus horizontes usuais. Aparece, para empregar a terminologia de GOLDSTEIN, como uma «reacção catastrófica» de um organismo incapaz de realizar, em presença de um círculo profundamente desordenado na sua estrutura existencial, uma nova «norma individual».
- Ficaremos surpreendidos ao vermos situar o casamento dos filhos no mesmo plano, de tal modo é frequente ver esta emancipação desorganizar a vida afectiva dos pais, não por o afastamento do filho ser sinónimo de um enfraquecimento do laço afectivo mas por uma transformação qualitativa desta relação. E por pouco que esta relação seja mais ou menos nevrótica, o marasmo engendrado pela deslocação pode revelar-se difícil de ultrapassar.
- Não podemos fazer o inventário de todos os acontecimentos dolorosos que podem marcar a meia-idade, quer estes sejam sociais (doenças, intervenções cirúrgicas, acidentes), ou sociopáticos (conflitos judiciais, processos, pendências fiscais, de alojamento, etc.…).
Donde a importância da mudança de domicílio, dos deslocamentos, dos desenraizamentos: apego ao quadro costumeiro e ao valor onírico da casa (G. BACHELARD) explicam que um evento tão inofensivo como uma muda de domicílio possa ter como consequência, no mais íntimo do ser desarreigado, uma tal perda de substância que irá rasgar uma cicatriz que perdurará para sempre dolorosa e, para além disso, nunca conseguirá aclimatar-se debaixo dos novos céus ou nos grandes conjuntos.
Estes doentes aderem de todo o seu coração às paredes que viram primeiro rebentar as suas alegrias e as suas mágoas e, depois, acalmarem-se e de certo modo estes muros, à força de os frequentar passaram de algum modo a integrá-los, a ligar-se à sua própria carne – e é esta «melhor parte» que aí deixam quando as necessidades da existência os constrangem a eleger o domicílio em qualquer outro lugar.
E é sintomático e assaz pertinente o modo como o deprimido de cinquenta anos sente a mudança: como se fora um carro fúnebre transportando o seu corpo.
A alma, essa, mantém-se fiel aos seus penates e recusa-se, bem entendido, a seguir o enterro.
Factores profissionais.
Há ainda duas tendências que podem fazer divergir a análise factorial: há os que põem o acento no trabalho em si, na realidade concreta, objectiva do trabalho e os que se obstinam em provocar tensões interindividuais e fenómenos de grupo no seio da empresa.
Um facto que se nos afigura fundamental e parece destacar-se na revolução do trabalho moderno, é a intelectualização do trabalho. Os economistas falam da terciarização das tarefas. Em relação ao objecto fabricado, intervém uma distância cada vez maior entre quem comanda e aquele que executa. Já se não manipulam objectos, mas símbolos: algarismos, guias de marcha, desenhos, quadrantes, fichas perfuradas (quanta «papelada» quantos símbolos). A actividade está cada vez menos em relação directa com o material a transformar, distancia-se pelo automatismo, exerce-se «multiplicando-se caudalosomente». A velha distinção entre os trabalhadores manuais e os outros tem tendência para diminuir, porque aqueles hão-de ser cada vez menos: assistimos ao desenvolvimento na indústria, da classe dos técnicos e dos «mensais» (45 a 50% da mão-de-obra em certas indústrias). A síndroma da neo-adaptação atinge os que não puderam suportar o preço desta intelectualização do trabalho. Temos de incluir também os quadros, os dirigentes, porque o seu trabalho evolui com maior rapidez do que a capacidade de o acompanhar e porque à partida havia talvez uma insuficiência de equipamento, de quadros dirigentes. Assim, os dois terços dos quadros superiores (63,5%) não levaram os seus estudos para além do diploma elementar e apenas uma minoria fez estudos superiores (7%).
A massa dos outros encontra-se confrontada a um nível de exigência exorbitante, de um esforço de adaptação à era industrial, de realizações em tempo recorde. Muitos não podem fazer frente a esta neo-adaptação com as suas exigências cada vez maiores de tecnicismo, de nível de aptidão, de eficiência, de responsabilidade, de selecção, de promoção (REQUET). A uma actividade cada vez mais difícil juntam-se um trabalho nocturno, a luz artificial, os universos artificiais, o ruído, os horários sincopados, os três turnos de oito horas, o «transmuting» quotidiano que se alonga; o pavor de não estar à altura da tarefa que lhes compete, de não poder seguir o movimento, a preocupação de se subtrair à reprovação do grupo, permite-lhes afundar-se na nevrose do álcool, na revolta, na depressão, na degradação, na vagabundagem. Vamos encontrá-los na prisão, entre os sem-abrigo, no hospital psiquiátrico. Aí, naqueles para quem a meia-idade terá sido a última da vida, é que vamos avaliar a dissipação pavorosa que a indústria faz em vidas humanas.
Ao nível do grupo teremos de estudar as atitudes prevalecentes das companhias e das empresas no que diz respeito aos trabalhadores em vias de entrar na meia-idade. Trata-se, mais frequentemente, de uma atitude ambígua que vai do fenómeno de rejeição do indivíduo incapaz de se adaptar mais, até ao fenómeno de integração, passando por toda uma série de gamas intermediárias. Estas variações são igualmente função da idade das empresas. O fenómeno da rejeição afirma-se naturalmente como o preço desta revolução industrial, mais silenciosa e muito mais mortífera do que a primeira, pela brusca elevação do seu nível de exigências e pela intolerância ao desvio (fenómeno de rejeição do «desviante» da Escola sociológica americana).
A indústria fará cair nas trevas do exterior, rejeitando-os, os que não puderem acompanhar as exigências do ritmo moderno e adoptar-se-á então uma política de renovação com remoçamento do efectivo, política que deu provas na era intermediária do operário indiferenciado e que se acomodava à permanência de um «turn-over» importante. Mas permaneceria um passivo inassimilável, abandonado às diversas formas de decadência sociopática, e em particular entregue ao álcool, encarregado de queimar os destroços.
É possível aproximar este fenómeno centrífugo, próprio de uma certa era industrial ao fenómeno de restabelecimento do adolescente. No século passado a criança foi demasiado cedo assimilada pelas fábricas e pelo fundo das minas, pois que sob a monarquia de Julho, uma lei deveria interditar o trabalho das crianças com menos de 8 anos e ser limitado a 12 horas por dia o trabalho das que tivessem menos de 12 anos. Hoje em dia, na era de protecção da criança e do adolescente, foi particularmente incrementada essa protecção, mesmo com as implicações que comporta para o empregador, afastando por largo período o adolescente da fábrica onde só poderá entrar após o serviço militar. Retidos fora da órbita de integração da fábrica, e demasiado numerosos para encontrar lugar em centros de formação técnica, os adolescentes passam a ser confiados à rua, a pequenas profissões artesanais caducadas e aglomerando-se finalmente em bandos de «blusões negros». Nesta perspectiva, o trabalhador chegado à meia-idade sente profundamente a pressão centrífuga que se exerce sobre ele, fazendo-lhe crescer a insegurança; agarra-se desesperadamente para evitar o licenciamento. Não poderá permitir-se a mínima falha que seria logo pretexto para este.
Mas ao inverso do movimento de rejeição, a indústria moderna organiza-se de um modo centrípeto, propondo uma política de hiperintegração do pessoal. A automatização constitui uma forma revolucionária de organização do trabalho, destruindo a tendência tecnológica da dispersão das tarefas (era do operário especializado) e esforçando-se por sintetizar o processo de produção.
Assistimos a uma especialização cada vez maior das empresas, mas que recorrem a técnicas globais e a meios mais específicos. A automação cria unidades de produção menos importantes: redução da área de implantação, redução da massa de pessoal e dois elementos importantes de integração abrem caminho: por um lado a superespecialização, o trabalhador deve reaprender o seu ofício em função das técnicas próprias da fábrica; torna-se então altamente qualificado dentro da empresa mas inutilizável noutros lados; por outro lado, a mudança de estrutura do salário, que tem tendência a evoluir para a funcionarização: para além do tempo de presença pago, o salário comporta uma parte variável e já se não fundamenta no trabalho individual, mas numa repartição entre a produtividade geral da empresa e o posto ocupado pelo operário (Serge MALLET Estudos Do C.N.R.S.). Assim, o trabalhador está cada vez mais condenado à empresa; adquire a convicção de que dali para o futuro lhe será impossível arranjar emprego; do mesmo modo, a empresa fica igualmente condenada ao seu pessoal porque o mercado de mão-de-obra diminuiu, dado o trabalhador ter deixado de ser interpermutável. Segundo a idade da empresa, a situação do trabalhador de 45 a 65 anos conhecerá importantes variações. As velhas empresas serão facilmente tolerantes no que concerne ao seu pessoal mais idoso. Com efeito, perderam todo o poder atractivo no que diz respeito a mão-de-obra jovem, tendo como causa a sua estagnação económica e a manutenção dos salários tradicionais; paulatinamente, pessoal e empresa envelhecerão juntos e acabarão juntos. A nova indústria toma posição no que diz respeito ao pessoal jovem mas estará igualmente interessada prioritariamente na estabilidade do seu pessoal e renunciará à evicção prematura e à aceleração do fenómeno da reforma, salvo no caso de ser ultrapassada pelo processo de destruição resultante da elevação muito rápida do nível de exigência.
Entre estes dois extremos industriais, encontraremos toda uma gama de situações da estrutura socioeconómica que desencadeará toda uma série de sentimentos de insegurança patogénicos. O higienista mental do trabalho deve compreender, em função de todos estes incidentes diversos, os problemas peculiares dos trabalhadores de meia-idade; a crise individual própria do climatério obriga o indivíduo a reorganizar-se sob um regime novo que lhe confere aliás uma nova série de oportunidades. Deverá saber distinguir entre certos deprimidos asténicos nos quais uma quebra de trabalho inoportuna se arrisca a favorecer o refúgio na doença, na abdicação, na instalação na dependência e no parasitismo da segurança social; e outros deprimidos que crêem demasiado nas suas forças comprometidas e que não ousarão parar o trabalho como se alguém lhes estivesse a espiar os mínimos sinais de fraqueza para os licenciar. Os primeiros deverão ser protegidos. Deverá prever -se para eles, não um avanço na idade da reforma, mas a possibilidade de se retirar por uns tempos, de fazer uma «pausa» para deixar passar a crise e permitir-lhes adaptar-se às melhores condições na penúltima idade da vida.
Dr. R. GENTIS,
Médico dos Hospitais Psiquiátricos.
CAPÍTULO X
Os recursos e o domicílio do idoso
No mundo actual, é cada vez mais difícil para os velhos das cidades encontrar, não só um «estilo de vida» adequado, mas mesmo muitas vezes, os meios de viver decentemente. Philomène Magnin, conselheira geral do Departamento do Rhône, conselheira municipal de Lyon, esforçou-se bastante para trazer até nós o fruto da sua experiência e um apanhado dos empreendimentos que ganharam corpo sob a sua égide. De modo nenhum será nada de extraordinário considerá-los como modelos do género e achámos por bem dar deles notícia directamente ao leitor.
O progresso da Medicina bem como da Higiene, ao aumentar a duração da vida, tornaram possível um prolongamento da vida activa.
Mas acarretaram necessariamente problemas, não só demográficos como económicos e sociais; problemas que não podem ser inteiramente resolvidos por meios financeiros (ajuda ou reforma), nem por possibilidades de trabalho, mas por uma política geral que inclua, na vida de um país, a totalidade da sua população.
O que é sinónimo de dizer que as perspectivas de trabalho das pessoas de idade não estão separadas das condições de existência: meios de vida e habitat.
Tudo isto se encontra interligado… As reformas insuficientes não podem substituir os salários. A situarão de M. T. vai ilustrar o nosso objectivo.
M. T., moço de trabalho, 78 anos, aufere um salário mensal de 400 francos novos. Cessa a actividade profissional já que as suas forças já não lhe permitem assegurar o emprego. Durante os meses necessários à liquidação da pensão – de sete a oito aproximadamente – não recebe qualquer espécie de indemnização. Depois desta espera (e a vida não pára neste intervalo…) o montante da reforma passará a ser de 100 a 200 francos novos por mês.
Por conseguinte, após uma vida de labor, este reformado tornar-se-á «economicamente débil». Para não morrer de fome, ver-se-á na obrigação de solicitar o benefício de diferentes abonos da assistência. Uma ou duas vezes por ano, poderá receber um pacote alimentar e não raro em condições que realçam mais o papel dos organizadores do que a dignidade dolorosa dos beneficiários.
Deus do Céu! O caso de M. T. não é único. Testemunha a angústia da maior parte dos assalariados quando chegam ao limiar da actividade profissional, principalmente no que respeita à diminuição dos recursos com a óbvia consequência de um grande número de preocupações materiais.
O progresso económico e social gera inerentemente exigências sociais. A actividade do trabalhador é um dos elementos deste progresso. Não é pois nada de mais que possa receber a contrapartida, ou seja, os meios normais de vida e muito especialmente na última etapa da sua existência, que para muitos representa actualmente 1/5 ou ¼ da totalidade da sua vida.
Teremos, assim, de fazer um cômputo do número de velhos:
No dia 1 de Janeiro de 1958, as pessoas de idade com mais de 65 anos perfaziam 5.115.000 e as de mais de 60 anos 7.296.000.
De acordo com os seus recursos essenciais, podiam ser classificados em três grupos:
1º. grupo: Auferindo menos de 60 NF por
mês: 1.446.400.
2º. grupo – Com menos de 90 NF por
mês: 995.000
3º. grupo – Auferindo menos de 135 NF
por mês: 1.183.00. (109)
Para atenuar estas insuficiências de rendimento, alguns economistas pensam que o prolongamento da vida deve ser encarado.
Este ponto de vista não deixa de ir de encontro a grandes dificuldades, tanto do lado dos dirigentes de empresa como do dos assalariados.
Os dirigentes de empresa, querendo organizar os seus métodos de trabalho, as suas técnicas, os seus problemas comerciais que lhes são peculiares, só contratam pessoal jovem. Reservam na maioria das vezes as suas ofertas de emprego a quadros com menos de 35 anos.
Preocupados com o rendimento máximo do equipamento técnico, procuram utilizar o pessoal apenas no período de maior eficácia.
De uma maneira geral parece que a resistência das empresas ao emprego dos trabalhadores de uma certa idade se faz com tanta mais frequência quanto a produção se encontra normalizada, com as cadências de produção encadeadas e no máximo do rendimento.
Por um lado, os assalariados calculam que o prolongamento da actividade para além da idade da reforma normal teria como consequência contrariar o avanço dos jovens; por outro lado, como futuros beneficiários duma reforma, entendem que irão desfrutar na idade prevista duma pensão que muitos reconhecerão ser muito insuficiente. Como modo de suprir as necessidades mais essenciais procurarão então um outro emprego.
Pedir aos Franceses para recuar a idade da sua actividade é, decerto, ir ao encontro dum movimento que, desde os primórdios do século se traduz sem cessar por um redução da idade da reforma.
Se a idade de 40 anos pode ser escolhida como «charneira», a idade de 60 anos pode ser encarada como a idade média em que o homem deveria normalmente passar dum plano de plena actividade para outro de actividade reduzida. A habilidade e a competência de trabalho não devem ser avaliadas apenas segundo a idade cronológica, devemos levar em conta o vigor e o espírito de iniciativa.
Os homens são muito diferentes entre si. As tarefas que lhes são confiadas são uniformemente pesadas. Um determinado indivíduo, aos 60 anos conserva ainda a plenitude das suas capacidades profissionais; um outro, cuja vida profissional envelheceu prematuramente, está, aos 50 anos, inapto a prosseguir a sua actividade.
Alguns podem adequar a vontade à sua actividade e prolongar esta, segundo as suas possibilidades físicas, até a uma idade avançada, sendo para eles uma ocupação.
Exemplos: camponeses, artífices, afiliados das profissões liberais.
Em contrapartida, outros economistas são de opinião que, uma idade de reforma idêntica para todos deveria dar lugar à procura de uma solução no sentido de um trabalho de transição que teria em consideração a idade fisiológica de preferência à idade cronológica.
Esta mutação permitiria transferir mais substancialmente a parte da receita nacional reservada aos reformados entre as únicas pessoas de idade que já não podem trabalhar. A solução actual consistiria em dar a todos aqueles que ultrapassassem uma certa idade ou as doenças impedem de trabalhar, uma remuneração insuficiente, parece-lhes visivelmente inadaptada.
Pela parte que me toca, penso que se deve fixar uma idade de reforma. A organização do trabalho não permite apreciações submetidas a revisões constantes ajustadas às condições do momento.
Os poderes públicos, de acordo com a organização sindical, devem:
Prosseguir a sua acção com a mira numa verdadeira política da mão-de-obra e, no domínio da Segurança Social numa reforma no domínio das pensões de velhice; generalizar por todo o lado a medicina do trabalho cujo objectivo é a prevenção e o combate à doença e desgaste biológico prematuro.
Encarar a criação de um serviço de «conselheiros» do trabalho, colaboradores do médico, afim de ajudar o trabalhador a passar progressivamente da sua actividade normal a uma actividade reduzida através de uma reclassificação de acordo com a idade.
Algumas empresas desenvolveram já certos serviços para os trabalhadores cuja idade já não lhes permita um rendimento intensivo:
- Trabalhos sedentários de escritório.
- Trabalhos manuais leves que não necessitam nem de boa acuidade visual nem de agilidade dos dedos.
- Trabalhos dispensando a postura de pé.
- Suavidade de horários, mesmo meio-dia de trabalho de ocupação.
É na medida em que estas possibilidades tenham sido utilizadas ao longo de toda a sua vida de trabalho que o prolongamento da actividade profissional poderá ser assegurado em condições humanas.
A cessação far-se-á por etapas, levando em linha de conta o desgaste físico e de actividade profissional exercida. A passagem à reforma não terá de ser brutal, a largada da vida de labor, ou seja a partida das obras, do estúdio ou do escritório far-se-á sem brusquidão, já que o trabalhador se foi habituando a uma vida de repouso.
Não repouso «inactivo», mas actividade apropriada às sua possibilidades que é o que todo o ser humano ambiciona.
*
O Dr. CARREL escrevia: «o lazer é ainda mais perigoso para as pessoas de idade do que para os jovens. Àqueles cujas forças declinam, devemos dar um trabalho apropriado mas nunca o repouso.»
A ocupação para a pessoa idosa deve ser a satisfação de uma necessidade, a realização de um móbil profundo, de trabalhar ainda para si, para os seus, para a sociedade. Uma ocupação em prol do interesse da pessoa e fértil no resultado, contribuirá para a conservação da confiança em si mesma.
Todavia, a vida do idoso não deve ser apenas preenchida pelo trabalho apropriado às suas capacidades mais ou menos reduzidas, deve reservar momentos de distensão e divertimento em sua casa ou dos amigos.
Convém assinalar que a mulher se adapta com maior docilidade ao fim das suas actividades profissionais. As suas ocupações de dona de casa dominam e o seu ritmo de vida adapta-se ao envelhecimento. Será que é aí que mora o segredo da sua vitalidade? … As estatísticas revelam-nos que a proporção é de três mulheres para um homem...
Mas para poder assegurar à pessoa de idade possibilidades de ocupação que consideramos como uma terapia para o seu envelhecimento é absolutamente necessário que o habitat assegure um mínimo de conforto.
Na falta da família, os Poderes Públicos têm obrigação de criar à volta da pessoa idosa uma rede de cuidados e protecção. É imbuído deste espírito que o Sr. Ministro da Saúde Pública na sua circular de 18 de Janeiro de 1960 dirigida aos Prefeitos e Directores Departamentais da Saúde e da População sublinha: «O problema da acção social a favor das pessoas de idade reveste em França uma actividade muito particular, tanto devido ao número marcante de franceses que atingiram a idade de 60 anos, como à penúria de recursos de que dispõem.
» Levando em conta a importância qualitativa e quantitativa das necessidades, importa não descurar nenhuma forma de intervenção: apoio domiciliário, cuidados médicos, etc.…
» A manutenção ao domicílio far-se-á com tanto maior facilidade quanto mais diversificados forem os serviços a que as pessoas idosas possam recorrer, os quais virão atenuar as dificuldades que naturalmente possam encontrar no plano moral ou material.
» O apoio domiciliário não poderá evidentemente exercer-se se os idosos não dispuserem de alojamento adequado. No que a este quesito diz respeito chamo a atenção para as diferentes possibilidades oferecidas que darão oportunidade às pessoas idosas de usufruir de um alojamento individual que corresponda às suas carências. »
Estes alojamentos/lares apresentam, sob o ponto de vista social, um duplo interesse. Vão permitir, por um lado, agregar a estes acolhimentos alguém responsável, fazendo parte do grupo que aconselhará frutuosamente os habitantes; por outro lado, os serviços anexos constituirão um verdadeiro Centro Social de que poderão beneficiar os velhos do bairro.
Estes serviços devem compreender:
Um restaurante, serviço de apoio doméstico e cuidados domiciliários, um centro de actividades culturais e manuais bem como uma pequena enfermaria possibilitando a presença de uma enfermeira e a realização de visitas médicas regulares.
Este equipamento colectivo representa um mínimo que poderá, felizmente, ser completado com serviços diversos a preços módicos, tais como centro de lavagem de roupa interior, cuidados de pedicuro, massagens, banho, duches.
Lyon possui um imóvel contendo este conjunto de serviços. Em contacto quase permanente com os utentes dos alojamentos bem como com os utilizadores dos serviços colectivos, posso afirmar que, após experiência de dez meses de funcionamento, este agregado de serviços corresponde em pleno às necessidades das pessoas idosas.
Dois exemplos: A Sr.ª V. de 87 anos. O seu antigo domicílio compunha-se dum pequeno quarto em águas furtadas num 6º. andar. Havia 5 anos que uma fadiga cardíaca a bloqueara no apartamento. Há quinze meses que usufrui dum apartamento confortável na casa-lar. O seu estado de saúde melhorou notoriamente pela retoma de contactos com a vida do bairro: poder fazer os seus recadinhos, discutir com os comerciantes, foram outros tantos elementos que lhe permitiram readquirir uma saúde melhor. Recamadora de ornamentos de igreja, restabeleceu os seus préstimos para pequenos trabalhos de que faz os desenhos.
Para outros serão reparações ou tomar conta de crianças. Para os homens, trabalhos de bricolagem, de escrita (mais fácil para um trabalhador manual do que para um empregado, donde a necessidade dum passatempo na juventude); receber os amigos, levá-los a apreciar o conforto (o calor no Inverno), as plantas cultivadas no interior da loggia como as crianças que recebemos com prazer num quadro de «juventude»; estar ao abrigo do isolamento tão temido; ter a segurança de cuidados em caso de doença; sentir à sua volta uma presença afectiva, um pouco de calor humano; beneficiar de condições de habitat normal; libertar-se das preocupações materiais que se tornam pesadas à medida que os anos aumentam…, são condições essenciais que irão permitir à pessoa idosa interessar-se por um pequeno trabalho.
O trabalho durante a velhice deve ser uma ocupação e um meio de assegurar a sua existência material.
Após uma vida de labor, a sociedade beneficiária tem a obrigação de assegurar aos trabalhadores condições de vida normal.
Deve:
Não excluir do mercado de trabalho homens que, na posse das suas forças e capacidades, possam dar a sua contribuição para a vida económica do país.
Através de condições de trabalho apropriadas, ajudar o trabalhador a preparar a sua reforma.
A exemplo das Casas de Infância criar, em cada sector importante da habitação, a Casa da Pessoa Idosa. Esta casa, com os seus serviços colectivos, acolherá, ajudará e ocupará as pessoas idosas e os isolados.
Ph. MAGNIN
CAPÍTULO XI
A sociedade e os velhos da «gerontocracia» no «apoio aos idosos»
Ao aumento numérico de pessoas idosas corresponde em todas as sociedades modernas a mesma série de problemas no que diz respeito à sua manutenção: alojamento, higiene, trabalho e lazer. Quanto à composição da população francesa, ninguém ignora a acuidade com que estas questões se colocam entre nós.
M. Arnion, Inspector Divisionário da População, a dirigir há muitos anos os serviços de um dos departamentos mais importantes de França, pôde confrontar as necessidades quotidianas com a cadeia regulamentar. Homem experimentado e de acção, propõe-nos soluções razoáveis, por vezes audaciosas.
Serão decerto tomadas em consideração pelo leitor e irão decididamente incitá-lo à reflexão.
Desde o aparecimento dos seres humanos à face da terra que as leis da natureza os condenam a envelhecer e que as necessidades que lhes são inerentes os obrigam a viver em comunidade: seja qual for a duração da vida dos homens e as formas diversas das suas relações sociais, a posição dos velhos no seio da sociedade representa um problema que ultrapassa a variedade das soluções que nela puderam ser introduzidas.
Não cabe no nosso âmbito analisar, no passado, a natureza destas soluções que necessariamente diferem segundo a estrutura e o grau de evolução da sociedade: como para as sociedades primitivas, orientadas para a guerra e para a caça, o velho representava um fardo de que era normal desembaraçarem-se quando as suas forças chegavam ao termo; como nas sociedades mais evoluídas se cedeu um espaço importante à experiência, às tradições, à memória dos acontecimentos passados, bem como dos costumes de que o idoso é o portador, e como esta função, já terciária, lhe proporcionou respeito, consideração e honras; como certos regimes sociopolíticos reservaram, assim, às pessoas de idade um lugar eminente no seio dos Conselhos dos Anciãos, dos Gerontes, dos Senados ou dos Sacro Colégios; como puderam essas mesmas sociedades gerar verdadeiras gerontocracias de que a história do Papado ou da República de Veneza nos oferecem sem dúvida os melhores exemplos; como, em planos mais modestos, as estruturas patriarcais e agrícolas ofereceram ao velho um quadro particularmente adaptado.
Tais análises são da competência do historiador e do sociólogo. A sua importância apaga-se no entanto frente à amplidão inteiramente nova de que o problema das relações da sociedade e dos velhos progressivamente se revestiu na época contemporânea.
Dois fenómenos concomitantes e convergentes devem ser aqui evocados:
A revolução «demográfica», cuja consequência a longo termo foi o envelhecimento geral das populações, aumentou consideravelmente a proporção das pessoas idosas no próprio momento em que a «revolução industrial» dissolvia as estruturas agrícolas e familiares tradicionais, particularmente favoráveis aos idosos. As sociedades contemporâneas vêem-se assim confrontadas com um número acrescido de pessoas idosas precisamente na altura em que se encontravam menos aptas a acolhê-las.
O mais surpreendente do facto é o atraso no tempo na tomada de consciência de tais problemas e suas soluções racionais: a gerontologia é uma ciência ainda muito recente e é difícil, quando as instituições e os costumes se constituíram em bases viciosas, recuperar o tempo perdido e corrigir os hábitos.
O fenómeno intrínseco do desenvolvimento das populações é agora bem conhecido. Das duas causas que podiam explicá-lo, baixa da natalidade e diminuição da mortalidade, parece, após os trabalhos de SAUVY e de BOURGEOIS-PICHAT, que a primeira seja até ao presente a única responsável e que não poderíamos confundir os dois fenómenos de envelhecimento e de longevidade. O prolongamento da vida é um fenómeno biológico feliz, o envelhecimento um fenómeno social temível resultante de um desequilíbrio numa proporção.
Sabemos igualmente que o envelhecimento representa agora um fenómeno geral e mesmo a França, triste precursora da diminuição da natalidade, foi também a primeira a conhecer as maiores manifestações deste envelhecimento. A Grã-Bretanha, a Alemanha, a Bélgica, a Suiça e a Suécia não estão longe de nos igualar e sem dúvida de nos ultrapassar. A proporção das pessoas de mais de 60 anos que excede os 16% em França também não é inferior a 14 ou 15% nos países da Europa ocidental – excepção feita para os Países Baixos e Portugal – e Estados Unidos. Teremos de nos voltar para o Japão ou para a Rússia para encontrar taxas muito mais diminutas, representando mais ou menos metade da taxa francesa (110).
Estas taxas não adquirem aliás em pleno todo o seu valor se não seguirmos a sua evolução. A Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos duplicaram, a partir de 1900, a proporção da população com mais de 60 anos, passando de 7 ou 8% a 14 ou 15%. Em França, onde o fenómeno é mais antigo, tínhamos já 12% desde 1881 e perto de 10% em 1851; tiveram de transcorrer cem anos para se registarem 60% na proporção das pessoas idosas, numa altura em que a população total não registava um aumento para além de 20%.
A França apresentou pois, no desenrolar deste fastidioso processo, um avanço muito sensível que se vai atenuando progressivamente mas que lhe permite oferecer um campo de experiência, particularmente típico para o estudo dos problemas do envelhecimento.
O fenómeno não está ainda de modo nenhum concluído: podemos prever para 1980 uma proporção de 17 a 18% de indivíduos de mais de 60 anos e devemos esperar aumentos muito mais significativos para o grupo dos indivíduos com mais de 65 anos ou dos de mais de 80. No que diz respeito a este último, que corresponde aos «grandes idosos» cuja carga é particularmente pesada para a sociedade, sabemos que a sua proporção entre a população francesa muito mais que triplicou desde 1851 e que em 10 anos há-de sem dúvida ter quadruplicado (111).
Enquanto aumentava assim a proporção das pessoas idosas entre a população francesa, a proporção global dos adultos permanecia quase estacionária, sendo o aumento da percentagem de velhos a contrapartida da diminuição dos jovens. Donde resulta o que constitui ponto essencial – um grave crescimento da carga de velhos em cima das pessoas activas: em 1851, contava-se em França 5,4 adultos em cada grupo de 7 idosos; em 1947 eram apenas 3,3; em 1980 iremos contar, na melhor das verosimilhanças, 3 adultos por cada idoso.
Há ainda um outro fenómeno de que nos devemos lembrar: o desequilíbrio constatado entre os sexos. Contamos, entre as pessoas de idade, mais mulheres do que homens e este desequilíbrio cresce com a idade: por volta dos 60 anos e dos oitenta a proporção entre mulheres e homens é de 3 para 2 e 2 para 1 respectivamente. Esta situação que se tem acentuado em França pelo excesso da supermortalidade masculina apresenta um carácter geral. Vem ainda complicar o problema da carga de velhos, pela razão pura e simples de que o número de mulheres de idade susceptíveis de providenciar parcialmente às suas necessidades através de uma actividade remunerada, é substancialmente inferior ao dos homens.
Tais são portanto as consequências da revolução demográfica: é fácil avaliarmos o número. Mas será mais difícil pôr em prática as ilações daí inferidas, que impõem à sociedade esta transformação de estrutura, no momento em que a revolução industrial privou os velhos dum quadro natural que a economia agrícola de tipo familiar ainda há bem pouco tempo lhes podia fornecer. Neste tipo de economia, o idoso tinha a possibilidade de encontrar, com efeito, actividades profissionais multiformes, facilmente adaptadas às suas possibilidades. Aí encontrava também, graças à solidariedade familiar e à estrutura económica das empresas agrícolas, meios de subsistência correspondentes às suas necessidades vitais. Os problemas de alojamento, de cuidados correntes e circunvizinhança afectiva eram geralmente resolvidos sem dificuldade.
O conjunto das necessidades económicas, sociológicas e psicológicas dos velhos podia assim ser satisfeito razoavelmente e só em medida de excepção lançava mão da intervenção da colectividade.
A dupla revolução que evocámos modificou de uma maneira global estes dados. Os três problemas: do trabalho das pessoas idosas, dos seus meios financeiros de subsistência e das condições práticas de existência transpuseram o quadro individual ou familiar para incidir na sociedade afim de serem encontradas soluções de carácter geral.
Nesta exposição, o leitor terá pois oportunidade de saber o modo como a sociedade procura completar estas tarefas novas, os erros, as hesitações, as tentativas, as insuficiências que marcaram essas experiências, as orientações racionais a ser apuradas à volta destes três pontos.
*
Toda a generalização concernente às pessoas idosas se revela perigosa, com especial relevância quando se trata das suas actividades profissionais. A população idosa é essencialmente heterogénea; comporta grupos de idades fisiológicas muito diferentes e consequentemente de aptidões marcantemente diversas. Tal como DARIC chamou a atenção para o facto, «o problema de emprego para os trabalhadores idosos não existe, a bem dizer em si mesmo mas em função da idade desses mesmos trabalhadores. (112)». Estas verdades elementares devem estar presentes no espírito quando nos preocupamos com estes problemas.
É lamentável que não tenham inspirado com maior veemência os poderes públicos ao regulamentarem neste sector.
Que cada indivíduo possa encontrar, em função das suas aptidões, uma actividade que seja útil à colectividade e que, simultaneamente, lhe forneça meios de sustento, tal é evidentemente o ideal para que qualquer sociedade deveria tender. Um tal sistema não poderia, a priori , excluir os indivíduos idosos pura e simplesmente devido à idade, no caso de ansiarem por uma laboração que sejam capazes de conservar, mesmo por reduzida que seja, e que lhes convenha.
A economia agrícola familiar, já o dissemos, preenche facilmente estas preocupações. A nossa sociedade industrial contemporânea ainda não.
O próprio aumento da proporção das pessoas idosas devia contudo ser elemento dinamizador desse objectivo: ninguém poderá subsistir na inércia a não ser através de uma taxa sobre o produto do trabalho das pessoas activas. Na medida em que a velhice se torna sinónimo de inactividade, o envelhecimento da população será necessariamente um imposto. Para suavizar estas consequências, evitando uma diminuição geral do nível de vida, a única solução terá forçosamente de assentar num plano económico, no incremento da produção. Utilizar da melhor maneira e num período de tempo o mais dilatado possível as possibilidades profissionais dos indivíduos que envelhecem, constitui o meio mais sólido de lhes assegurar, para já e no futuro, convenientes meios de subsistência.
Motivos mais individuais podem ainda ser invocados: a conservação de uma certa actividade revela-se indispensável ao bom equilíbrio psicológico do homem, muito especialmente do homem em vias de envelhecer.
Foi Alexis CARREL que escreveu: O lazer é ainda mais perigoso para os velhos do que para os jovens. Àqueles cujas forças declinam devemos dar um trabalho apropriado. Mas não o repouso (113).» Mais concretamente as estatísticas revelam taxas de mortalidade mais elevadas entre os inactivos que entre os trabalhadores (abstraindo, já se vê do facto dos doentes crónicos aumentarem o número de inactivos). Há quem dê como fundamento da maior longevidade das mulheres o facto dos trabalhos domésticos continuarem a ocupá-las em qualquer idade (114).
Estas noções elementares têm tomado, de alguns anos a esta parte, um encaminhamento assaz profícuo, de que são uma manifestação típica as jornadas de estudo organizadas em Bonn, em Outubro de 1958, pelo Departamento de Assistência Técnica da O.N.U. (115).
De facto, a proporção de pessoas idosas que conservam uma actividade profissional é muito mais importante do que geralmente se pensa: 70% dos homens trabalham ainda aos 65 anos; 60% aos 70 anos e mais de 45% aos 75 anos. De uma maneira global, 54% dos homens de 65 anos e mais detém em França uma actividade profissional. Esta percentagem era de 46% em 1947 nos Estados Unidos onde o sector da agricultura é menos importante que em França, donde resulta uma taxa de actividade mais importante nos sectores industriais e de, aproximadamente 65% em Inglaterra. (116)
Esta tendência – prova-o o exemplo dos Estados Unidos – não fará senão acentuar-se: trata-se pois menos de a provocar do que de a normalizar. O prolongamento de facto das actividades das pessoas idosas produz-se muitíssimo frequentemente, com efeito, à margem das condições económicas normais: trabalho de escravo, acumulação abusiva de funções, salários anormalmente baixos, etc.
Numerosa pesquisas têm sido levadas a cabo neste área, nomeadamente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. São muito encorajadoras pelo que revelam de aptidões insuspeitadas da parte dos trabalhadores idosos. Não só estes últimos manifestam menos absentismo, mais estabilidade e menos propensão para acidentes profissionais que os jovens; não somente ultrapassam os colegas nas actividades que necessitam experiência, avaliação, cuidado, regularidade, paciência e economia; mas constatou-se ainda que a aptidão de muitos trabalhadores nos trabalhos pesados era muito mais elevada do que se pensava e que a adaptabilidade a novos trabalhos, se é que se atenua bastante cedo na vida profissional, não diminui de modo sensível nas idades avançadas (117).
O principal handicap das pessoas idosas reside no ritmo de trabalho: adaptação de horários e de duração do trabalho comprovam-se indispensáveis para eles.
De tais estudos já se chegou a resultados concretos nos Estados Unidos: é a General Electric Company que decide nivelar a repartição por idades do seu pessoal com a da população geral, reservando 40% dos empregos para indivíduos com mais de 40 anos; é Henry Ford que, para uma das suas fábricas contrata 200 operários com mais de 50 anos entre os 700 que recruta; é determinada convenção colectiva que impõe às empresas com mais de 10 operários a proporção de um trabalhador com mais de 55 anos para 10 trabalhadores utilizados (118).
Na Suécia, país que apresenta o mais belo exemplo europeu de realizações a favor das pessoas idosas, um Comité permanente composto de médicos especialistas e de representantes das organizações profissionais dedica-se exclusivamente ao estudo das soluções que permitam manter no trabalho, após a idade de reforma, todos aqueles que o desejarem (119).
Será necessário acrescentar que a França, não obstante os trabalhos do I.N.F.D. e da Alliance Nationale contra o Despovoamento pouco progrediu neste sector? As hipóteses malthusianas estão ainda bem vivas e encorajadas por regulamentações anacrónicas; a reclassificação profissional das pessoas de idade suscitou fraca iniciativa e, o que é ainda mais grave, uma idade limite de contratação, entre os 45 e os 50 anos, está muito vulgarizada. Uma circular de 10 de Outubro de 1956 do Ministério do Trabalho, convidou os Inspectores do Trabalho a promover uma acção pessoal junto dos chefes de empresa com a finalidade de combater os abusos. Mas a sua eficácia parece não ter tido grande impacto e o movimento actual da recessão fornece um novo pretexto à persistência de soluções pouco racionais.
O que é verdadeiro em relação às aptidões das pessoas de idade no âmbito das profissões manuais, é-o mais ainda no concernente às actividades apodadas de «intelectuais».
A experiência quotidiana prova a que ponto as capacidades do espírito são independentes da idade. Já não contam os estudos estatísticos, muitas vezes um tanto pitorescos, que pacientes pesquisadores realizaram neste domínio.
Este descobre na história milhares de nomes de homens célebres cuja actividade intelectual era iminente numa idade avançada; outro esforça-se por determinar a idade média em que grandes homens trouxeram a sua obra capital à luz do dia, situando-a acima dos 50 anos para a maior parte das disciplinas; outro ainda, em 1936, calculava a idade média em que se evidenciaram 400 pessoas eminentes nos Estados Unidos, sendo de 50 anos para os médicos, os cirurgiões, os homens de Estado, os filósofos, os historiadores, os juristas e os naturalistas; ainda mais outro calculava que a idade média dos membros da Academia das Ciências dos Estados Unidos, no momento da sua eleição tinha passado de 41 anos em meados do século XIX para perto de 52 na época actual. Enfim, houve quem demonstrasse que a proporção de homens de mais de 60 anos nas profissões liberais passou em França, de 8,2% em 1906 para 15,8% em 1936 (120).
O fenómeno é especialmente marcante no sector público: vejamos só a idade dos quatro chefes de Estado quando da última guerra, o que talvez nos leve a reconhecer que a gerontocracia não é exclusivamente um fenómeno do passado. Este envelhecimento dos quadros tende aliás a transpor o domínio do poder político para se alargar ao da economia. A complexidade crescente dos problemas a resolver exige «managers» experimentados capazes de estimativas sintéticas tal como anunciava Pitkin em 1937 na sua obra «A Vida Começa Aos 40 Anos », «quanto mais difíceis forem os problemas a resolver , tanto mais importantes serão as pessoas capazes de a eles se consagrar, graças à sua idade (121) e maturidade». Sabemos aliás que esta preeminência das pessoas idosas nas instituições do novo mundo não é facto único do sexo masculino. As mulheres com mais de 60 anos desempenham igualmente o seu papel que alguns começam a considerar abusivo.
Temos no entanto de sublinhar que a manutenção ou o acesso de pessoas de idade a postos de comando não representa sempre um momento favorável, quando o fenómeno resulta de situações de facto e não de selecção. O envelhecimento da nossa economia francesa não se fez sem relação com o envelhecimento da população e o fenómeno é particularmente sensível no sector agrícola que possui chefes de exploração duma idade média mais elevada e cuja indispensável renovação se encontra seriamente debilitada (122).
Para a maioria das pessoas idosas as funções de conselho são mais normais que as funções de direcção. O próprio PITKIN, que já citámos, o reconhece: «a América tem necessidade urgente de um conselho de pessoas idosas. Mas nenhum idoso deve ser governador, senador, burgomestre ou director de polícia. São as pessoas novas e ágeis que devem preencher esses cargos. Mas, no entanto, devem ser facultados aos jovens conselhos experimentados (123).»
O Alto Comité Consultivo Francês da População e da Família adoptava o mesmo ponto de vista no seu relatório de 1955 «pedindo que os trabalhadores intelectuais chegados a postos elevados consentissem em aceitar, quando ultrapassassem uma certa idade, um emprego onde já não tivessem, como antes, funções de direcção (124).»
Soluções deste género reduziriam consideravelmente um dos obstáculos essenciais à elevação do limite de idade: a blocagem dos postos de direcção em detrimento dos jovens. . SAUVY e DARIC propuseram, para o efeito, a criação de postos «fora da hierarquia» que salvaguardassem ao mesmo tempo a situação adquirida, tanto material como moral e o ensejo de progressão para os mais jovens. «Poder-se-ia conceber assim um limite de idade para os lugares de comando com a possibilidade, depois, de lugares de experiência (125).»
Numa altura em que se acentua o movimento espontâneo do prolongamento da actividade das pessoas idosas, logicamente paralelo ao prolongamento da duração da vida, a maior parte dos países modernos são detentores de legislação concernente à idade da reforma que coincide mais ou menos com esta evolução.
A fixação da idade de reforma pode apresentar duas tonalidades bastante diferentes: trata-se o mais frequentemente de uma idade mínima, a partir da qual somos susceptíveis, em determinadas condições, de beneficiar de uma pensão. A atribuição da pensão é frequentemente subordinada à cessação da actividade profissional anterior mas o interessado tem a liberdade de adiar esse momento. Tal é a concepção que preside ao regime geral de segurança na velhice da Segurança Social; este regime apresenta aliás a preciosa vantagem de comportar a majoração das pensões a favor dos assalariados que prolongam a sua actividade. Mas esta idade mínima de abertura do direito à pensão pode estar compulsada a uma idade máxima para além da qual o interessado é automaticamente desligado dos quadros. Tal é em França o regime dos funcionários e análogos.
Este segundo sistema, com o rigor que comporta, é gerador das mais graves anomalias, confundindo abusivamente idade cronológica – idêntica para todos – e idade fisiológica, essencialmente variável segundo os indivíduos. Qualquer que seja o sistema adoptado terá, normalmente, de ser estabelecido em função da estrutura demográfica da colectividade de que se trata. E é essencial que um número razoável de pessoas activas compense a inactividade das que se reformaram, facto que, precisamente, possibilita à U.R.S.S., onde as pessoas idosas não representam mais do que 7 a 8% da população total, fixar a idade da reforma entre os 50 e os 60 anos; é igualmente o caso dos países da América Latina, onde o envelhecimento é pouco acentuado, e que pode ser antecipada para os 55 anos. Inversamente, a Dinamarca, a Suécia, a Noruega, o Canadá, a Irlanda, que conhecem um envelhecimento já muito avançado, fixam esta idade entre os 67 e os 70 anos; a maior parte dos países da Europa e os Estados Unidos fixam a cifra nos 65 anos.
Um exemplo típico é o da Dinamarca onde a legislação de 1891 previa a outorga da pensão a partir dos 60 anos e que retardou a idade tanto para os homens como para as mulheres para os 65 e 67 anos respectivamente (126).
Em contrapartida, a França que possui ainda a população mais difícil do mundo, pratica o paradoxo de manter a idade de reforma, que deveria ser reservada a populações com largos efectivos de jovens adultos, frequentemente por volta dos 60 anos e mesmo, para certos regimes especiais, em 55 ou até 50 anos. A incoerência deste sistema foi demonstrada por SAUVY e VINCENT nos estudos que levaram a efeito em 1940 «sobre as idades de reforma equivalentes». Donde se infere que, para qualquer país, é possível assegurar uma retirada paralela com igual cotização e que, por conseguinte, a situação demográfica deveria conduzir o Francês a reformar-se três, cinco e nove anos mais tarde do que o cidadão Suíço, o Americano ou o Soviético respectivamente. Para apreciar as consequências do nosso sistema, não é supérfluo lembrar que, com a reforma aos 60 anos, temos em França uma proporção de 1 reformado para três trabalhadores no activo e que esta passa para 5,4 com a reforma aos 65 anos e para 9,2 quando esta se efectiva aos 70 anos (127).
É-nos forçoso constatar até que ponto os maus hábitos estão arreigados à opinião pública. Independentemente da reacção violenta que levanta qualquer projecto de cálculo das idades de reforma, podemos referir-nos a duas sondagens conduzidas pelo Instituto Nacional de Estudos Demográficos em 1946 e em 1955 (128). Estes dois inquéritos revelam não só um desconhecimento total da realidade dos problemas, como o de 1955 que manifesta um agravamento das posições em relação a 1946. Na verdade, 72% das pessoas interrogadas em 1959 eram francamente hostis a uma elevação de 5 anos do limite de idade contra 41% em 1946. A perspectiva de um aumento de idade, acompanhado de uma subida de metade do montante da reforma, não deixaria de arrastar ainda a hostilidade de 56% das pessoas interrogadas em 1955 contra 28% em 1946. Semelhantes atitudes são pouco estimulantes e devem inspirar muita modéstia a todos aqueles que, há vários anos se esforçam por iniciar o público nas realidades demográficas e económicas que comandam o problema da velhice.
*
Ao analisar a idade da reforma, transcendemos o problema para abordarmos já um segundo, o que as pessoas idosas colocam às sociedades contemporâneas: o dos seus meios financeiros de subsistência.
SAUVY chamou a atenção para a evolução deste problema que, esquematicamente, poderia ser decomposto em três fases (129):
A fase patriarcal, durante a qual a compensação dos cargos era assegurada no próprio seio do agregado familiar.
A fase capitalista individualista que substitui a compensação familiar por uma compensação no tempo com o mecanismo de poupança individual.
E enfim, a fase social, com o sistema da repartição permanente dos cargos no seio da colectividade.
Não é de todo supérfluo sublinharmos aqui que se o sistema de poupança individual foi afectado pelas depressões monetária sucessivas, não constitui por si mesmo senão uma das consequências do envelhecimento da população. Por um destes círculos viciosos cujas realidades sociais e económicas são consuetudinárias, a inflação, meio de facilidade pelo qual a França acreditou ter pago o custo do seu envelhecimento, deu como resultado aumentar mais ainda os encargos da colectividade pelo peso dos velhos, frustrados na sua poupança, e de suscitar por essa via ainda mais progressos inflacionistas.
Triste experiência que teve, pelo menos, o efeito de revelar o carácter falacioso das chamadas soluções individuais. As distinções tradicionais entre regime de capitalização e de repartição são apenas artificiais. . Como SAUVY e DARIC frisaram bem, «a subsistência dos velhos não pode ser assegurada senão por uma taxa sobre a produção dos adultos (130)».
Seja qual for o sistema adoptado – quer se trate de uma capitalização individual ou colectiva ou de um regime de repartição, sob a forma de segurança ou assistência, – o montante dos abonos é função da relação entre o número de idosos reformados e o dos adultos activos, por um lado, e da sobretaxa sobre cada adulto por outro lado. Se quisermos renunciar à solução de fuga que a inflação representa, o aumento de velhos reformados pressupõe, ou a diminuição do montante da pensão, subsídio ou rédito, ou o aumento das cotizações ou dos impostos sobre os produtores.
Por não ter aceitado estas duras verdades, a França responde o pior e o mais incoerentemente possível às necessidades vitais das pessoas idosas.
Qual é a estimativa destas necessidades? 95% das do adulto, a acreditar no parecer de BEVERIDGE. Num mínimo de 70% das necessidades de um adulto, segundo os estudos franceses mais moderados, estando de resto subentendido que estas carências são superiores às dos adultos no que respeita os «mais idosos» que não podem viver sós e necessitam frequentes cuidados médicos, o que leva certos países estrangeiros como a Dinamarca, por exemplo, a aumentar o quantitativo das pensões a partir dos 80 anos (131).
Em 1956, o professor DELORE avaliava em 212.400 fr. por ano o rendimento mínimo necessário para cobrir as necessidades de base de um velho (132). Ao mesmo tempo, uma sondagem do I.N.S.E.E. revelava que os dois terços das pessoas com mais de 65 anos, a viver sós, possuíam recursos inferiores a 200.000 francos e o terço restante não atingia os 100.000 fr. (133).
Estas proporções não têm nada de invulgar se nos referirmos aos plafonds de recursos que presidem a muitos dos nossos regimes de apoio aos idosos.
Para atribuição do abono aos velhos trabalhadores assalariados, e as gratificações suplementares do fundo de solidariedade para as pessoas sós, que atinge 3 milhões de pessoas, foi criado um fundo de 201.000 fr. para atribuição de abono especial aos não-assalariados num total de 300.000; existe um plafom de apenas 170.000 fr. que desce para 86.400 fr. quando se trata da atribuição de apoio social a 120.000 pessoas.
Tais cifras sugerem poucos comentários, a não ser para sublinhar as profundas desigualdades que sobressaem entre categorias diversas de reformados. Calculou-se que, em 1953, a pensão média do regime geral da Segurança Social não ultrapassava os 47.957 fr. para as profissões não agrícolas e 35.272 fr. para as profissões agrícolas; que era de 82.668 fr. para a marinha, de 93.208 fr. para os mineiros, de 124.108 fr. para os agentes da S.N.C.F., de 160.728 fr. para os militares de carreira, de 183.985 fr. para os funcionários do Estado e de 186.125 fr. para os agentes da Electricidade de França, ou seja uma variação que atinge o quíntuplo (134).
Ao todo, o montante das diversas reformas, pensões ou abonos, atribuídos aos assalariados elevava-se a 239 biliões em 1949, 580 em 1954 e 840 em 1957. Os 580 biliões de 1954 representavam, segundo o Ministério do Trabalho, 4,21% do Produto Nacional Bruto e, segundo o Alto Comité da População e da Família, 5,8% do total de rendimentos nacionais divididos entre os particulares (135).
Actualmente, se levarmos em linha de conta os não assalariados, será uma soma anual de 900 milhões que é, assim, distribuída por 5.800.000 pessoas. Repartido de maneira uniforme entre os interessados, este crédito permitiria abonar 180.000 fr. por ano aos solteiros com mais de 65 anos e 300.000 fr. aos casais (136).
Esta solução igualitária iria evidentemente ao encontro de tradições bem estabelecidas e de direitos adquiridos muito respeitáveis de que os regimes denominados especiais são os beneficiários. Esses regimes abrangem um pouco menos da terça parte dos pensionistas mas absorvem mais de metade dos fundos atribuídos às pensões: trata-se dos funcionários civis, dos militares, dos agentes das colectividades locais, dos ferroviários, dos mineiros, dos empregados do Estado, dos agentes da E.D.F. e do Gás de França.
Uns e outros apresentam esta dupla característica de beneficiar de pensões mais elevadas que os outros reformados e principalmente de estarem sujeitos a limites de idade particularmente baixos. O desequilíbrio demográfico que daí resulta para estas diversas categorias tem como consequência inelutável aumentar consideravelmente a parte do Estado no financiamento e cotizações dos interessados que, fixadas num período de equilíbrio, não vão além de uma proporção cada vez mais frouxa das somas necessárias.
BOURGEOIS-PICHAI tinha calculado em 1950 que se a onerabilidade do regime geral de Segurança Social não fosse além dos 10% em dez anos, o aumento seria de 47% para os ferroviários, de 57% para os mineiros e de 138% para os funcionários (137).
Viciada, desde a base pela instituição em certos sectores de idades de reforma muito mais antecipadas, o nosso sistema francês é, assim, caracterizado por uma extrema complexidade, resultante de escrúpulos jurídicos que transformam em ficção instituições primitivamente imparciais e que terminaram na bizantinice, senão no absurdo.
Como estamos longe dos sistemas pragmáticos das «pensões nacionais de velhice» postas a funcionar na Suécia e na Dinamarca! Nestes dois países todo o indivíduo, ao atingir os 67 anos, tem direito a esta pensão tenha ou não cotização anterior. Se se tratar de um isolado, a pensão vai até cerca de 160.000 francos por ano na Suécia e 220.000 na Dinamarca; para um casal anda nas proximidades dos 260.000 francos na Suécia e 340.000 na Dinamarca. Estas pensões são atribuídas segundo tabelas de tectos absolutamente liberais e, na Suéc ia, sem hipótese de recurso onde, aliás são incluídos no montante das pensões vários suplementos para a ampliar até 270.000 e 400.000 francos. Os níveis destas prestações explicam-se facilmente se ajuntarmos que os limites fixados na Dinamarca se reduzem a 6% de pensionistas em relação à população total contra 13% em França (138).
No nosso sistema francês, nem mesmo o essencial, isto é, a ajuda indispensável aos indigentes, se encontra assegurada. Enquanto a situação cada vez mais trágica de certos velhos sem recursos pessoais e sem família teria apelado nestes últimos tempos para uma política selectiva em seu favor, pelo aumento das possibilidades da Assistência tradicional, optou-se, com a instituição do Fundo Nacional de Solidariedade, pela solução demagógica de um abono suplementar abrangendo 3 milhões de pessoas: as mais carenciadas continuam assim isoladas no seu tecto irrisório de 81.600 francos por ano enquanto que os 300.000 francos de gratificação suplementar são largamente oferecidos a pessoas idosas cujos recursos são infinitamente superiores.
Para os mais miseráveis, só lhes resta a solução da admissão num hospício.
Por falta de 100 mil fracos de abono suplementar para a sua manutenção no domicílio, a colectividade é, assim, obrigada a despender 250.000 ou 300.000 francos afim de os manter em meio colectivo.
Chegamos assim com muita frequência a utilizar estes estabelecimentos como meios supletivos de uma ajuda financeira ao domicílio mais económica, quando deveríamos reservá-los para as pessoas idosas cuja condição física ou situação familiar lhes interdita toda e qualquer vida independente.
Tal é com efeito o 3º. problema com o qual a sociedade moderna se defronta no concernente às pessoas idosas: ajudá-las a satisfazer o melhor possível as necessidades não financeiras nos domínios do alojamento, da assistência, dos serviços domésticos, do lazer, do equilíbrio psicológico, etc.
Estas necessidades diversas encontram a sua situação mais cómoda no quadro familiar, quer se trate do próprio lar das pessoas idosas ou do dos filhos. Uma sondagem conduzida em 1949 pelo I.N.S.E.E. revelava apenas 3% das pessoas de mais de 65 anos a viver em estabelecimentos colectivos; 77% viviam em sua própria casa, da qual 43% eram os proprietários; 43% viviam em casa dos filhos (139).
Estas cifras têm a sua similitude com as dos inquéritos ingleses e americanos que mostram proporções de 73 e 74% para as pessoas idosas a viver no seu próprio lar e de 2 a 4% para as que vivem em instituições colectivas. Esta última percentagem alarga-se aos 7% no quadro de um inquérito feito em Bâle em 1953 (140) Um outro inquérito levado a cabo pelo I.N.S.E.E. em 1956, em bases um pouco diferentes, mostrava 55% de pessoas idosas a viver só ou com o consorte e 38% a viver com os filhos (141).
Estas cifras revelam, no entanto, apenas uma parte das situações reais. Se nos lembrarmos que 38% dos idosos vivem com os filhos (14% dos mesmos domiciliados com eles), não teremos por isso de concluir daí que esta situação seja sempre aceitável. É frequentemente imposta por contingências exteriores como insuficiência de alojamento ou de recursos. Se as pessoas de idade retiram desta coabitação vantagens evidentes, os inconvenientes que daí resultam para a família dos filhos não deixam de ser, em contrapartida, bastante espinhosos. O presidente da União Departamental das Associações Familiares do Norte, por ocasião das jornadas de estudo organizadas em 1953 pela Aliança Nacional contra a desertificação, traçou um quadro sombrio das dependências inerentes a tais situações – e o testemunho defensor das estruturas familiares não pode parecer suspeito: não podemos encorajar nem conformar-nos com soluções generalizantes que, na maioria das vezes, podemos traduzir por «do mal, o menos». A evolução da estrutura familiar não é já compatível com a coabitação permanente das gerações (142).
Do mesmo modo, não nos deixemos iludir pela percentagem importante de pessoas idosas a viver em sua própria casa. Mesmo quando os velhos são proprietários do seu alojamento – e, graças à contribuição do sector agrícola, vimos que a percentagem atinge os 43% – não quer dizer que se adapte ás suas necessidades. Todos os inquéritos feitos na França, na Suécia e na Inglaterra fazem salientar que o alojamento das pessoas idosas é, por via de regra, nitidamente inferior ao dos adultos da mesma categoria social. Por vezes, em França, este alojamento pouco confortável é, ao mesmo tempo, muito vasto, concorrendo assim a crise de alojamento e a legislação de arrendamento para a manutenção das pessoas idosas em alojamentos que já lhes não interessam. As soluções racionais tornam-se impossíveis e os velhos, por seu turno, não se preocupam em trocar um alojamento demasiado grande por um apartamento mais pequeno que lhes custaria muito mais dinheiro.
Vários países estrangeiros resolveram airosamente este problema do alojamento dos idosos: na Suécia, na Dinamarca, na Grã-Bretanha, nos Países Baixos, na Suiça, a construção de habitações de alugueres baixos ou moderados, destinados às pessoas de idade de recursos limitados imbrica-se nos programas gerais de construção e, para este efeito, reservam-se o rés-do-chão e os primeiros andares. (143).
Entre estes alojamentos individuais e os estabelecimentos colectivos clássicos, provendo a todas as necessidades dos velhos, muitas fórmulas intermediárias se multiplicam. Baseiam-se fundamentalmente na combinação de alojamentos autónomos e de serviços colectivos mais ou menos desenvolvidos: serviços de cuidados sanitários inspirados no «home care» inglês, serviços domésticos centralizados ou ao domicílio, restaurantes, lavandarias, bibliotecas, salas de reuniões ou de jogos, clubes culturais, oficinas de bricolagem, etc. A Bélgica, os Países Baixos, a Suécia, a Dinamarca, a Inglaterra, a Suiça, fornecem vários exemplos destas diversa fórmulas que conciliam o respeito pela independência das pessoas idosas com a necessidade de as desembaraçar de certas tarefas demasiado difíceis ou de lhes assegurar uma vida social indispensável.
A França não foi excepção nestas realizações e o desenvolvimento recente da legislação de auxílio social às pessoas idosas abre, neste domínio, amplas possibilidades: a instituição de abono compensador dos aumentos de renda de casa, a tomada a cargo das despesas de funcionamento dos lares/restaurantes, o financiamento dos serviços domésticos ao domicílio no que diz respeito a assistência médica, ou por expediente de majoração especial concedida em espécie aos velhos ou aos enfermos, ou a oficialização da fórmula dos alojamentos sortidos de serviços colectivos que podem derivar no compromisso de um preço diário – eis as numerosas inovações que, de 1953 a 1959 marcam um singular enriquecimento da nossa legislação e que devem suscitar múltiplas iniciativas (144).
No tocante a todas estas realizações, uma preocupação essencial deve impor-se: evitar toda e qualquer segregação das pessoas idosas, favorecendo, pelo contrário a manutenção de uma vida social normal na proximidade do seu meio de vida habitual. Esta preocupação preside a todas as realizações estrangeiras a que temos aludido. Foi evocada pelos representantes de todos os países no Congresso Internacional de Gerontologia realizado em Itália em 1957 (145)
Parece assim que a fórmula dos «trailer camps» nos Estados Unidos atrai numerosos idosos dos centros industriais para os locais encantadores da Florida ou da Califórnia onde vemos assim reagrupar-se em acampamentos bem equipados até 2.000 ou 3.000 rulotes de pessoas de idade (146)
Não parece no entanto que tais fórmulas se adaptem à psicologia dos velhos franceses que desejam continuar em contacto com as alegrias e tristezas da sua comunidade: uma sondagem levada a efeito em Paris junto dos reformados, deu como resultado que 70% não queriam por nenhum preço deixar Paris; apenas 2% desejariam instalar-se na província e 22% apenas aceitariam o facto mediante certas condições (147). A fórmula «aldeias de reformados», por mais sedutora que seja e cuja primeira concretização foi feita em Serres, nos Altos-Alpes, arrisca-se pois a chocar com o obstáculo deprimente da mudança e do desenraizamento, tão nefasto para as pessoas idosas.
É pois no quadro do seu bairro, da sua comuna, do seu cantão, que o velho deve encontrar o alojamento, a casa de repouso, o hospício e, se possível, o centro de cuidados que convém ao seu estado.
Em toda esta gama de realizações, um lugar deverá ser dado naturalmente aos cuidados de saúde necessários para as pessoas de idade. A sobrecarga de serviços hospitalares é uma das consequências do envelhecimento da população. Nos Hospícios Civis de Lyon, de 1952 a 1957, 30% dos hospitalizados tinham mais de 65 anos; a proporção é de 40% nos hospitais de Paris, onde os velhos representam 50% das diárias de hospitalização (148).
Esta situação, que é geral, suscitou medidas análogas na maior parte dos países: preocupações profiláticas, notoriamente pela melhoria das condições de alojamento e organização, serviços colectivos e desenvolvimento dos serviços de cuidados ao domicílio. Estas diversas medidas devem tender a evitar, sempre que possível, a solução de hospitalização cujos inconvenientes não são menores, tanto no plano psicológico como no plano financeiro. A criação de camas de enfermaria anexas aos conjuntos locativos ou às casas de repouso, representa uma situação intermediária adaptada ás afecções benignas. As estadias no hospital, quando indispensáveis, devem ser abreviadas e um cuidado articular conduzido na convalescença. A Inglaterra conhece, a propósito deste último ponto, casas de «meio-termo» especialmente organizadas para a readaptação dos velhos que saem do hospital. O problema dos doentes crónicos e dos enfermos apela para soluções mais clássicas; mas mesmo neste domínio, esforços de humanização são levados a cabo um pouco por todo o lado (149).
Se, no plano técnico, as pesquisas de geriatria deixam entrever largas perspectivas de melhoria, passa-se o mesmo no domínio psicológico, cuja exploração é ainda debutante. Que o velho apresente, sob este ponto de vista, problemas que merecem ser estudados sob o mesmo título que a psicologia da criança, é uma noção que começa a impor-se. Desde 1929 que em São Francisco havia uma consulta aberta, da responsabilidade de um psicólogo septuagenário, para pessoas de idade (150). A partir de então, um certo número de constatações elementares foi já destacado: encontram-se na base de diversas realizações colectivas de que um certo número de países pode orgulhar-se e que evocámos atrás.
*
As tarefas que se impõem assim às sociedades modernas, no atinente a pessoas idosas são numerosas e representam um pesado fardo. Há quem seja tentado a comparar estas responsabilidades e estas despesas às que dizem respeito aos jovens. Um congressista inglês do Congresso de Gerontologia de 1957, quis pôr em evidência a desproporção que existiria nos esforços realizados para com esta categoria social. A acreditar nisso, a parte, do rédito nacional inglês consagrado aos idosos, não se elevaria a mais de 11% contra 15% para os jovens e as despesas públicas inglesas não montariam a mais de 150 milhões de libras para estes (151). Aliás nem parece que a desproporção seja desmesurada em França onde as despesas de pensões de velhice são de um montante sensivelmente igual às despesas de prestações familiares.
Temos de considerar ainda que os debates são frequentes sobre a carga tanto dos velhos como dos jovens, e na parte que seria de todo vantajoso reservar para uns e para outros.
Tais debates, se forem levados demasiado longe, revelar-se-ão sem valor. Comparar velhos e jovens é esquecer uma verdade essencial, a da seriedade inelutável das gerações. A situação deplorável das pessoas de idade no nosso país é a consequência directa da diminuição da natalidade de ontem e a política familiar de hoje representa a melhor oportunidade dos idosos de amanhã.
O malthusianismo, voltado para o passado, pode oferecer uma aparência de segurança às pessoas idosas; mas é, em realidade, o pior dos inimigos. Como diz SAUVY, «para nos ocuparmos utilmente do destino dos idosos teremos de remoçar espíritos e métodos e, consequentemente, fazer com que a França seja animada de um espírito novo. Se os velhos sofrem hoje, é menos da própria velhice do que das nossas instituições (152).»
Será que a geração de adultos de hoje, sobrecarregada com o dobro do peso de velhos, mais numerosos, e por uma juventude que sobe, suporta ao mesmo tempo o fardo dos erros de ontem e a carga das esperanças de amanhã, por alguns anos ainda, numa posição desconfortável de que se não dá conta no dia a dia?
Mas, para citar ainda SAUVY à guisa de conclusão, «estes pequenos franceses com menos de 7 anos servem-nos e apoiam-nos. Já nos faltam poucos anos para vencer esse monstro horrível que é o malthusianismo e chegará então a altura de dar a cada um o seu lugar numa sociedade que, ameaçada por um fim lúgubre, decidiu subitamente viver (153).»
J.-M. ARNION,
Inspecteur Divisionnaire
du Service de la Population (Inspector Divisionário do Serviço à População.
CAPÍTULO XII
Espiritualidade da velhice
Os capítulos precedentes apresentaram a velhice nos seus aspectos psicopatológicos e mostraram os problemas sociais que coloca ao nosso mundo moderno. Mas sobra um aspecto desta idade da vida cuja omissão tornaria este livro incompleto, na perspectiva de pesquisa e de síntese que o «Grupo Lionês» se esforça por conservar. Há, na verdade, uma espiritualidade da senescência, igual, senão maior do que aquela que existe para a adolescência ou para a idade adulta.
Foi essa a razão que nos levou a pedir ao R. P. Corvez, O.P., a condescendência de laborar a conclusão deste livro que a solidariedade da ciência teológica e a altura das sua vistas espirituais nos autorizam a esperar. As páginas que se seguem, constituem elemento indispensável, o termo da «pesquisa» para a qual solicitámos o leitor de boa vontade.
Para falar da experiência da espiritualidade da velhice, seria talvez necessário que eu fosse mais avançado em idade. Mas, na verdade, tenho idade suficiente para aí pressentir certas riquezas e para pressagiar também os riscos e as deficiências. Mas não é, igualmente, de mim que se trata. Estaria no entanto muito à vontade para evocar frente aos leitores a vida espiritual do velho, sem no entanto marcar a diferença entre o que devia ser e a sua frequente realidade.
*
Se quiserem podemos começar pelas vantagens e benefícios. Numerosas advertências, tanto mais persuasivas quanto interessam cada vez mais à vida do corpo obrigando o idoso a dar-se conta de que já não está muito longe do termo da sua existência temporal. Esta tomada de consciência, que se torna cada vez mais concreta, viva, e algumas vezes patética, com os anos, inclina-se normalmente a melhor situar e hierarquizar os valores, a aprimorar e firmar o julgamento sobre a sua importância relativa. Muitas miragens se dissipam e as ilusões toldam menos o olhar. O sentimento da precariedade das coisas no tempo, dos seus limites e da sua insignificância, comparado ao Bem imenso que nos foi prometido, liberta o coração das paixões infantis e entrega-o ao que verdadeiramente merece ser vivido. Por termos feito tão pouco, quando contemplamos a eternidade, somos incitados a dobrar o esforço, a melhor preencher com o que é mais importante o tempo que ainda nos sobra. Se a sabedoria que o velho adquiriu lhe mantém o equilíbrio, se as suas perspectivas não se adulterarem, com elas perdurarão a estima e o amor dos bens que passam, mas os excessos, as imperfeições tendem a desaparecer e a permitir assim uma acção mais eficaz do valor supremo sobre as aspirações, as pesquisas e as realizações de uma vida terminal. Recordo-me de ter ouvido o P. Sertillanges dizer-nos que devia ter esperado por uma certa idade para saber, à tardinha, interromper o trabalho e concentrar-se singelamente neste, na sua duração e seus resultados, e na Providência. Esta influência, cada vez mais dominadora do fim último, que de nenhum modo significa rejeição ou condenação, mas integração e harmonia, engendra paz e serenidade. A paz é um efeito da justiça e principalmente do amor. Quando todas as coisas são ajustadas na verdade e na irradiação de um amor que, sem desconhecer os valores, faz com que tudo concorra para o seu progresso, a verdadeira paz interior, aquela de que fala o Evangelho, começa a existir e o velho fiel sente-se bem em breve para aí convidado. Inquieto, agitado, atormentado, o idoso seria uma espécie de fenómeno, uma criança grande curiosamente prolongada.
Não é difícil compreender que o pensamento da eternidade e da sua eminência – de uma eternidade onde o infinito se dispôs a esperar-nos – seja de natureza a reduzir as falsas apreciações vindas da nossa proximidade com as coisas e da fascinação que exercem em nós. O homem aliena-se facilmente, distrai-se do essencial pelo jogo das suas faculdades de que nos damos conta de que não estão solidamente harmonizadas. Mas o poder de sedução dos prazeres do momento debilita-se ao divisarmos uma grande ventura a perfilar-se no próximo horizonte.
Não dizia Bergson que «se tivéssemos a certeza de sobreviver, essa convicção tornar-se-ia para nós numa ideia fixa. Os prazeres persistiriam, mais velados e sensaborões, já que a sua intensidade se resumiria à atenção depositada sobre eles. Compará-los-íamos a uma lâmpada quando desponta o sol da manhã, de tal modo se veriam eclipsados pela alegria.» [(Les Deux Sources (As Duas Fontes), p. 143.]
Bergson exagera seguramente. Mas o efeito de purificação e de desengano é inegável. E tanto mais sentido quanto o valor da eternidade, que se avizinha pela meditação, se apresenta como a razão última de todo o valor que, em total abandono se apodera da sua própria bondade que, para além disso aceita o nosso amor apenas na medida em que esse amor se aproxima da bondade infinita. Mas, diremos, não será que a idade com as suas misérias nos retira interesses humanos, que o ideal espiritual não deixa no entanto de consagrar e nos coagir a promover?
E que a decantação passional leva, pela força das coisas, ao empobrecimento e consequente desaparecimento? A sensibilidade torna-se menos fresca, menos espontânea, a imaginação menos viva, o organismo deixa de responder com a mesma docilidade às instigações do espírito. São valores morais, ligados a este desdobramento humano insuficiente que vão encontrar-se comprometidos e, consequentemente, a própria vida espiritual do velho, já que moralidade e espiritualidade se condicionam mutuamente. É pois necessário reconhecer que o corpo e as potencialidades, acabando por enfraquecer, dão azo a que certas virtudes morais e principalmente as que são relativas à vida social, não possam doravante exercer-se na plenitude da sua densidade humana. Mas este dano irrecusável destroça o essencial da vida interior. Compete ao velho permanecer sensível a estes valores que já não pode traduzir, no seu comportamento, vivê-los ardentemente no seu coração e na sua vontade. A sua riqueza é a mesma em seu fundo e o seu mérito igual perante Deus.
Não podemos no entanto ignorar que o enfraquecimento do organismo não se manifesta unicamente por uma baixa do tónus sensível e pela redução das disponibilidades para a vida activa. Pode arrastar também uma espécie de desprendimento afectivo, de debandada, uma propensão para a emotividade. Este desregramento não é decerto imputável à vontade. O magnífico autodomínio sofre agora ofensas, eclipses mais ou menos penosos. Mas o fervor da vida moral não é atingido nem por isso diminuído. Um novo campo de acção se abre ao seu esforço. Seja o que for que aconteça sem nós, no nosso interior, quer seja por excesso ou defeito, a nossa personalidade moral não será ofuscada nem o nosso enriquecimento bloqueado.
Que diremos no entanto se o instrumento orgânico, acabando por se deteriorar, pusesse em causa a integridade das faculdades intelectuais? É claro que a vida espiritual, a sua intensidade, o seu desenvolvimento, reclamam o uso da liberdade. Na medida em que esse uso pode ser restrito pela deterioração do seu condicionamento corporal, o anelo da alma é então afectado pelo constrangimento, e a promoção interior abranda. Mas não nos iludamos. O amor de Deus e do próximo, lar íntimo e centro animador de toda a organização espiritual, permanece compatível com muitas ruínas psíquicas e psicológicas e pode entregar-se, até ao fim, às delicadezas da graça divina e seus convites para a transcendência.
Estas reflexões são inspiradas, vemo-lo nitidamente, pela preocupação de lembrar que, contrariamente ao que se passa na ordem da vida puramente sensível, não existe declínio para a vida inerente ao espírito. Mais concretamente, a vida de caridade, considerada nas suas estruturas e dinamismo próprios, e com todo o acompanhamento de virtudes infusas, tem por lei crescer constantemente e de o fazer tanto mais rapidamente quanto se aproxima, pela sua intensidade, mais do objecto e do termo do seu desenvolvimento. Pudemos comparar, com razão, a lei imanente da evolução espiritual à da atracção que os corpos exercem uns sobre os outros. Assim, Deus atrai a alma tanto mais poderosamente, quanto esta se aproxima mais Dele pelas dimensões da caridade. A graça divina não tem limites e a capacidade receptiva da alma também não; um amor maior já adquirido não pode senão dispor-se a bens maiores. O velho encontra-se então em posição mais favorável que a criança, ou mesmo o adulto – se encararmos nele o estádio, suposto mais perfeito, da vida espiritual que alcançou – para acentuar os seus progressos no amor sobrenatural que não é de modo nenhum um pequeno reconforto para aqueles que, vendo as forças orgânicas abandoná-los, poderiam temer que murchassem com elas o vigor espiritual e a sua aptidão para se desenvolver, sem apelo.
*
As fases de depressão e de exaltação física, bem como os conflitos e as crises da mesma espécie, não são senão, de algum modo, o aspecto material da vida moral. No interior destas vicissitudes, esta prossegue a sua própria história segundo uma lei de progresso que parece comandada pelos dois princípios seguintes:
1º. Quanto mais as dificuldades e as resistências ao esforço se desenvolvem, tanto mais a ocasião patenteada favorece a intensificação da vontade, causa do desenvolvimento da vida espiritual.
2º. A aceleração do progresso espiritual de que dissemos que aumenta cada vez mais, não se realiza por isso de uma maneira contínua e uniforme. De acordo com as leis gerais do crescimento da vida, há fases menos intensas de descanso e momentos de transcendência tornados possíveis pela virtude das fases de conservação e de preparação.
Consideremos agora alguns aspectos novos característicos da vida espiritual do velho.
Uma primeira coisa que impressiona nas pessoas idosas é a bondade. O velho é, por norma, bondoso. Pelo menos devia sê-lo. Uma vez esmorecidas as paixões egoístas, com a proximidade da bondade de Deus que se faz sentir melhor, é natural que a idade predisponha à benevolência, à compreensão, à indulgência. A miséria dos homens, a sua fraqueza, os seus impulsos de generosidade também, aparecem a uma luz mais brilhante porque nos desprendemos de muitas coisas, porque estamos menos comprometidos com as vicissitudes terrenas, e portanto menos ofuscados pelo que era outrora motivo de temor, tristeza ou cólera. Um velho duro e frio, exigente, demasiado severo, desconcerta-nos e angustia-nos: é uma anomalia. Mais unido a Deus, pacificado, liberto, o homem que soube envelhecer deve irradiar para o mundo alguma coisa da benignidade e da misericórdia divinas.
Mas é uma verdade evidente que a luta deve perenizar-se cá em baixo e que o nosso destino permanecerá ambíguo até ao fim, e no lugar da verdadeira bondade, que não é fraqueza, uma espécie de renúncia afectiva pode vir a instalar-se no coração do velho que já não sabe reagir, recusar, opor-se, quando necessário. É então pieguice, abandono, caricatura da autêntica doçura e refrigério do coração.
Se o velho ideal é pacífico, humano e bom, é também «prudente», isto é, acautelado em relação ao que lhe convém fazer ou não fazer, e capaz de modelar a sua conduta para tal conjuntura. A razão é a experiência que a sua longa vida lhe permitiu alcançar. Ultrapassadas agora as laboriosas investigações da juventude, as suas dúvidas e hesitações, os seus erros de julgamento, aquele que já viveu muito apercebe-se muitas vezes, e ao primeiro golpe de vista, das verdadeiras soluções práticas; «vê os princípios», dizia Aristóteles, e as suas consequências, o que significa que a partir de múltiplos dados experimentais, se familiarizou com o conhecimento intuitivo e quase imediato das verdades fundamentais que regem este ou aquele sector da vida humana.
Esta experiência é evidentemente preciosa em todos os domínios. A infelicidade é que ela se conjuga por vezes com uma união a formas prescritas com uma esclerose de espírito que detém as iniciativas e impede a renovação e a adaptação. Todos nós conhecemos destes velhos «desfasados». Ainda muito antes de lá chegarem que a juventude, irreverente e ignorante do respeito os baptizou com «bonitos» nomes como «arcaicos» e «velharias». Mas sejam quais forem estas mordacidades, é certo que muitos idosos se encontram desamparados em épocas de transição rápida, o que é de lamentar quando nos damos conta de qual deveria ser o seu papel junto dos timoneiros deste mundo. A felicidade destes homens, a alegria da sua paz íntima e da sua eficiência na vida moderna, não pode consistir senão numa grande liberdade concernente a certos valores, por devoção àqueles que devem subsistir e cujo amor deve continuar a inspirar novas matérias de ver, de sentir e de viver.
Sob o mesmo ponto de vista intelectual da espiritualidade da velhice, poderíamos sublinhar ainda o facto duma atracção do espírito para a profundeza e razão última das coisas, para a Sabedoria. Menos preocupados com os pormenores da realidade, porque menos solicitados pela acção exterior e também menos dotados de plasticidade orgânica afim de fixar as suas recordações, mais introspectivos pela experiência da doença e do sofrimento físico, os velhos orientam-se espontaneamente para os horizontes mais largos do pensamento, onde se resolvem os conflitos, se aclaram os mistérios e se alimentam os ardores íntimos. Sabedoria e contemplação, pensamento introspectivo e luminoso: parece que o velho se encontra colocado pela vida em condições psicológicas e morais mais favoráveis à cultura destes altos valores. Foi o sábio Joubert que escreveu: «O ocaso da vida transporta consigo a sua lanterna» e que observava também: «Há claridade no olhos dos jovens, nos olhos dos velhos há luz.»
Uma provação da velhice, muito comum para que possamos passar por ela em silêncio, é a solidão. Por mais que o idoso compreenda e queira compreender o seu tempo, é quase inevitável que se sinta um pouco deportado, um pouco à margem. A sua companhia é menos procurada, quando não é abandonada. Cada qual com seu igual. As diferenças vão-se acentuando cada vez mais. Para os outros, a alegria dos encontros e das colaborações fáceis, para ele o privilégio do isolamento e de alguma melancolia. «A solidão é a única beatitude», dizia Santo Agostinho. Oxalá que todos os velhos soubessem encantar-se com esta felicidade autêntica e condimentá-la com o sabor austero da indispensável paciência.
As características um pouco idealizadas que assinalámos até aqui: bondade e esterilidade, prudência, sabedoria e paciência, não nos dão da espiritualidade do velho senão, talvez, uma visão demasiado generalizante. Será possível inferirmos algo de mais específico, algum matiz, algum traço mais acentuado?
O traço principal da vida espiritual é Deus. E, neste aspecto, qual a atitude do velho? Qual a fisionomia da vida teologal? É-nos impossível responder a uma pergunta de tal gabarito já que, quantos velhos quantas maneiras de encarar a Deus. Somos frequentemente na velhice tal como o fomos durante a vida. Não há dúvida que temos de – felizmente – contar com os retornos e com as conversões e acabar, lamentavelmente, depois de haver começado em beleza. Podemos concluir que neste últimos dias iremos colher aquilo que semeámos durante o nosso tempo de vigor. Fomos fiéis ao nosso ideal? Segundo a dialéctica que comanda os acúmulos de vida sobrenatural já não deveríamos preocuparmo-nos demasiado em evitar o mal nem mesmo em adquirir ou cultivar as virtudes. Uma vez atingida a maturidade espiritual, a ocupação do velho deveria ser, de preferência, unir-se a Deus, ao Supremo Bem, «o amor do ocaso da minha vida», como lhe chamava Santa Gertrudes. Assim, por essa razão, a caridade encontra-se mais espalhada e, psicologicamente, é mais estimulada nas suas aspirações pela proximidade do objectivo final da existência.
Mauriac é bem mortificante quando nos fala «dessas férias eternas da velhice debutante», do «deserto da vida expirante», da «árida velhice» que, sozinha, se permitiria preferir verdadeiramente a Deus «pois que não há mais ninguém e não resta nada». Temos tudo para amar, mas de maneira diferente, melhor. O vazio que se cava em torno da velhice, não empecilha, mas pelo contrário, favorece o sussurro das presenças amadas, o interesse perseverante pelos grandes ideais que animam o mundo e o dinamizam para o seu destino.
Com o amor da caridade, a fé e a confiança sobrenaturais, hão-de ter podido lançar-se em pleno voo. «Eu já não creio, dizia o Pároco de Ars, vejo.» Um modo de falar que sugere a perfeição da crença. O medo servil cedeu lugar ao medo filial. Nesta linha de pensamento, e se admitirmos que a vida espiritual do velho representa um cume, ser-nos-ia muitíssimo fácil descrever os esplendores deste triunfo humano e divino. Simetricamente, pois que a graça estimulante de Deus não é a mesma para todos, e que, ademais, cada um responde à sua maneira, corajosa ou frouxamente, encontraremos na alma dos velhos um escalonamento diverso de disposições, cada vez menos perfeito no que concerne a Deus. Imaginemos, por exemplo, o abismo que separa, numa relação com esta justiça divina que o velho se prepara para enfrentar, o terror dos julgamentos divinos que invade a alma de uns, e a confiança tranquila de outros na misericórdia Daquele que amaram e que sabem soberanamente bom. Mas o que permanece típico, comum a todos os que se aproximam do fim, é talvez a acuidade e a gravidade dos sentimentos variados que a urgência de um encontro a que acabarão por ir, não deixarão, sem qualquer excepção, de sobrevir.
As perspectivas indefinidas a que nos arrastaria uma tentativa de pesquisa dos estados de alma da velhice no seu avizinhamento da eternidade, alertar-nos-iam mais claramente que não é tanto de descrição, em tal assunto, que se trata, como de uma evocação do que seria desejável, do que gostaríamos de encontrar no espírito e no coração do velho. Mas, e correlativamente aos graus tão variados onde cada um situa o seu mundo espiritual, haveria lugar para considerações intermináveis. O velho como tal e a velhice em si, não existem. Apenas no infinito existem velhos espiritualmente diferenciados. Reforçando o que acabámos de dizer
sucintamente no princípio, poderíamos pois contentar-nos em sugerir o que esperamos globalmente de quem aborda estas últimas etapas da vida mortal.
A aventura da vida chega ao fim. «Uma noite mal passada numa hospedaria», dizia Santa Teresa de Ávila; dom maravilhoso da existência, «festival perpétuo», tal como reza a Escritura onde S. Paulo nas suas provações rejubila intensamente de alegria. Os dois pontos de vista são decerto verdadeiros e conciliam-se no Alto. Oficina de almas, máquina de «fabricar deuses», segundo Bergson, cada qual encontra aí à sua vontade tudo o que espiritualmente almejou. O bem e o mal misturaram-se numa confusão que só a luz divina será capaz de destrinçar um dia. O que importa agora, é não perder de vista o essencial, o único necessário. Não só não o perder de vista, mas amá-lo verdadeiramente. Amar a Deus, amar a Cristo, amar o próximo. Deus é amor. Criou-nos por amor e foi também por amor que nos resgatou. Governa o mundo por amor para nele fazer amigos. É sobre o amor que seremos julgados, sobre o peso do amor das nossas obras, e a medida da nossa beatitude será a do amor que tenhamos vivido cá em baixo. Este amor aumenta proporcionalmente ao nosso fervor e, até ao fim, poderemos aumentar a sua pureza e intensidade. É mais fácil, em certo sentido, quando formos velhos, porque a alma se encontra com disponibilidade acrescida, talvez mais humilde, pela experiência da vida e sua própria fraqueza. No amor da caridade enraíza-se a confiança na misericórdia de Deus. O velho tem necessidade dela. Os mais santos precisam dela, porque todos nós somos pecadores. A confiança não é uma inclinação natural, instintiva do coração, é uma virtude sobrenatural. Exige ser conservada, cultivada pelo pensamento da bondade incompreensível de Deus.
A vida teológica que se desenvolve na velhice comporta normalmente a influência destas qualidades que aperfeiçoam as virtudes e a que damos o nome de «dons do Espírito Santo». São eles a reverência filial, a inteligência, a ciência e a sabedoria, que transfiguram o estilo do nosso relacionamento com Deus. Não podemos ficar à espera, e temos de saber que com a maturidade espiritual, uma maneira mais aprazível e mais suave de ir ao encontro de Deus nos é oferecida e que, singularmente, nos livra dos incómodos, e da morosidade das nossas primeiras solicitações sobrenaturais.
Às nossas virtudes morais correspondem os dons do conselho, da piedade e da força. Têm também um papel importante a desempenhar na espiritualidade do velho, porque são eles que conferem o seu último fulgor, o seu último requinte às disposições habituais da nossa sensibilidade, da nossa vontade na nossa vida de relação, do nosso espírito no domínio prático.
A graça conduz tudo ao seu termo. Como não destrói pela natureza, mas acaba-a, segundo o adágio bem conhecido, não é de admirar que os nossos recursos propriamente humanos encontrem também as suas realizações no tempo da plenitude espiritual. Todas as riquezas do temperamento e do carácter, todas as qualidades do espírito e do coração e, até à atitude do comportamento corporal, tudo deve apurar-se sem limites, em direcção à meta da excelência da condição humana ideal. Nobreza de sentimentos, visão larga, olvido de si próprio e interesse apaixonado pelos valores da vida, não serão de facto atributos de alguns idosos maravilhosamente realizados e cujo êxito é não só um modelo mas também um convite para todos?
Se a graça e a natureza, ao trabalharem em conjunto na sua expansão mútua, tendem a dar à velhice a figura acabada duma humanidade resgatada, não é menos verdade que a vida espiritual de um idoso deve contar assustadoramente com o enfraquecimento e deficiências que ocorrem o mais frequentemente com a idade prolongada? A natureza não só se tornou aguerrida, esmerada, enobrecida, mas ameaça no seu movimento de retraimento e regressão dar lugar a disposições físicas e psicológicas que, desta vez, se não orientam já no sentido da beleza e da nobreza. Ora, estas disposições involuntárias são como o terreno onde a vida virtuosa deve continuar a dar frutos, tal como a matéria que esta vida deve conter. São precisamente elas que constituem o risco de contaminar a nossa vida espiritual. Solicitam-na, podem seduzi-la. Não que esta vida se perca necessariamente com elas. Dissemos já que a virtude do velho não sofre necessariamente em si mesma as impossibilidades da natureza. Muito antes pelo contrário, pode e deve crescer nesse meio psíquico e corporal tão ingrato. Mencionar as tentações que tem de vencer, as deformações, as hipocrisias que a espiam, seria análise psicológica sem fim. É do conhecimento geral que na idade da senescência, se não estivermos alerta, a piedade transforma-se em complacência e a ternura torna-se pieguice; a justa indignação conduz à irritabilidade; a virtude da força toma cariz de severidade, a firmeza vira autoritarismo, a preocupação do detalhe resvala para a mania. Toda a gente nota que o velho é exteriormente menos activo, mais sensível a quem lhe toca, mais orientado para o passado, enraizado nas suas ideias talvez, e arrogante, crispado ante o que viveu… Tudo isso, que vem do corpo, é resistência à vida e recaída, desprendimento, dissociação. É atribuição de cada qual conhecer-se, saber ao que se encontra exposto, e conservar-se firme na vontade como contracorrente contra a decrepitude e a morte.
*
Se tivéssemos de dar uma conclusão a estas breves notas, diríamos que a velhice constitui, para a vida espiritual, um mundo muito especial, muitas vezes desconhecido, onde se afrontam forças de que podemos afirmar que são levadas ao extremo. Isso não deixa dúvida nenhuma, como acentuámos, para a vida propriamente sobrenatural que não admite radicalmente nenhum declínio – perdemo-la completamente pela falta grave, nunca diminui – e que exerce os seus próprios actos, segundo uma lei de progressão indefinida, até ao fim e cada vez com mais rapidez. A natureza, nos seus elementos positivos, beneficia deste dinamismo de graça e deste porte espiritual: é isto que explica o poder de sedução de certos velhos, santificados e burilados por uma longa vida de virtude.
As forças de decadência representam o outro extremo com o qual temos de contar. Não são já as paixões fogosas da juventude, em disputa com virtudes debutantes e balbuciantes, mas inclinações muito fortes, frequentemente direccionadas para a facilidade e o abandono psíquico. Declínio quase inelutável neste plano, que não devemos confundir com o movimento da verdadeira vida, interior. Num recinto fechado em que se realizam os últimos combates, a adjacência da eternidade confere a todo o facto a sua seriedade e o seu drama, mas não trágico. Face á luz definitiva que se aproxima, a velhice deve ser sobretudo paz e alegria e desejo de ver, enfim, Aquele em que acreditou no crepúsculo e nas sombras desta vida mortal.
R.P. CORVEZ, O.P.
SUMÁRIO
dos livros anteriores da colecção
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I
MÉDECINE ET ÉDUCATION
PRINCIPES DIRECTEURS
(esgotado)
(Medicina E Educação -
Princípios Directores
Introdução: Princípios gerais da colaboração do educador e do médico ……………………………………… R. P. CHARMOT
Capítulo I: As grandes fases do desenvolvimento da criança …Professor MOURIQUAND
Capítulo II: A primeira eclosão da actividade psíquica da criança … Doutor Paul BERTOYE
Capítulo III: O que a psicanálise nos ensina sobre a evolução afectiva da criança …….…………… Doutora BOUTONIER
Capítulo IV: Os reflexos condicionados e o seu papel na educação da criança …………………………………………. Doutor Jean BARBIER
Capítulo V: As tendências actuais da psicologia infantil e a importância das relações psicomotoras na educação ……. ………………………. Doutora Line THÉVENIN
Capítulo VI: As insuficiências do desenvolvimento físico do aluno e a cultura física ……………… Doutor VIGNARD
Capítulo VII: A criança nervosa ……… ……………………………………. Doutor M. PEHU
Capítulo VIII: Aspecto médico do problema da educação sexual … Doutor D’ESPINAY
Capítulo IX: As crianças com reacções anti-sociais ………………… Professor MAZEL
Capítulo X: Saúde, sabedoria, santidade ……………… Abade MONCHANIN
II
PROBLÈMES MÉDICO – PSYCHOLOGIQUES
(Médecine et éducation II)
(esgotado)
(Problemas Médico-Psicológicos -
Medicina E Educação II)
Capítulo I: A parte da hereditariedade e da educação na formação do eu ………………… M. André JOUVE
Capítulo II: Os fundamentos biológicos da pedagogia ……… Doutor Louis CORMAN
Capítulo III: Como é que a criança adquire o domínio da linguagem? ……….………………………. Professor Jules FROMENT
Capítulo IV: Os atrasos da linguagem. Como e em que medida podem ser remediados? …… Doutora FEYEUX
Capítulo V: Imagens e livros para as crianças ………… Doutor André ARTHUS
Equilíbrio endocrínico e equilíbrio nervoso da criança …………… ………………………. Professor MOURIQUAND
Capítulo VI: A atenção do aluno ………………………………… Doutor M. PEHU
Capítulo VII: Sintomas anunciadores das psicoses infantis ….......... Doutor André MESTRALLET
Capítulo VIII: Problemas médicos e psicológicos da educação das raparigas ………………….. Doutor R. BIOT
Capítulo IX: Esboço de um plano de educação integral. ………………. R. P. S. JACKET
III
OBSTACLES ET RECOMMENCEMENTS
(Médecine et Éducation III)
[Obstáculos E Recomeços
(Medicina E Educação III)]
Capítulo I: os climas antieducativos …………………………………… M. V. CARLHIAN
Capítulo II: Os inimigos familiares da educação …………………………… R. LEBEL
Capítulo III: A criança e o jogo …… S. LAGRANGE
Capítulo IV: Reeducação das perturbações sensitivo-motores na criança ……………… Doutor Cl. KOHLER
Capítulo V: A infância irregular perante a justiça ……………………TOURRET
Capítulo VI: A formação da vida espiritual na adolescência … Abade G. HUYGHE
Capítulo VII: O que exigem as crianças? …………………………… H. WALTY
IV
MÉDECINE ET ADOLESCENCE
(Medicina E Adolescência)
Capítulo I: O problema da pré-puberdade …… Professor MOURIQUAND
Capítulo II :A puberdade ………………. …………………………………. Professor COTTE
Capítulo III: Prudência necessária na educação física da adolescência ……... ………………………………… Doutor M. PEHU
Capítulo IV: Adolescência e tuberculose ……..... Professor DUFOURT
Capítulo V: A adolescência sob o ponto de vista psicológico e pedagógico …....……… M. Jean LACROIX
Capítulo VI: Problemas sexuais da adolescência …….... Doutor René BIOT
Capítulo VII: Os riscos sexuais e a sua profilaxia pela educação ………. Doutor JULLIEN
Capítulo VIII: As condições do trabalho dos jovens ……......... Doutor H. M. FAY
Capítulo IX: Como orientar o seu filho na escolha de uma profissão? ………………………… Doutor Jean CHARRAT
Capítulo X: A amizade e o amor. Da solidão até Deus ……………………. Abade MONCHANIN
V
MÉDECINE SOCIALE ET MÉDICINE INDIVIDUELLE
(Medicina Social E Medicina Individual)
Introdução: Ciência do geral e conhecimento do individual…… Henri BOUCHET
Capítulo I: Ciência e conhecimento do individual em medicina humana…....... ………………………………… Professor Rémy COLLIN
Capítulo II: A Biologia do eu.............. ……………………… Professor M. SENDRAIL
Capítulo III: Influências biológicas individuais nas manifestações da actividade física e religiosa … Doutor BALVET
Capítulo IV: Influência da actividade psíquica e moral na actividade biológica ……………… Doutor d’ESPINAY
Capítulo V: Saúde e doença perante a realidade individual...... Doutor MERLE
Capítulo VI: A terapêutica e o indivíduo................. Professor PAGES
Capítulo VII: O colóquio singular …… …………………………… Professor OKINCZYC
Capítulo VIII: Necessidade de uma medicina social ....... Doutor LESTERLIN
Capítulo IX: Como é que a medicina social deve organizar-se para salvaguardar o carácter individual da actividade médica?... Professor MAZEL
Capítulo X: Individualidade biológica e singularidade espiritual ......... Abade RAMBAUD
VI
MÉDECINE ET SEXUALITÉ
(Medicina E Sexualidade)
Capítulo I: Endocrinologia sexual e biologia humana ........... Doutor F. M. DUFOUR
Capítulo II: Importância da sexualidade no desenvolvimento psicológico ........ Professor de GREEFF
Capítulo III: A crise da sexualidade na puberdade ………… Doutora BOUTONIER
Capítulo IV: Aspectos médico-psicológicos da castidade masculina no celibato e no casamento …………… …………….................... Cónego BARBE
Capítulo V: Aspectos médico-psicológicos da castidade feminina no celibato e no casamento …… Doutora SIGNOUD
Capítulo VI: Origem e tratamento da hiperactividade sexual ………… Doutor Pierre GALIMARD
Capítulo VII: Os desvios sexuais e seu tratamento …………… Doutor HESNARD
Capítulo VIII: Sublimação e vida espiritual …………… M. Gustave THIBON
Capítulo IX: Metafísica e teologia da sexualidade …………… Abade RAMBAUD
VII
LE COUPABLE EST-IL UN MALADE OU UN PÊCHEUR?
(O Culpado É Doente Ou Pecador?)
Capítulo I: Duração e culpabilidade: a culpabilidade e o momento presente da história …………………………. M. Jean GUITTON
Capítulo II: Aspecto sociológico da teoria da responsabilidade ………………… ……………………………… M. Robert TROUDE
Capítulo III: O direito penal e o sentimento da culpabilidade ………………
……………………………...... M. SAVEY CASARD
Capítulo IV: Os métodos científicos do estudo da consciência moral em psicologia e em psicopatologia individual e social ………. Doutor Henri BARUK
Capítulo V: Os fundamentos biológicos do sentimento de culpabilidade ………. …………………………….. Doutor Paul ABELY
Capítulo VI: O sentimento de culpabilidade na criança ………. Doutor André BERGE
Capítulo VII: O fenómeno social da culpabilidade e o sentimento religioso, esboço das relações entre biologia e teologia ……… Cónego Eugène MASURE
Capítulo VIII: Pecado e redenção …….
……………………………………. Abade RAMBAUD
Conclusão: Esboço de atitudes práticas do médico e do confessor … ……………………………… Doutor René BIOT
VIII
MÉDECINE ET MARIAGE
(Medicina E Casamento)
Capítulo I: Vocação para o casamento? ou vocação para o celibato? ……………… Doutor René BIOT
Capítulo II: O celibato, estudo psico-fisiológico …………… Cónego LANCRENON
Capítulo III: A hereditariedade: dados biológicos…………………… Andrée TÉTRY
Capítulo IV: O médico e os problemas da hereditariedade …………… Professor MOURIQUAND
Capítulo V: Casamento e doenças nervosas e mentais ……………… Doutor WALTHER RIESE
Capítulo VI: Factores hereditários e educação………… Doutor Paul LE MOAL
Capítulo VII: Hereditariedade e moral
……………………………………… Abade ROBERT
Capítulo VIII: O direito civil do casamento e a saúde dos cônjuges …
………………………………… M. Jean SAVATIER
Capítulo IX: Problemas médicos da nulidade do matrimónio ……… Doutor Henri BON
IX
OÙ COMMENCE LA MALADIE? OÙ FINIT LA SANTÉ ?
(Onde Começa A Doença? Onde Acaba A Saúde?)
Introdução: Onde começa a doença? Onde acaba a saúde? …………… Doutor René BIOT
Capítulo I: Perspectivas históricas e críticas sobre a distinção entre o normal e o patológico ……………… M. J. GUITTON
Capítulo II: Tentativa de uma definição de normal …………… M. Léon HUSSON
Capítulo III: Há em biologia um limiar entre fenómenos habituais e factos aberrantes? ……………… Doutor Gabriel RICHARD
Capítulo IV: À procura dos limites entre normal e patológico em medicina somática ……………… Doutor Pierre MERLE
Capítulo V: O normal e o patológico em psiquiatria ………………………. Doutor Henri EY
Capítulo VI: Como é que o médico pode ajudar o doente a tirar o melhor partido físico e moral das insuficiências corporais? …………… Doutor Raymond DUVAL-ARNOULD
Capítulo VII: Vício e doença ………………….……… Cónego TIBERGHIEN
Capítulo VIII: Como assegurar os socorros espirituais aos doentes tratados em clínica psiquiátrica? ………………… R. P. Gérasime ANTROPIUS
Capítulo IX: A doença e a evolução da humanidade …… R. P. Henry NIEL, s. J..
X
PSYCHISME ANIMAL ET ÂME HUMAINE
(Psiquismo Animal E Alma Humana)
Prólogo ……… Doutor Gabriel RICHARD
Capítulo V: Introdução neurológica: as condições orgânicas da consciência …
……………………… Doutor Paul CHAUCHARD
Capítulo II: Tropismos e inteligência …
…………………………………. M. Gaston VIAUD
Capítulo III: Ferramenta biológica e técnicas humanas ………. Andrée TÉTRY
Capítulo IV: Mímica do animal e linguagem do homem ……… M. Rémy CHAUVIN
Capítulo V: Afectividade animal e sentimentos humanos …… G. CRUCHON s. j.
Capítulo VI: Sociedades animais e sociedade humana ……… P. DE SAINT-SEINE s. J.
Capítulo V: Pensamentos bíblicos sobre os animais ………… Abade Albert GÉLIN, p. s. s.
XI
MÉDECINE ET GUÉRISON
(Medicina E Cura)
Prólogo ……………. Doutor René BIOT
Capítulo I: O que é a cura? Aspectos somáticos e psíquicos ………Professor Georges BOUMARD
Capítulo II:: A cura: seus aspectos biológicos nos seres vivos …… Doutor Gabriel RICHARD
Capítulo III: A doutrina hipocrática do respeito pelas evoluções mórbidas ….
…………………… Doutor Pierre GALIMARD
Capítulo IV: A cura cirúrgica ……………. …………………………. Doutor Georges HUC
Capítulo V: A cura pelo trabalho ……….……………………………… Doutor Ed. SIVRIÈRE
Capítulo VI: A cura psicológica. Suas possibilidades e limites ………… Doutor Marcel ECK
Capítulo VII: O problema das curas ………………….. R. P. Louis BERNAERT s. j.
Capítulo VIII: Aspectos sociais da cura ….
……………………………… Doutor J.-J. GILLON
Capítulo IX: Cura e conversão ……….
………….………………… Abade Marc ORAISON
XII
MÉDECINE ET MERVEILLEUX
(Medicina E Maravilhoso)
Prólogo ………………… Doutor René BIOT
Capítulo I: Introdução ao estudo do maravilhoso: o provável, o incerto e o impossível …………… M. Victor CARLHIAN
Capítulo II: Posição actual frente ao maravilhoso ………………. Dr. A. ASSAILLY
Capítulo III: Do maravilhoso como forma de vida; os primitivos ………… …………………………………R. P. PAIRAULT, s. j.
Capítulo IV: As estruturas mentais da necessidade do maravilhoso …………… …………………………… Doutor THEVENAUT
Capítulo V: As pseudo possessões demoníacas. As demonopatias ………………………………… Jean LHERMITTE
Capítulo VI: As curas inexplicadas ………………… Professor Marcel SENDRAIL
Capítulo VII: O maravilhoso no Antigo Testamento. …………………………………. ………………………… Dom DUESBERG, o.s.b.
Capítulo VIII: O maravilhoso: paranormal, preternatural, sobrenatural ……......... R. P. Réginald OMEZ, o.p.
XIII
DEVENIR ADULTE
(Tornar-se Adulto)
Prólogo ……………. Doutor Claude KOHLER
Capítulo I: O que é um adulto? ………….…………………… M. Joseph FOLLIET
Capítulo II: As idades do homem e da humanidade ……….. M. Victor CARLHIAN
Capítulo III: Os dados fisiológicos: crescimento e senescência ….. Doutor Paul CHAUCHARD
Capítulo IV: As perspectivas biotipológicas do adulto ………. Doutor Jean DUBLINEAU
Capítulo V: A afectividade do adulto: da adolescência à maturidade …………
………. Doutora Juliette FAVEZ-BOUTONIER
Capítulo V: Os mecanismos intelectuais no adulto …………… Doutor Jean GUYOTAT
Capítulo V: Adulto e meio social …… ………………………… M. Georges HOURDIN
Capítulo V: Vida adulta e vida religiosa …………… Abade Léon BARBEY
XIV
L’HOMME DEVANT L’ÉCHEC
(o homem perante o fracasso)
Prólogo …………………. Doutor C. KOHLER
Capítulo I: Carência e fecundidade do fracasso ……………… M. Georges HAHN
Capítulo II:: Os fracassos biológicos ………………..………… Professor A. VANDEL
Capítulo III:: Reflexões psicológicas sobre os níveis inconscientes do fracasso …………. Doutor P. CHAUCHARD
Capítulo IV: O fracasso, factor de
elaboração do psiquismo humano
…………………………………. Abade ORAISON
Capítulo V: Os fracassos na formação do homem ……………… M. Louis RAILLON
Capítulo VI: Os fracassos na vida conjugal ……….…… Doutor Marcel ECK
Capítulo VII: O fracasso no plano social ……….………….. M. Joseph FOLLIET
Capítulo VIII: O fracasso e a criação artística…………………. M. J.-V HOCQUARD
Capítulo IX: Sobre o fracasso. Notas de filosofia e de espiritualidade ... R. P. François VARILLON, s. j.
XV
L’HOMME ET LES GROUPES SOCIAUX
(O Homem E Os Grupos Sociais)
Prólogo…………………………… Dr. C. KOHLER
Capítulo I: Introdução a uma patologia colectiva …………… R. Joseph FOLLIET
Capítulo II: As sociedades ideológicas ………………………………. M. Joseph HOURS
Capítulo III: Algumas observações sobre os factores do meio e as perturbações do grupo familiar.………...……. M. Paul-Henri CHOMBART DE LAUWE
Capítulo IV: Sociopatias industriais…… ……………………… Professor Ag. M. Colin
Capítulo V: Os grupos de doentes...... ……………………… Professor Ag. M. POROT
Capítulo VI: Os grupos reeducativos de crianças e de adolescentes ………….
……………………………… Doutor C. KOHLER
Capítulo VII: Os jovens em grupos e em bandos ………………… M. H. JOUBREL
Capítulo VIII:: Movimentos religiosos e patologia social ………… M. J. LABBENS
Capítulo IX: Colectividades ideais e corpo místico ………. R. P. MARTELET, S. J.
XVI
PERSPECTIVES ET LIMITES DE L’EXPÉRIMENTATION SUR L’HOMME
(Perspectivas E Limites Da Experimentação No Homem)
Prefácio: ……………….... Doutor C. KOHLER
Capítulo I: Definições preliminares.
……………………………. M. Joseph VIALATOUX
Capítulo V: Ouvindo Claude Bernard – textos apresentados pelo ……. Doutor René BIOT
Capítulo III: Desumanização ou transformação da terra pelo progresso técnico ……….. Doutor Paul CHAUCHARD
Capítulo IV:: A experimentação no homem no domínio corporal e psicológico ……… R. P. CRUCHON, S. J.
Capítulo V: Psicanálise e experimentação ……………… Doutor S. VIDERMAN
Capítulo VI: Interacção psicológica e experimentação humana ……… Doutor Henri DUCHÈNE
Capítulo VII: A experimentação em matéria social ….…… M. Joseph FOLLIET
Capítulo VIII: Da experimentação em literatura ………… M. Michel CARROUGES
Capítulo IX: Da experimentação religiosa: «Mística pessoal e ortodoxa, obediência e liberdade» …………… Dom Hilaire DUESBERG, O. S. B.
ÍNDICE
Prólogo
Doutor KOHLER
CAPÍTULO I: Os Velhos na história e na evolução social
M. GAILLARD
CAPÍTULO II: Biologia da Senescência.
Professor BOUMARD
CAPÍTULO III: A geriatria, patologia somática da velhice
Professor Agregado PLAUCHU
CAPÍTULO IV: Psicologia do envelhecimento do homem
Doutor DUBLINEAU
CAPÍTULO V: A evolução psicológica do velho «bem adaptado» Doutor Paul MIRAILLET
CAPÍTULO VI: A evolução psicológica do velho desadaptado
Doutor Paul MIRAILLET
CAPÍTULO VII: O envelhecimento do casal
Doutor René BIOT
CAPÍTULO VIII: Os avós
Doutor André Berge
CAPÍTUL IX: Os trabalhadores dos 45 aos 65 anos
Doutor R. GENTIS
CAPÍTULO X: Os recursos e o domicílio do idoso
Ph. MAGNIN
CAPÍTULO XI: A sociedade e os velhos
M. J.-M. ARNION
CAPÍTULO XII: Espiritualidade da Velhice
R. P. CORVEZ O. P.
SUMÁRIO DOS LIVROS ANTERIORES DA COLECÇÃO
LEGENDAS
LEGENDAS
LEGENDAS
(1) Na medida em que se considera a longevidade como o espaço de tempo decorrido entre duas datas do estado civil.
(2) J. DARIC : Envelhecimento da população e prolongamento da vida activa, p. 15.
(3) Quer se trate do número de velhos em relação à população total ou em relação aos adultos ou em relação aos jovens. (A. Sauvi: Théorie générale de la population (Teoria Geral Da População), t. II, p. 51). Uma tal relação não é irreversível. Certas nações podem rejuvenescer. É precisamente o que vai acontecer em França cerca de 1980. Distinguiremos, caso seja necessário, entre senescência e envelhecimento.
(4) P. TEILHARD DE CHARDIN: Le phénomène humain (O Fenómeno Humano), p. 41.
(5) Este problema é evocado por Marcel R. REINHARD in Histoire de la population mondiale (História da População Mundial) de 1700 à 1948, Paris 1949, p. 17 a 40, e magistralmente tratado por R. MOLS. (S. J.) in Introduction à la démographie historique des villes d’ Europe du XIVe siècle au XVIIIe siècle (Introdução À Demografia Histórica Das Cidades Da Europa Do Séc. XIV Ao Séc. XVIII) (3 vol.), Louvain 1954.
(6) Em França, 1801. Para consultar a lista, cf. HUBER (M.), Cours de démographie (Curso De Demografia), II, p. 2.
(7) O recenseamento dos U. S. A. ocupou em 1930 110.000 pessoas.
(8) A passagem da enumeração ao recenseamento faz-se de uma maneira tão insensível que certos autores como CARR-SAUNDERS, World population, p. 10, puderam negar a possibilidade de datar o primeiro recenseamento.
(9) M. MOLS, op. cit., p. 15, t. I.
(10) Cf. o trabalho de base de Julien BELOCH: Bevoelkerungschichte Italiens, 2 vol., Berlim, 1939.
(11) R. MOLS, op. Cit., t. I. p. 19. A influência bizantina não é claramente demonstrada.
(12) Cf. Artigo Comunhão in Dictionnaire de Droit Canonique (Dicionário De Direito Canónico), t. III, col. 1.120.
(13) Por exemplo 59 anos ou 59º ano.
(14) Cf. o exemplo dado por ESMONIN em La Statistique en moderne (A Estatística Moderna), Paris 1935.
(15) «Estas enumerações ímpias sempre indignaram o Criador». SAINT-SIMON, Mémoires (Memórias), t. VIII, p. 137.
(16) Como foi David (II, Samuel, XXIV, 1 – 17, e I. Chroniques (Crónicas), XXI, 1 - 17).
(17) 25 – 27. Números que serviram de base à nova divisão da França em departamentos.
(18) R. MOLS, op. cit.
(19) Com objectivos financeiro (censos para baptismos, casamentos e mortes) e canónico (obstáculos ao casamento). Não podemos relacioná-los com as práticas romanas ou bizantinas.
(20) E não como sustentámos (cf. MUNTER : Church registers in English historical review 1937) «uma consequência da reforma». Generalizaram-se nessa época por permitirem um controle fácil dos bens religiosos. Até agora, o decano dos registos paroquiais tem sido francês. É o da cidade de Givry na Borgonha (1334).
(21) GALABERT: Les registres paroissiaux en France (Os Registos Paroquiais Em França). R. LEMELIN: Les registres de l'état des personnes dans la province de Québec (Os Registos Do Estado Das Pessoas Na Província Do Quebec). (Revue de l’Université Laval (Revista da Universidade de Laval), 1947.) Ordenação do bispo de Nantes, 3 de Junho de 1406, antes do Concílio de Trento; do mesmo modo prescrições respeitantes aos registos nos numerosos sínodos pré-tridentinos; igual preocupação nas igrejas reformadas.
(22) Comunicação de H. VALLOIS no 2º. Congresso Internacional de Paleontologia, citado por A.-L. Vischer: Das alter als Schicksal und Erfüllung (Bâle), tradução francesa de Mme Mazé: La Villeiesse, Destinée et Accomplissement (A Velhice, Destino E Realização). Flammarion 1959, p. 76.
(23) H. WEINERT: Menschen der Vorzeit, 1930.
(24) Cl. LÉVI-STRAUSS: La vie familiale et sociale des Indiens Nambikwara (A Vida Social E Familiar Dos Índios Nambikwara). Th. lett. comp., 1948.
(25) O assassínio do chefe in J. Frazer: The golden Bough, 1913; e também le mithe d’Œdipe ou de Chronos (O Mito De Édipo Ou De Chronos): e também o bem conhecido papel do coqueiro.
(26) JULIUS LIPS: Les origines de la culture humaine (As Origens Da Cultura Humana), trad. de D.-L. de Pedrals. Payot, 1951, p. 258.
(27) op. cit.
(28) Um grande silêncio sobre as mulheres idosas. São susceptíveis de receber revelações concernentes ao futuro, o que é um privilégio do adulto macho entre os Índios Nambikwara. Cl. LÉVI-STRAUSS op. cit.
(29) C. LÉVI – STRAUSS (op. Cit.), ensina-nos que os Índios Nambikwara têm apenas uma palavra para dizer jovem e belo e também só uma para dizer velho e feio.
(30) A.-L. WISCHER: La Vieillsse (A Velhice), p. 77.
(31) ( De civitate , XV.
(32) «O sábio Plínio afirma que quanto mais o tempo passa tanto mais os corpos que a natureza produz diminuem». Santo Agostinho, De civitate Dei, XV, 9.
(33) De Civ. Dei, XIII, 10.
(34) V.-G. VALAORAS : The expectation of life in ancient Greece, 1936.
(35) K. PEARSON: On the change in the expectation of life in man during a period of circa 2.000 years 1902. Biometrick em 1902.
(36) Não podemos obter bons resultados se utilizarmos documentos epigráficos. Cf. C. APPLETON: La longévité et l’avortement volontaire aux premiers siècles de notre ère (A Longevidade E O Aborto Voluntário Nos Primeiros Séculos Da Nossa Era). Lyon, 1920.
(37) M. KEMMERICH. Die Lebensdauer und die Todsursachen innerhalb der deutschen kaiser – und Koenigsfamilien. 1909.
(38) Op. Cit.
(39) O excesso de mortalidade masculina parece aqui excessivo.
(40) S.-W. BICKEL: Bevoelkerungsgeschichte und Bevoelkerungspolitik der Schweiz seit dem Ausgang des Mittelalters. Zurich 1947.
(41) I.D. BELTRAMI: Storia della popolazione di Venezia dalla fine de secollo XVI alla caduta della Républica. Padoue, 1954.
(42) PELLER: Population studies (1948): Mortality past and future.
(43) Sobre as pesquisas meteorológico/históricas e a ajuda da Dendrologia., cf. L’ article lumineux (O Artigo Luminoso) de E. LE ROY LADURIE: Histoire et Climat. Anales (História E Clima. Anais.). 1959. I.(44) R. MOLS, op. cit. T. II, p. 233.
(45) SUNDBARG: Bulletin de l’Internationale de Statistique (Boletim Da Internacional De Estatística), 1900, 10 % com mais de 5 anos numa população em progresso, 23% com mais de 50 anos para uma população estacionária.
Um pouco diferentes são os números de VINCENT: La mortalité des vieillards, Population, 1951, Nº. 2 (A Mortalidade Dos Velhos, População, 1951, Nº. 2): ¼ dos bebés morriam antes de completarem 1 ano: menos de metade chegavam à idade adulta; menos de ¼ atingiam os 60 anos; menos de 1/10 chegavam aos 80 anos.
(46) FUSTEL DE COULANGES: La cité antique, bien sûr et pour une meilleure analyse du facteur économique (A Cidade Antiga, Naturalmente E Para Uma Melhor Análise Do Factor Económico), C.-W. WESTRUP: Introduction to early roman law. 3 vol. Trad. Du danois Copenhague, Londres, 1934-1944 (trad. do dinamarquês, Copenhague, Londres, 1934 – 1944).
(47) Entre outros, ALVAREZ: de l’influence des phénomènes politiques, économiques et sociaux dans l’organisation de la famille moderne (Da Influência Dos Fenómenos Políticos, Económicos E Sociais Na Organização Da Família Moderna)Th. – direito. 1899.
(48) M.-R. REINHARD, op. cit. p. 67.
(49) Cf. em grego geras: vieillesse et privilèges, et geraios: don en vue d’honorer (Velhice E Privilégios, E Geraios: Dom Em Vista De Honrar).
(50) Le Misere par le Renclus, citado por Ch. LANGLOIS: La vie en France au Moyen Age, de la fin du XIIe au milieu du XIVe siècle (a vida em França na Idade Média, do séc. XII a meados do século XIV). Paris, 1925, 2 vol., t. II p.173: Paris, 1925, 2 vol., t. II p.173:
On voit bien morir le veel (veau)
Devant la mère, et plus d’agnel
Que de brebis sont piaus en vente.
(51) HARTZHEIM : Concil Germ(Concíclio Al.), XI, 534.
(52) BUCHER
(53) MARTHOREZ. Ambos citados por R. Mols, op. cit. t. II. P. 316.
(54) H.-I. MARROU : Histoire de l’éducation dans l’antiquité (História Da Educação Na Antiguidade), pp. 322-324.
(55) Nb. 16-17.
(56) Renunciamos a um estudo do comportamento dos governos baseados na idade média dos chefes. As condições históricas são demasiado instáveis para permitir uma comparação válida.
(57) WISCHER, op. cit., p. 185.
(58) Citado por LANGLOIS (ch. v), op. cit., p. 120 :
Ensi avons alquanz ja bien veüz
Dedens trente ans trestot gris e chanux
Bien frailes tens est endreit nos venuz
Quant hom est vielz…
(59) J. GUILLAUME: La longévité (a longevidade). P.U.F., 1957, p. 13 e também Ch. LEJONCOURT: Galerie des centenaires, antiques et modernes (Galeria Dos Centenários Antigos E Modernos), apresenta THOMAS PARCK, falecido a 16 de Dezembro de 1935 com a idade de 152 anos e 9 meses após uma velhice amena (casado entre 120 e 140 anos e trabalhando até aos 130 anos).
(60) De Senectude, XI, 34.
(61) Platão: A República, 406, d/e, tb p. 331 b.
(62) PINDARE BERTK : Poeg Lyr – Or (Ouro), p. 452.
(63) Sabe-se que no século XVII se evocava assim um velho a dirigir os trabalhos dos operários a plantar sob as suas ordens!
(64) Mais bem adaptado à inacção ou à actividade reduzida da velhice do que no nosso sentido actual do trabalho, por vezes gerador de um sentimento de inutilidade.
(65) Causes et conséquences de l’ évolution démographique (Causas E Consequências da Evolução Demográfica). Nações Unidas, 1953, p. 8.
(66) WILLCOX: Studies, 1940.
(67) M. – R. REINHARD, cap. III, op. cit.
(68) Causes et conséquences de l’ évolution démographique (Causas E Consequências da Evolução Demográfica). Nações Unidas, 1953, p. 61.
(69) Papel bastante reduzido da medicina nos começos do período considerado.
(70) A. Sauvy: Théorie générale de la population (Teoria Geral Da População), t. II, p. 81 e também Louis CHEVALIER: Classes laborieuses et classes dangereuses (Classes Trabalhadoras E Classes Perigosas). Plon, 1958.
(71) Revue de l'Institut International de Statistique (Revista Do Instituto Nacional De Estatística), 1950, Nº. 3-4.
(72) A. SAUVY: Théorie général de la population (Teoria Geral Da População ). P.U.F., 1954, vol. II, pp. 90-93.
(73) O aparelho médico-social depende, em certa medida, do nível económico e das instituições.
(74) Population (População), oct.-déc. (Out.-Dez.) 1952
(75) Página 546.
(76) M.-R. REINHARD, op. cit., p. 252.
(77) G. DARIC, op. cit., p. 18.
(78) G. DARIC, op. cit., p. 19, quadro I.
(79) J.-M. JEANNENEY: Tableaux statistiques relatifs á l’économie française et à l’économie mondiale (Quadros De Estatística Referentes À Economia Francesa E À Economia Mundial). Colin, 1947, P. 14.
(80) A. SAUVY, op. cit., tomo II, p. 55.
(81) Nações Unidas, Annuaire démographique (Anuário Demográfico) 1949-1950, p. 41.
(82) Não saberíamos tratar aqui este problema que já provocou uma grande quantidade de estudos.
(83) Aumento das relações estéreis; limitação dos nascimentos pois que, em alturas de forte mortalidade infantil, para se ter qualquer hipótese de educar 2 ou 3 crianças até à idade adulta seria necessário trazer ao mundo 5 ou 6. Começo, pois, de esterilidade voluntária.
(84) No momento em que este artigo era redigido, aparecia uma estatística de Péquignot referindo-se a casos mais ou menos semelhantes que davam resultados aproximadamente concordantes. Pedimos desculpa de a não termos levado em conta.
(85) «As aptidões intelectuais declinam com a idade?» Revue française de Gérontologie (Revista Francesa De Gerontologia), 1958, pp. 17-32.
(86) Entre eles o estudo levado a cabo por W. OWENS em cento e vinte e sete estudantes da Universidade do Iowa testados pela primeira vez em 1919 por LE BINET-SIMON e onde encontrou uma admirável conservação dos resultados e mesmo, em alguns, uma melhoria nítida.
(87) G. DAUMEZON e Mlle MOOR: «Remarques sur l’utilisation du test de Weschler. Détérioration et inefficience «(Observações Acerca Da Utilização Do Teste De Weschler. Deterioração E Ineficiência)». (Ann. Méd. Psycho.. (An. Méd. Psic.), 1955, 113, p. 94.)
(88) O código é uma prova de desempenho. Trata-se de sessenta e sete números que o indivíduo deve marcar em dois minutos com um símbolo dado por cada algarismo de 1 a 9. Este estudo foi principalmente levado a cabo por Hunt.
(89) VINCENT (citado por Pacaud no livro Précis de Gérontologie (Compêndio De Gerontologia) de BINET, p. 54). Obtém-se a partir dos resultados de testes de inteligência verbal: «Group Test (Teste Grupo) 90 A».
(90) DELAY: Les dissolutions de la mémoire (As Dissoluções Da Memória), p. 91 e seg.
(91) M. SOSSET: «Recherches sur les troubles de la mémoire (Pesquisas Sobre As Perturbações Da Memória)». [Ann Méd. Psycho (An. Méd. Psic.), 1933]
(92) H. M. CLAY: Changes of performance with age on similar tasks of varying complexity. (J. Psychol., 1954, 45, p. 7. Citado in Traité de Gérontologie (Tratado De Gerontologia) de BINET.
(93) «Déclin des aptitudes avec l’âge» [Arch. Psychol. de Genève (Arq. Psic. de Genebra), 1931, 23, p. 67. Citado por Pacaud in Traité de Gérontologie (Tratado De Gerontologia) de BINET.
(94) Publicado com o estudo de Jean DARIC sobre o Vieillissement de la population et prolongation de la vie active (Envelhecimento Da População E Prolongamento Da Vida Activa).
(95) «Problemas colocados pela presença no grupo familiar de várias gerações: a coabitação e o desleixo dos velhos.» (Descrição apresentada pela Escola de Pais. L’Hygiène Mentale (A Higiene Mental), 1959, tomo IIL, Nº. 1, p. 68-79
(96) É tão frequente que se propôs a identificação do grau de presbitia como medida da senescência.
(97) «Étude sur les facteurs écologiques du suicide (Estudo Sobre Os Factores Ecológicos Do Suicídio)». (Rev. Lyonn. de Méd., août-sept. (Rev. Lion. De Med., Ago-Set) 1957, p. 843 e seg.)
(98) «Enquête sur les conditions de vie et le devenir des femmes hospitalisées âgées (Inquérito Sobre As Condições De Vida E O Futuro Das Mulheres Idosas Hospitalizadas)» (Rev. Lyonn. de Méd., août-sept (Rev. Lion. De med., Ago-Set) 1957, p. 899.)
(99) «Estudo da situação económica e do estado físico e psicológico de cem pessoas, com a idade de sessenta anos e mais, tratadas na Policlínica Universitária de Medicina de Genebra.» (Genebra, 1956.)
(100) Desde o inicio do século.
(101) «Cités de repos, cités de retraite (Cidades De Repouso, Cidades De Reformados)». (Journal de l’Amateur d’ Art, février (Jornal Do Amador De Arte, Fevereiro) 1959.)
(102) La verte Vieillesse (A Velhice Amena). (Rey, Lyon, 1920.)
(103) e
(104) Notre Vieillesse (A Nossa Velhice) (Fayard, Paris, 1960.)
(105) Cf. o testemunho, que se tornou célebre para sempre, do Dr. VILLERMÉ, membro da Academia de Medicina em 1840: «Tableau de l’état physique et moral des ouvriers employés dans les manufactures de coton, de laine et de soie» (Quadro Do Estado Físico E Moral Dos Operários Empregados Nas Manufacturas De Algodão, De Lã E De Seda). (J. RENOUARD. Paris, 1840.)
(106) O Grupo Lionês publicará brevemente um livro de «Convergences» consagrado a marcar a diferença entre o desejo de fecundidade e o amor materno autêntico.
(107) Trabalho do Instituto de Medicina Legal e de Criminologia clínica. (Prof. L. ROCHE )
(108) R. GENTIS: «Les états dépressifs de l’âge moyen chez la femme (Os Estados Depressivos Da Meia-Idade Na Mulher).» (Thèse (Tese), Lion, 1955)
(109) Mlle Vannier : «Hôpital et Aide Sociale (Hospital E Apoio Social).» ([, mai (Maio), 1960.]
(110) DARIC :«Vieillissement de la population et prolongation de la vie active (Envelhecimento Da População E Prolongamento Da Vida Activa).» (I.N.E.D.
: Travaux et Documents (Trabalhos e Documentos), Cahier (Caderno) Nº. 7, p. 28 et 29 : Rapport du Haut-Comité Consultatif de la Population et de la Famille (Relatório do Alto Comité Consultivo Da População E Da Família) sobre «La Population Française (A População francesa)». [La Documentation Française (A Documentação Francesa), 1955, p. 134.]
(111) DARIC : Op. cit. p. 26 e 27 ; Relatório do Alto Comité, p. 133
(112) DARIC : «Vieillissement de la population, besoins et niveau de vie des personnes âgées (Envelhecimento Da População, Necessidades E Nível De Vida Das Pessoas De Idosas).» (Revista Population (População), 1952, Nº. 1, p. 48.)
(113) A. CARREL: L’Homme cet inconnu (O Homem, Esse Desconhecido). (1935, p. 222.)
(114) DARIC : Op. cit., p. 77-78.
(115) Congresso sobre «Le Travail des personnes âgées (O Trabalho Das Pessoas Idosas)» (Revista, Travail Social (Trabalho Social), , 1958, Nº. 2, número consagrado à «La Gérontologie (Gerontologia)».
(116) DARIC : Op. cit.,p.85 e seg.: Rapport du Haut-Comité (Relatório do Alto-Comité), p. 269 – DARIE: Art.cit. Population (População), 1952, Nº. 1, p. 39-40.
(117) DARIC : Op. cit., p. 123 e seg. ; art. cit. p. 42.
(118) DARIC : Op. cit., p. 153. – A. L. VISCHER: La Vieillesse (A Velhice). (Flammarion, p. 207.)
(119) F. PETIT-LIEVOIS: L’aide aux personnes âgées en Suède (O Apoio Às Pessoas Idosas Na Suécia) [document polycopié (documento policopiado)] – F. PETIT – LIÉVOIS: La Législation suédoise d’Assurances sociales (A Legislação Sueca de Segurança Social). – Bulletin d’Information du Ministère de la Santé Publique et de la Population (Boletim De Informação De Saúde Pública E Da População), 1959, Nº. 1. – D. LONNOY: «Voyage d’Études en Suède et au Danemark : Problèmes médico-sociaux de la vieillesse (Viagem De Estudos Na Suécia E Na Dinamarca : Problemas Médico-Sociais Da Velhice).» [Bulletin d’Information du Ministère de la Santé Publique et de la Population (Boletim De Informação Do Ministério De Saúde Pública E Da População), 1960, nº 1.] – J. VANNIER : Revue Travail Social (Revista Trabalho Social), 1958, Nº. 2.
(120) DARIC : Op. cit., p. 1958. – VISCHER: Op. cit., p. 211 e seg.
(121) Citado por VISCHER : Op. cit., p. 206.
(122) DARIC : Op. cit., p. 34.
(123) Citado por VISCHER, p. 204.
(124) Op. cit., p. 272.
(125) DARIC : Op. cit., p. 161.
(126) VANNIER: Art. Cit.
(127) VINCENT: «Vieillissement de la population, retraites et immigration (Envelhecimento Da População, Reforma E Emigração).» (Revue Population (Revista População), 1946, Nº. 2, p. 213. - DARIC : Op. cit., p.39.)
(128) DARIC : Op. cit., p.177 – GIRARD et HENRY: «Les attitudes et la conjoncture démographique (As Atitudes E A Conjuntura Demográfica)» (Revue Population (Revista População), 1956, Nº. 1.)
(129) Informations Sociales (Informações Sociais), 1953, Nº. 5, p. 243
(130) DARIC : Op. cit., p. 38.
(131) VANNIER: Art. cit. – Daric: Art. cit. Population (População), 1952, Nº.1, p. 35.
(132) DELORE: «Les gens âgées dans la société française (As Pessoas Idosas Na Sociedade Francesa)», conferência de Imprensa de 20 de Abril de 1956. [La Documentation Française (A Documentação Francesa)]
(133) Bulletin Hebdomadaire de la Statistique (Boletim Hebdomadário Da Estatística), Nº. 431, août (Ago) 56.
(134) F. LEFEBVRE : «Les pensions et allocations de vieillesse des différents régimes de Sécurité Sociale (As Pensões E O Alojamento Na Velhice Dos Diferentes Regimes De Segurança Social).» [Informations Sociales (Informações Sociais), 1933, Nº. 6, p. 298.]
(135) (135) Rapport du Ministre du Travail [Declaração do Ministro do Trabalho (J.O. 22 mai (Maio) 1958)]. – Rapport du Haut-Comité (Relatório Do Alto Comité) p. 227.
(136) Rapport du Ministre du Travail, cit (Declaração Do Ministro do Trabalho, cit.) – Rapport du Haut-Comité (Relatório Do Alto Comité), p. 227 – Bulletin d’Information du Comte de Paris (Boletim De Informação Do Conde De Paris):«Les vieux dans la Cité (Os Velhos Na Cidade)», mars (Março)1959
(137) «La structure de la population et la Sécurité Sociale (A Estrutura Da População E A Segurança Social).» (Revue Population, juillet (Revista População, Julho) 1950.)
(138) VANNIER: Art. cit.
(139) DARIC : Art. Cit., Population (População), 1952.
(140) DARIC : Art. Cit., Population (População), Nº. 1. - VISCHER Op. cit., p. 147.
(141) Bulletin Hebdomadaire de la Statistique (Boletim Hebdomadário De Estatística), 1956, Nº. 431.
(142) M. WILLEM :«Les vieillards dans leur famille (Os Velhos Na Família).» (Revue Informations Sociales (Revista Informações Sociais), 1953, Nº. 6, p. 333.)
(143) PETIT-LIÉVOIS e VANNIER: Art. cit.-PETIT-LIÉVOIS: «Les institutions modernes en faveur des personnes âgées en Hollande (As Instituições Modernas A Favor Das Pessoas Idosas Na Holanda)» (documento policopiado). – GOSSET : «Les vieillards en établissements hospitaliers (Os Velhos Em Estabelecimentos Hospitalares).» [Revue Informations Sociales (Revista Informações Sociais), 1953, Nº. 6 – VISCHER: Op.cit., p. 151.)
(144) Compilação dos textos oficiais respeitantes à Saúde Pública e à População: fascículo especial 60-40 bis: «Aide et action sociales en faveur des personnes âgées (Apoio E Acção Social A Favor Das Pessoas Idosas).» – ARNION: «L’aide sociale aux personnes âgées (O Apoio Social Às Pessoas Idosas).» (Revue française de Gérontologie, avril (Revista Francesa De Gerontologia, Abril) 1960. – CECCALDI : «Données générales du problème des personnes âgées en France (Dados Gerais Sobre Os Problemas Dos Idosos Em França ).») [Revue de l’Aide Sociale (Revista De Acção Social), 1958, Nº. 3.]
(145) Congresso de Merano [Revue Travail Social (Revista Trabalho Social), 1958, Nº. 2]
(146) VISCHER : Op. Cit., p. 152.
(147) Congresso de Merano. [Revue Travail Social (Revista Trabalho Social), 1958, Nº. 2, p. 46.]
(148) Travail Social (Trabalho Social), cit. p. 46. – DELORE : Op.cit.
(149) Travail Social (Trabalho Social), cit. p. 44; Compilação dos textos respeitantes à Saúde Pública e à População, fascículo especial cit.
(150) VISCHER : Op. cit., p. 248.
(151) Travail Social (Trabalho Social), cit. p. 42.
(152) Informations Sociales (Informações Sociais), 1953, Nº. 5, p. 245.
(153) Informations Sociales (Informações Sociais), 1953, Nº. 5, p. 245.
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
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